COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

 

Jovens haitianos chegam a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, São Paulo, para um intercâmbio de um ano.

No último dia 27 de Setembro de 2010, 76 jovens haitianos desembarcaram no aeroporto de Guarulhos, São Paulo. De origem camponesa, provenientes de todos os dez departamentos que compõem o Haiti, sua chegada em solo brasileiro é mais um marco na trajetória bicentenária de solidariedade entre o povo haitiano e a comunidade latino-americana.  
No início do século XVIII, vitoriosa a revolução dos escravos negros liderados por Jean Jacques Dessalines, o termo ‘haitianismo’ se espalhou por todo o continente, significando liberdade para os escravos e temor para os senhores de engenho. Qualquer menção ao Haiti fazia com que estes tremessem diante da possibilidade de massificação da luta negra antiescravista. Essa síndrome do medo oriunda do ‘Perigo de São Domingos’ tinha razão de existir, já que o Haiti jogou um papel estratégico no processo de independência da América Latina, não só por seu exemplo, mas também pelo apoio dado a Simon Bolívar e Francisco Miranda no início das lutas libertárias na América continental. Em 1806 e 1816, Miranda e Bolívar visitaram a ilha caribenha em busca de apóio financeiro e militar para a guerra de independência contra a metrópole espanhola, no que foram prontamente atendidos. Além de armamentos e provimentos, um Batalhão de cerca de 300 soldados haitianos seguiu com Bolívar para lutar na guerra contra o exército espanhol.  
Duzentos anos depois, outro batalhão saiu do Haiti. A conjuntura, infelizmente, é outra. Os 76 jovens que aportaram no Brasil não trazem armas nem suprimentos de guerra consigo e seu país, outrora a colônia mais próspera do continente, é hoje o país mais pobre das Américas. A ousadia e exemplo de sua revolução foram punidos pelas elites ocidentais com embargos econômicos, pagamento compulsório da dívida da independência, sucessivas ocupações militares estrangeiras e a ingerência constante das potências norte-americanas e européias. O resultado é que, atualmente, 56% da população se encontra abaixo da linha da pobreza absoluta. Situação que só se agravou após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010. Os trinta e cinco segundo de tremor de terra deixaram mais de 300 mil mortos e 1,2 milhões de desabrigados, além de uma perda em termos materiais e de infra-estrutura equivalente a 120% do valor do PIB haitiano.  
Mas se a conjuntura é outra, o princípio ainda é o mesmo: a solidariedade entre os povos. A vinda dos jovens ao Brasil é fruto de um projeto de cooperação entre a Via Campesina brasileiro e os movimentos camponeses haitianos. Com uma Brigada Internacionalista presente no Haiti desde janeiro de 2009 - e que conta hoje com 28 integrantes – a Via Campesina Brasil vêm construindo um processo de integração e intercâmbio entre os camponeses dos dois países com o objetivo de fortalecer o os movimentos sociais locais através de apoio técnico e político capaz de ajudar na construção de melhores condições de vida e trabalho para o campo haitiano como um todo.  
É nessa perspectiva que desde o último dia 27 de Setembro a Via Campesina Brasil acolhe 76 jovens haitianos, todos integrantes de movimentos camponeses, sendo 54 homens e 22 mulheres, para um processo de intercâmbio com duração de um ano. E a previsão é que até o final de 2010, esse número chegue a 120 jovens.  
Durante o primeiro mês de Brasil, os haitianos estarão na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST em Guararema/SP. Lá aprenderão noções básicas de português, geografia, história e economia brasileira e latino-americana. Passado esse período de adaptação, serão distribuídos pelas diversas regiões do país, onde terão contato com cooperativas rurais, assentamentos agrícolas, bancos de sementes, viveiros de muda, centros de produção agroecológica, técnicas de captação e armazenamento de água, dentre outras experiências desenvolvidas pelos movimentos camponeses brasileiros. Com essa gama de conhecimentos e práticas apreendidos, retornarão ao Haiti para colaborar com o fortalecimento de suas organizações, com o desenvolvimento de suas comunidades e na transformação social de seu país.  
Com este intercâmbio, a Via Campesina Brasil e os movimentos camponeses haitianos resgatam o exemplo de Dessalines, Pétion, Miranda e Bolívar, dando continuidade à trajetória de solidariedade entre os povos do Caribe e da América Latina, que não necessita de exércitos de ocupação e promessas de lucro para se efetivar.

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