A Articulação das Mulheres do Cerrado divulga Manifesto nesse 8 de março. No documento as mulheres denunciam: "as violências recorrentes e crescidas na pandemia do covid-19, ocasionada pelas grilagens, pistolagens, especulação imobiliária, envenenamento das águas e dos biomas, desmatamentos, queimadas criminosas, o extermínio da fauna e da flora dos nossos territórios; a não regularização dos territórios, as mudanças de leis de terras no Brasil, junto às mudanças nas legislações ambientais e mercantilização da natureza (Zoneamento Econômico Ecológico-ZEE, Cadastro Ambiental Rural-CAR e Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação- REDD), o arrendamento para plantio de monocultura, a mineração; as práticas machistas e patriarcais perpetuadas por empresas e pelo Estado, que tentam nos exterminar e acabar com nossas histórias, nos expulsando dos territórios; o governo federal, genocida, irresponsável, machista e racista!". Confira o documento na íntegra:
Manifesto das Mulheres do Cerrado: Construindo (Re)Existências
“Cansei de ser domesticada
Quero andar com os próprios pés
Organizar a rebeldia
E assim deixar de ser refém.”
(Canto de Marli Fagundes, Eula Martins e Maria Monte, entoado no II Encontro Nacional das Mulheres do Cerrado/Nov 2020)
Neste 8 de março de 2021, nós da Articulação das Mulheres do Cerrado, mulheres de diferentes territórios, comunidades, municípios e estados deste país chamado Brasil, viemos por meio desta nota pública expressar nossas (re)existências e repúdio às diversas violências causadas aos nossos corpos e aos nossos territórios.
Somos muitas, lutamos pela vida, pela memória daquelas que vieram antes de nós e por aquelas que já não estão mais aqui. Carregamos no sangue a força das nossas ancestrais, pois somos resistentes, resilientes, feministas, negras, indígenas, quilombolas, camponesas, assentadas e acampadas, sem-terra, atingidas por mineração e barragens, quebradeiras de coco babaçu, sertanejas, pescadoras, vazanteiras, LGBTQI+, assalariadas rurais, de fundo e fecho de pasto, raizeiras, benzedeiras, agricultoras familiares, geraizeiras, ribeirinhas.
Em 2020, nós mulheres cerradeiras, do campo e da cidade, fomos impactadas duramente com a chegada da pandemia da Covid-19. Perdemos muitas companheiras e com elas tanta sabedoria ancestral. Com algumas delas, não tivemos tempo da despedida, de dar tchau, de um abraço, de agradecer. Contudo, resistimos e resistiremos sempre! Além da pandemia, a sobrecarga de trabalho no cuidado com os afazeres domésticos, com os filhos, com os mais velhos, nas roças, na quebra do coco babaçu, nas milhares de reuniões, também nos assola.
Como se todo o sofrimento não fosse suficiente, os dados nos alarmam. Conforme informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, uma mulher é agredida fisicamente a cada dois minutos, tendo sido registradas 266.310 ocorrências de lesão corporal em decorrência de violência doméstica e 1.326 registros de feminicídio, em 2019 (FBSP, 2020) [1]. Todas essas violências ocorrem principalmente no âmbito do lar, espaço que deveria ser de acolhimento, aconchego e amor; e tem se tornado a cada dia, espaço de tensões, agressões e morte. Nós repudiamos qualquer ato de violência contra as mulheres que venha causar dor, sofrimento e morte.
Denunciamos e repudiamos as violências recorrentes e crescidas na pandemia da Covid-19, ocasionadas pelas grilagens, pistolagens, especulação imobiliária, envenenamento das águas e dos biomas, desmatamentos, queimadas criminosas, pelo extermínio da fauna e da flora dos nossos territórios.
Denunciamos a não regularização dos territórios, as mudanças de leis de terras no Brasil junto às mudanças nas legislações ambientais e mercantilização da natureza (Zoneamento Econômico Ecológico-ZEE, Cadastro Ambiental Rural - CAR e Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação - REDD), o arrendamento para plantio de monocultura, a mineração. Medidas essas que estão todas ligadas ao aumento das violências no campo.
Denunciamos as práticas machistas e patriarcais perpetuadas por empresas e pelo Estado, que tentam nos exterminar e acabar com nossas histórias, nos expulsando dos territórios. Mas gritamos que temos raízes profundas e não será fácil, sempre brotaremos, mais fortes e vivas!
Denunciamos também o Governo Federal, genocida, irresponsável, machista e racista. Governo que espraia por suas mãos o sangue de mais de 260 mil mortes ocasionadas pela Covid-19. Governo que mata e negligencia, ao invés de cuidar das pessoas e de um dos maiores sistemas públicos de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS salva, ele não! Governo que nega a pandemia e a vacina e deixa que o vírus se espalhe entre os mais pobres e as populações mais vulneráveis… Gritamos: Fora Bolsonaro!
Por tudo isso, continuamos resistindo e buscando formas de proteção. Criamos barreiras sanitárias por conta própria, continuamos tomando nossos chás de ervas, raízes e sementes plantadas nos nossos territórios, fortalecemos nossas práticas de produção para segurança e soberania alimentar, e para continuar nas nossas articulações. Realizamos nosso II Encontro das Mulheres do Cerrado, que reuniu mais de 100 cerradeiras, de diferentes estados e municípios. Foi bonito vivenciar tanta força, coragem e sabedoria.
Seguiremos firmes, derrubando cercas e muros, enfrentando o machismo, o racismo, o patriarcado. Plantando sementes, colhendo frutos, flores, regando as raízes que são as veias da terra, o que liga o de dentro com o fora, regadas com águas abundantes do Cerrado, que florescem nas serras e fazem brotar vidas e sonhos, fortalecendo nossas conexões com a Mãe Terra.
Articulação das Mulheres do Cerrado
1 FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2020.