COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Rumo ao VII Congresso da Coordenadoria Latinoamericana de Organizações Camponesas (CLOC – LVC) - de 25 a 30 de junho, em Havana – Cuba

(Texto: Francisca Rodríguez Huerta, ANAMURI - CLOC VIA CAMPESINA / Tradução: Cristiane Passos – Assessoria de Comunicação da CPT Nacional / Imagem: Via Campesina)

O aumento da participação política das mulheres do campo na América Latina está intimamente relacionado com a rebeldia do levante indígena, camponês e popular, e a unidade da luta que é construída para combater a ainda presente ideia colonialista, seus governos, aliados e / ou submissos, e os 500 anos do descobrimento e saque da nossa América.

Durante os cinco anos em que se desenvolve a campanha de resistência e unidade continental dos setores camponeses e indígenas, as mulheres marcham juntas neste processo que nos chamou a olhar para a história do caminho percorrido pelas lutas e resistência dos nossos povos, em defesa da terra e dos territórios, como eixo essencial para o desenvolvimento da nossa vida camponesa. Esta jornada gigantesca foi ganhando e elevando nosso espírito de rebeldia, para enfrentar os momentos críticos que vivemos em cada um dos nossos países; nossas organizações estavam se adequando e ganhando consciência, o que aumentou sua capacidade de organização e força, para enfrentar o ataque fascista da época, que tentou nos subjugar sob a bota de militares.

Essa etapa do processo de luta tem a ação plena das mulheres, que marcam um caminho que está sendo fortalecido e que leva ao fato de que, no segundo congresso da CLOC, nossa participação e ação se tornaram mais visíveis e nossa voz se elevou com mais força, dando mais relevância política a nossas demandas e propostas, que são claras e necessárias. Para sermos justos de fato, exigimos maior participação para as mulheres em espaços de direção, estávamos certas de que esta coordenação dos movimentos camponeses em direção à paridade de gênero deu mais credibilidade política e a colocava em sintonia com o processo internacional da Via Campesina, que é a maior referência mundial de articulação dos camponeses e camponesas e dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.

A eficácia demonstrada na ação política das mulheres em todo o âmbito da Articulação está dando uma dinâmica maior às suas ações, e não apenas às organizações nacionais. Ela também se expressa no surgimento de novas organizações de mulheres que buscam, a partir nossa identidade, cooperar com o movimento camponês, criando uma nova cultura organizacional que, a partir de medidas significativas, vai rompendo com as velhas estruturas masculinizadoras e machistas do movimento.

Aumentar a participação das mulheres nas direções do movimento, em igualdade de condições, é um marco na história dos processos organizacionais. Isso nos levou a avançar na construção necessária de uma articulação continental das mulheres do campo, com pautas próprias que se articulam com as lutas camponesas, ao mesmo tempo em que vão desenvolvendo e tornando visíveis todas as suas capacidades para agir na política e no exercício dos nossos direitos. Os processos de formação política que temos desenvolvido a partir de nossas escolas continentais e sub-regionais, nos abriu caminhos para o entendimento mais amplo, desde as questões mais simples às mais complexas, do processo de construção de uma proposta feminista, camponesa e popular na luta por uma sociedade socialista.

Muitas e muitos ainda se perguntam ‘por que isso do feminismo camponês e popular?’. No processo de elaboração e formulação política de nossa concepção feminista, não poderíamos afirmar que existe uma convicção unânime em todo o movimento, mesmo que seja um acordo de ‘congresso’ que nos compromete a todas e a todos. Mas é importante ressaltar que, ao avançarmos nessa construção política, houve muito mais companheiros e também mulheres indígenas e irmãs camponesas que validaram e concordaram com esse pensamento do que o contrário, liderando, com isso, a luta para assim alcançarmos uma sociedade igualitária, uma sociedade sem violência, onde exclusão, submissão, discriminação e pobreza são coisas do passado e podemos assim caminhar em direção à vida em plenitude, transitando pelos caminhos do bem viver.

