Nos dias 25 e 26 de fevereiro, povos indígenas, comunidades quilombolas, dioceses, organizações e movimentos populares realizaram em São Luís, Maranhão, o primeiro Seminário do Maranhão sobre o Matopiba, com a finalidade de discutir sobre o programa e seus impactos socioambientais no bioma cerrado.
(Fonte: Cimi/Imagem: Arquivo/Cimi)
O Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba) é capitaneado pela ministra ruralista Kátia Abreu (PMDB) e, na prática, significa a expansão da fronteira agrícola sobre o que resta de Cerrado no Brasil. Segundo dados da Embrapa, o programa deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma Cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 Terras Indígenas, 42 Unidades de Conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.
O Matopiba foi criado oficialmente por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, e compreende partes dos territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
No Maranhão, conforme a Carta, o Matopiba vai impactar diretamente 14 Unidades de Conservação, 15 Terras Indígenas, 400 assentamentos e 23 quilombos, atingindo os biomas Cerrado (91%), Amazônico (7%) e Caatinga (2%).
Na Carta do Seminário, os povos, comunidades, dioceses e organizações analisam que o Matopiba aprofundará os conflitos agrários. “Ele significa a morte e nós lutamos em defesa da vida”, afirma a Carta, que destaca que o Matopiba coloca em risco o acesso à água de toda a população e a sobrevivência de diversos povos e comunidades tradicionais.
Buscando alternativas para o Estado, a Carta do Seminário sobre o Matopiba exige a regularização dos territórios, com a Reforma Agrária, a titulação dos Territórios Quilombolas e a demarcação das Terras Indígenas.
Leia, abaixo, a Carta na íntegra:
CARTA ABERTA À SOCIEDADE DO I SEMINÁRIO DO MARANHÃO SOBRE O MATOPIBA
Nós, participantes do I SEMINÁRIO DO MARANHÃO SOBRE O MATOPIBA, reunidos nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2016, em São Luís-MA, com o objetivo de compreender melhor o Programa e seus impactos socioambientais no bioma Cerrado, constatamos que:
- É um Plano de Desenvolvimento Agrícola – PDA, que significa a modernização agrícola para os estados do MA, TO, PI, e BA, totalizando 143 milhões de hectares de terra, dos quais 23.982.346 hectares, 72,25%, no MA, impactando diretamente 14 Unidades de Conservação, 15 Terras Indígenas, 400 assentamentos e 23 quilombos. Essa área atinge no Maranhão os biomas: Cerrado (91%), Amazônica (7%) e Caatinga (2%).
- No bioma Cerrado, nossa Casa Comum, “berço das águas” encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônia/Araguaia – Tocantins, São Francisco e Prata), povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos e a mais rica biodiversidade brasileira.
- Este Plano faz parte da consolidação do sistema capitalista dirigido pelas grandes empresas (Suzano, CargilI, Bunge), agências (FMI, OMC) e bancos internacionais, subjugando o Estado brasileiro aos interesses do capital. Nesse sentido, medidas governamentais fortalecem esse sistema, como a reforma do Código Estadual de Florestas sem a devida publicidade e envolvimento dos principais atingidos; a criação da Lei n. 10.276 de 2015, que representa os interesses diretos do MATOPIBA e do agronegócio no Estado do Maranhão; e ainda a conivência dos órgãos públicos com a destruição do meio ambiente.
- O MATOPIBA aprofundará os conflitos agrários, pois só no ano de 2014 foram registrados 123 conflitos por terra e território, dos quais 66,67% desses na região do Cerrado. Nesse contexto, a concentração da terra, o êxodo rural e a violência contra populações do campo, das cidades, das águas e das florestas tende a aumentar, diminuindo a disponibilidade dos bens da natureza essenciais para nosso Bem Viver.
- O povo, no tempo de Jesus, identificou o poder do Império Romano simbolizando-o como uma besta fera que destruía a diversidade de comunidades e os seus modos de vida (cf Ap 13, 1-18). Nos tempos de hoje, o MATOPIBA se assemelha a esse monstro que se apodera do nosso cerrado, transformando-o em mercadoria para aqueles que sempre se beneficiaram dos recursos naturais, em detrimento da maioria dos maranhenses. Conscientes da trágica realidade que essa besta fera causará, exigimos: a regularização dos territórios, com a Reforma Agrária Popular, a titulação dos territórios quilombolas e a demarcação das terras indígenas.
- Diante do exposto, reafirmamos nossa postura contrária a implantação desse empreendimento e o nosso compromisso com a resistência e insurgência dos povos e comunidades que lutam em defesa dos direitos fundamentais, seus modos de vida e de produção que se realiza em harmonia com a natureza. Acreditamos nos princípios do Bem Viver fundamentados nas tradições dos povos indígenas, quilombolas e em outras comunidades tradicionais e na tradição bíblica cristã (cf Ap 21, 1-7 e Ap 22, 1-5) que valoriza a diversidade de culturas no campo e na cidade; defendemos que a soberania das populações tradicionais seja respeitada, criando as condições necessárias para a reprodução da vida no campo.
Lutaremos e convocaremos toda a sociedade, assim como fizeram as Primeiras Comunidades Cristãs (cf. Ap 7,1-17), a empenhar-se conosco criando uma grande unidade, incidindo e pressionando os governos locais, estadual e federal, a fim de que o MATOPIBA seja enterrado, pois ele significa a morte e nós lutamos em defesa da vida.
São Luís, 26 de fevereiro de 2016.
Representantes das dioceses de Brejo, Balsas, Grajaú, Bacabal, Caxias, Coroatá, São Luís, do Regional NE V - CNBB.
Povos Indígenas Krikati, Krenyê e Ramkokamkrá/Canela
Moquibom – Comunidades quilombolas de Triangulo, Cruzeiro, Santa Maria
Comissão Pastoral da Terra – Regional Maranhão
Conselho Indigenista Missionário – Regional Maranhão
Cáritas Maranhão
Pastoral da Criança
Pastoral da AIDS
CEBI
CEBS
Irmãs de Notre Damme
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MA
Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco - MIQCB