COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o seminário “Petróleo, você compra a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo alternativas” reuniu povos da floresta do Vale do Juruá entre dias 19 e 21 deste mês. Confira o documento elaborado:

 

(Fonte: blog Lindomar Padilha/ Imagem: Reprodução)

Nós, povos da floresta do Vale do Juruá, reunidos no Seminário “Petróleo, você compra a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo alternativas”, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e realizado de 19 a 21 de março de 2014, viemos manifestar nossa prioridade de defender a todo custo a vida, estando portanto preocupados com a exploração de petróleo e gás na nossa região, bem como com a implementação de projetos de pagamentos por serviços ambientais, a exemplo do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).

Depois de debatermos e trocarmos experiências e opiniões não apenas entre os povos da floresta, mas com universitários, estudantes de Ensino Médio e representantes de movimentos sociais localizados na cidade, pudemos perceber que, ao contrário do que nos tem sido passado, o chamado ‘desenvolvimento sustentável’ tem contribuído significativamente para a degradação não apenas do meio em que vivemos, como dos nossos modos de vida, excluindo-nos de participação efetiva nesses processos. Os “Plano (s) de Manejo Florestal Sustentável” nos servem como claro exemplo da falência deste conceito, ao reprimir e criminalizar os povos da floresta, enquanto de fato barganham seus meios de subsistência, pois entrega os bens naturais para consumo das sociedades industrializadas, em troca do lucro de poucos empresários.

É preciso compreender que serviços básicos de assistência aos povos da floresta são de inteira responsabilidade do Estado, tal como garante nossa legislação. Estes serviços nos estão sendo oferecidos como moeda de troca por tais projetos. Representantes do governo e instituições privadas condicionam a realização daquilo que já é do nosso direito à nossa aceitação de tais projetos.

Após tomarmos conhecimento das consequências desastrosas e irresponsáveis da exploração petroleira em outros lugares da Amazônia, como Bolívia, Peru e Equador (Parque Nacional Yasuni), entendemos que a vida na floresta está iminentemente ameaçada nos seus alicerces, uma vez que o risco mais evidente é a contaminação das nossas nascentes, o que afetaria drasticamente a vida de todos os seres não apenas da região amazônica, mas de todo o mundo.

É evidente que a riqueza da floresta não apenas foi preservada, mas foi produto de uma coevolução com os povos que originalmente nela habitaram. Até muito pouco tempo, éramos autossuficientes e não necessitávamos da produção capitalista. Hoje, pouco nos beneficiamos dos artigos oriundos deste modo de produção. Ao contrário, somos vítimas de discursos que nos desqualificam enquanto aqueles que cuidam do próprio espaço: ou significamos entraves para o progresso (no caso da exploração petroleira) ou nos tornamos possíveis destruidores da biodiversidade vendida como mercadoria (no caso do REDD). Os discursos ignoram completamente nosso modo de vida, porque trazem um modelo sabidamente fracassado de progresso, que beneficia grupos cada vez menores, detentores do grande capital e porque numa lógica inversa, mas igualmente perversa, se arrogam de especialistas da biodiversidade, minando nossos saberes e vivência, ao impor um modelo trazido pronto.

Tendo por base os parágrafos 6 e 7 da Convenção 169 da OIT, que confere aos povos indígenas e tribais a consulta, “mediante procedimentos apropriados” e “o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”, consideramos ilegítima a implementação de obras que viabilizarão a exploração do petróleo no Vale do Juruá, assim como a criação da Lei 2308, de 22 de outubro de 2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos por Serviços Ambientais (Lei SISA). Tivemos nossos direitos violados e exigimos revisão imediata desse processo, pois o que se chama de consulta, não atendeu aos critérios estabelecidos pela mencionada Convenção.

Queremos ainda reiterar o posicionamento presente na Carta do Acre, de 11 de outubro de 2011 e a Carta da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA, que, tal como nosso manifesto, rechaçam o modelo desenvolvimentista com suas falsas soluções da Economia Verde.

Dado que nossas lutas históricas foram as únicas responsáveis pelas conquistas que tivemos até hoje, nós, os povos da floresta, nos comprometemos a firmar aliança coletiva, para o enfrentamento deste modelo de morte, que vem invadindo nossos espaços de vida.

Desta forma, nos posicionamos veementemente contra a exploração petroleira tanto no Vale do Juruá, quanto em toda a Pan Amazônia, por entendermos que os grupos afetados não estão restritos à floresta, mas aos núcleos urbanos e todas as áreas presentes nas proximidades deste ecossistema. Queremos convocar toda a sociedade do Vale do Juruá, que certamente será afetada por uma exploração que apenas retirará nossas riquezas e trará transformação daquilo que temos de mais precioso: o nosso modo de vida ainda bastante diverso dos grandes centros insustentáveis.

Participantes:

Lideranças dos povos Apolima-Arara do Amônia; Ashaninka do Breu; Huni kuin do Breu, do Jordão e do Envira; Nawa e Nukini do Môa; Shawandawa do Cruzeiro do Vale; Katukina; Jaminawa Arara do Bagé e Igarapé Preto; Jaminawa do Bagé; Apurinã do Purus-AM; Marubo do Ituí-AM; Ribeirinhos do Val-Paraíso; CIMI; Diocese de Cruzeiro do Sul; CPT de Cruzeiro do Sul; estudantes universitários e secundaristas, professores; agentes de pastorais; jornalistas e membros da sociedade civil organizada.

Cruzeiro do Sul, 21 de Março de 2014.

 

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