As Terras Indígenas cobrem uma porção significativa da Amazônia brasileira e são fundamentais para a reprodução física e sociocultural dos povos indígenas. Os benefícios e serviços prestados por estas áreas ao clima e desenvolvimento sustentável do bioma, contudo, ainda são pouco reconhecidos. Para piorar, terminamos 2017 com a notícia triste de que o desmatamento aumentou em algumas dessas terras. Para tentar equilibrar um pouco esse jogo, este artigo lista algumas boas razões para mostrar porque aumentar a proteção das Terras Indígenas é, também, ajudar a preservar a Amazônia.
(Fonte: Antonio Oviedo-ISA / Foto: Edson Sato).
Para começo de conversa, as Terras Indígenas na Amazônia abrigam 173 etnias indígenas e são fundamentais para a conservação da biodiversidade regional e global, pois as comunidades indígenas reconhecem o valor da floresta em pé na proteção e manejo dessas áreas. Enquanto 20% da floresta amazônica brasileira foi desmatada nos últimos 40 anos, as Terras Indígenas na Amazônia Legal perderam, somadas, apenas 2% de suas florestas originais.
Esta característica lhes confere um papel fundamental na prevenção e no controle do desmatamento, tanto pela extensão de suas áreas - com elevados índices de conservação ambiental e com os maiores remanescentes florestais do país - quanto pelos modos tradicionais de vida dos povos indígenas, caracterizados por uma relação harmônica com os ecossistemas. Em várias regiões, as Terras Indígenas fazem parte de mosaicos ou corredores de áreas protegidas ainda mais extensos, articuladas com Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas, que bloqueiam o avanço do desmatamento e promovem outros modelos de ocupação e de governança. Hoje, as Terras Indígenas e Unidades de Conservação cobrem mais de 42% da Amazônia Brasileira.
Terras Indígenas inibem desmatamento
Este efeito inibidor do desmatamento relacionado à presença e o reconhecimento de Terras Indígenas pode ser demonstrado por meio da queda nas taxas da destruição da floresta entre 2004 e 2008. Neste período, 10 milhões de hectares da Amazônia brasileira foram demarcados como Terras Indígenas, assim como outros 20 milhões passaram a ser protegidos no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Esta ação, por si só, influenciou a queda de 37% da taxa de desmatamento observada entre aqueles anos.
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Além das baixas taxas de desmatamento no interior das Terras Indígenas, a destruição da paisagem onde estes territórios estão inseridos é inibida. Em um raio de 10 km de distância observa-se 7% de área florestal desmatada, e em um raio de 25 km de distância, a proporção de área florestal desmatada é de quase 12%. Este efeito tem papel importante na conservação da biodiversidade regional, incluindo mamíferos raros e de grande porte, e os sistemas hidrológicos da região.
Na Amazônia brasileira, as comunidades indígenas protegem e manejam 27% das florestas, que armazenam 27% dos estoques de carbono da região, representando aproximadamente 13 bilhões de toneladas. Esta quantidade não considera o carbono armazenado no solo, que possui, em média, um estoque entre 40 e 60 toneladas por hectare. Esta retenção do carbono pelas florestas ajuda a conter o acúmulo de CO2 na atmosfera, visando à diminuição do efeito estufa.
Florestas resfriam o planeta
Além de estocar enormes quantidades de carbono, as florestas das Terras Indígenas resfriam a superfície e interferem na circulação global - atmosférica e oceânica -, ajudando a baixar a temperatura do planeta. As florestas constituem extraordinários componentes vivos e interativos do clima, como uma bomba d’água gigante: cerca de 5,2 bilhões de toneladas de água são transpiradas diariamente pelas árvores existentes nas Terras Indígenas. Para comparação, o volume despejado no Oceano Atlântico pelo Rio Amazonas é pouco mais de 17 bilhões de toneladas por dia. O volume de água fornecido pelas florestas das Terras Indígenas daria para encher diariamente quase 80 vezes todas as caixas d’água do Brasil.
A manutenção dessas grandes extensões protegidas será fundamental para preservar o regime de chuvas, importante não só para a região Norte, mas que contribui de forma significativa com as chuvas das regiões Sul e Sudeste. Por exemplo, a substituição das florestas para o cultivo de pastagens ou culturas agrícolas resulta em um aumento de temperatura regional de 6,4o C e 4,2°C, respectivamente. Como consequência, ocorre uma variação no ciclo hídrico regional, que coloca em risco o funcionamento ecológico das florestas da região e o bem viver dos povos que nelas habitam. O alto grau de conservação das florestas existentes nas Terras Indígenas evita o aumento da temperatura.
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Estes efeitos positivos da conservação das florestas nas Terras Indígenas revelam um modelo promissor de governança do território. As iniciativas comunitárias implementadas nesses territórios representam uma referência na política socioambiental e uma via alternativa para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Um exemplo é o Território Indígena do Xingu (TIX), que faz parte de um mosaico de áreas protegidas - 21 Terras Indígenas e nove Unidades de Conservação - contíguas, que conformam um corredor de diversidade socioambiental de 26 milhões de hectares e bloqueiam o impacto da expansão do desmatamento e da produção de commodities na região.
Outro exemplo é a Bacia do Rio Negro, região onde os povos indígenas promovem e articulam processos e múltiplas parcerias a fim de construir uma plataforma de gestão transfronteiriça pela melhoria da qualidade de vida, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar e produção colaborativa e intercultural de conhecimento. Trata-se de um território de diversidade socioambiental, cuja extensão é de 71 milhões de hectares compartilhados por quatro países: Brasil, Colômbia, Guiana e Venezuela. Aproximadamente 62% do território está sob alguma forma de proteção legal: 98 territórios indígenas, reconhecidos oficialmente, e 34 Unidades de Conservação.
Por essas razões, entre outras, a proteção das Terras Indígenas, seja por meio de demarcação e implementação de ações de gestão ambiental, seja por meio de ações de monitoramento e controle, são essenciais para fortalecimento tanto da política indigenista como para a conservação do patrimônio natural e ambiental da Amazônia e do País.