Representantes de entidades eclesiásticas, das pastorais e dos Direitos Humanos apresentaram aos deputados a importância de uma comissão permanente que possa fiscalizar e identificar os verdadeiros responsáveis pelos incêndios no Brasil, além de um reconhecimento ao trabalho e sabedorias dos povos e comunidades tradicionais que defendem seus territórios.
Texto: Caio Barbosa - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Foto: Leandro Santos - Comunidade Quilombola Cocalinho/MA
“Se existe Pantanal, Amazônia e Cerrado de pé, é porque ainda existe povos e comunidades tradicionais que os defendem”, essa foi a fala final de Valéria Santos, representante da Comissão Pastoral da Terra - CPT, que durante a audiência virtual destacou que a necessidade de reconhecer a sabedoria ancestral e os trabalhos realizados pelos Povos e Comunidades que defendem seu território. Além disso, os participantes também reforçaram a urgência de se identificar e responsabilizar os verdadeiros culpados pelos incêndios criminosos que destroem a biodiversidade do país.
A audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira, 8, foi promovida pela comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha estratégias para enfrentar as queimadas no Brasil. O debate na comissão teve a coordenação da deputada federal, Professora Rosa Neide - PT/MT, e contou com participação de representantes dos Organismos Eclesiásticos, Pastorais e Direitos Humanos: Dom Juventino Kestering, Bispo da Diocese de Rondonópolis Guiratinga; Pe. Marco Antônio Ribeiro, articulador das Pastorais da Diocese de Corumbá e do Regional Oeste 1 da CNBB-MS; o representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Paulo Roberto Maldo; Pastor Teobaldo Witter, representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC; Dr. Luís Augusto Passos, professor do Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação/UFMT; e Valéria Santos, representante da CPT e da Articulação das CPT’s do Cerrado.
Saiba mais: Participe da Campanha Radar das Queimadas no Cerrado
Agro é fogo: Queimadas são crimes do agronegócio!
A reunião foi iniciada com menções aos trechos escritos no Laudato Si, a Carta do Papa Francisco, que tece importantes críticas ao nosso atual modelo de desenvolvimento e também aponta reflexões importantes para mudanças no mundo. Partindo dessa menção ao Papa, o debate realizado pelos convidados/as apresentou importantes fatos relacionados aos incêndios que destroem o Pantanal, a Amazônia e o Cerrado. Um ponto em comum nas falas, é que o fogo e suas proporções são de causa criminosa, e está diretamente ligado a grilagem de terra e a cadeia destrutiva impulsionado pelo setor agroindustrial, que usa o fogo para queimar os biomas, em favorecimento de novas áreas para pastagem e produção de soja. Além disso, é uma estratégia para expulsar os povos e comunidades tradicionais.
Na reunião, Valéria Santos destacou que o Estado brasileiro precisa responsabilizar os verdadeiros culpados pelos incêndios, e apontou que ao longo dos últimos 40 anos o agronegócio vem destruindo os biomas no país. Ela falou sobre a questão da fronteira agrícola do MATOPIBA, áreas do Cerrado que estão sendo destruídas para produção de monoculturas. “Quem está lucrando com as queimadas? a bolsa de valores da soja crescem e igualmente as queimadas vem crescendo no Brasil”, questiona Valéria após apresentar fotos da Comunidade Quilombola Cocalinhos no Maranhão, que recentemente tiveram que enfrentar e apagar focos de incêndios que ameaçavam o roçado e as áreas do quilombo.
O Pe. Marco Antônio, em sua fala questionou quais as motivações para esse fogo criminoso e que as consequências são sentidas não somente em um nível local, mas em uma esfera global. Ele menciona que o início dos focos de incêndio na região do pantanal sul matogrossense começou em áreas distantes das comunidades, e que se o fogo chegou próximo às comunidades, é com objetivo de expulsar os povos dessas áreas. Pe. Marco Antônio terminou sua fala dizendo que “o nosso pantanal está sendo preparado para se tornar o pastanal”, uma alusão a criação de novos pastos após os incêndios na região.
O representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Paulo Roberto Maldos disse durante a reunião que existe um vasto conhecimento secular das comunidades tradicionais e povos, e que precisamos articular isso junto aos estudos científico que são produzidos para preservação da biodiversidade. Ele apontou que é preciso rever os conceitos dos grandes projetos de desenvolvimento que impactam os biomas (hidrelétricas, mineração, monocultivos, entre outros), bem como, as políticas em torno do uso dos agrotóxicos. Além de mais incentivos para recuperação de áreas degradadas, como margens de rios e nascentes, e a realização de trabalhos de prevenção juntos as comunidades.
Durante a sessão, houve a participação de alguns deputados federais, entre eles o Dep. Ivan Valente (PSOL-SP) apontou que as ações do Governo Federal no combate ao fogo, foram ações tardias e ineficientes. O deputado destacou que isso também estaria relacionado ao desmonte da legislação ambiental e dos órgãos de fiscalização, além de apontar que o Ministério do Meio Ambiente é negacionista diante desse cenário, já que as políticas praticadas pela pasta levaram a ideia de “passar a boiada”. No final, Ivan Valente, destacou que o Brasil também saiu dos acordos internacionais do Clima e de Paris, dando demonstrações do desmonte das políticas ambientais.
Os participantes da audiência questionaram de forma conjunto as declarações do Presidente Bolsonaro (sem partido) durante a reunião geral da ONU, no qual o ele afirmou que a responsabilidade os “índios e caboclos” pelos incêndios no Brasil. Fato mentiroso, que demonstra a cumplicidade do governo com as ações criminosas que estão ocorrendo. Valéria da CPT indagou que na verdade, o “estado brasileiro precisa reconhecer a memória dos povos e o papel importante deles na preservação ambiental”.
Ao final do debate o professor Dr. Luís Augusto Passos da Universidade Federal do Mato Grosso, disse que não podemos perder as esperanças, que devemos manter ela diante do nosso olhar de mundo, ele explica que “é somando os olhares w as diferença dos olhares que a gente pode ampliar nossa visão a respeito da realidade de mundo”. Durante sua participação o professor apontou discussões e conceitos que são apresentando dentro da filosofia clássica, em especial por Maurice Merleau-Ponty.
A dep. Rosa Neide encerrou a sessão mencionando a participação do público, informando que foi uma das maiores audiências de sessão realizadas pelo sistema e-democracia da Câmara dos Deputados, além de reforçar o trabalho que vem sem desenvolvido na comissão, indicando soluções para que pessoas que tem o compromisso com a vida, com o bem viver, estejam juntos e unidos no combate às queimadas e na preservação da biodiversidade no Brasil.