Nossa identidade de mulheres camponesas

Uma década se passou desde que a CLOC, em 30 de abril de 2009, em Cuba, assumiu que nossa rota política avançava para a construção de uma sociedade socialista, e o alerta das mulheres foi de que "sem feminismo não há socialismo". O desafio era como essa concepção feminista emergiria desde um setor de mulheres que historicamente nos distanciávamos tanto das posições feministas, ao mesmo tempo que éramos tão interpretadas por elas.

Assim, o nosso feminismo camponês popular vai se impregnando de nossas histórias e experiências, dando sentido a todo o acúmulo político que as mulheres temos desenvolvido, como foi observado em nossa escola continental pela companheira Iridiani Seibert: "não estamos inventando algo novo, mas reafirmando e aprofundando nossa jornada, além das ações políticas, sociais e culturais históricas de nossa identidade, e a partir da realidade da vida e do trabalho, na construção de uma nova sociedade, que resgata e valoriza nossa identidade de mulheres camponesas, indígenas, afrodescendentes, pescadoras e trabalhadoras rurais”.

Identidade essa que tem sido negada e desvalorizada histórica e socialmente pelo patriarcado e pelo capitalismo. A partir desta perspectiva, vale destacar que estes anos de debates e estudo têm sido práticos e teóricos, em que refletimos sobre como o desenvolvimento da consciência social neste sistema econômico, patriarcal, opressivo, violento e explorador, vai sendo enfraquecido em todos os aspectos, de forma a impedir a conscientização dos povos na perspectiva de uma luta de classes e de massas, que é um princípio histórico condutor das lutas anti-capitalistas e da libertação desses povos. Este deve ser o eixo principal de uma luta política e social dos movimentos por uma sociedade solidária, igualitária e com justiça social, ou seja, uma sociedade socialista. Buscamos que os diferentes aspectos que cercam nossas formulações políticas e que vão nos devolvendo nossa identidade, nos levem a nos valorizar como mulheres com direitos; e isso implica também na valorização de nosso trabalho, de nossos saberes e cultura, e do valor social e econômico que isso significa para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade.

Nossa aposta feminista, camponesa e popular tem, portanto, uma clara identidade de classe; emerge de nossas raízes históricas e culturais, de nossa identidade como mulheres do campo, ligadas profundamente à terra; desde lá temos feito nossa caminhada, trazendo ao presente as lutas e as lutadoras que vieram antes de nós, a elaboração teórica das pensadoras socialistas do passado e sua herança emancipadora, precursora do feminismo histórico, além dos processos acumulados nas inúmeras lutas feministas da região e do mundo. Viemos, também, forjando o compromisso político da Via Campesina pela soberania alimentar de nossos povos e pelo pensamento socialista, com vista a novas relações que envolvem a construção desta proposta feminista, desde nossa diversidade e identidade de mulheres camponesas, de caráter popular e focada na sociedade socialista a que aspiramos.

Explorar a história e nos descobrirmos nela, desde o surgimento da agricultura, nos tem fornecido os elementos necessários para entendermos o marco político da atuação histórica do capitalismo e seu instrumento-chave, "o patriarcado", cujo poder sobre nossas sociedades avança a partir, também, de elementos perversos que vão sendo colocados para atrapalhar e interromper os avanços das lutas dos povos e, particularmente, as lutas das mulheres. Vivemos hoje momentos intensos. Nos animam e nos regozijam as grandes mobilizações das mulheres, das quais somos parte, e que, sob bandeiras feministas, vão ampliando o caminho das lutas emancipatórias. Nosso desafio é não perder o caminho da nossa identidade de classe. Derrubar o capitalismo e acabar com o imperialismo, certamente é uma longa luta que nos convoca, incansavelmente, a continuar avançando na proposta política e ideológica de construção de um feminismo camponês e popular, que nos leva a conquistar essa sociedade socialista que ansiamos, com a certeza de que com feminismo construiremos o socialismo.

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