Acampamento da Via Campesina-CLOC no IV Fórum Social das Américas discute os impactos do agronegócio e da produção capitalista no campo, e os processo de resistência das organizações camponesas frente a essa ofensiva.
No dia de hoje, 14 de agosto, o Acampamento Sulamericano CLOC-Via Campesina, IV Fórum Social das Américas, debateu com representantes de vários países da América Latina, o avanço do agronegócio e as mudanças no clima e no meio ambiente acarretadas pelo projeto devastador do capital.
Cristiane Passos/CPT/Via Campesina Brasil/Minga Informativa de Movimentos Sociais
Martin Drago, da organização Amigos da Terra no Uruguai, colocou para os participantes as consequências do projeto do agronegócio, que se configura como o domínio do capital sobre a agricultura. Este projeto vem se impôr sobre as formas de agricultura tradicional e familiar. Segundo Drago, seu único objetivo é se apropriar da natureza e dos bens naturais que ela possui.
As grandes trasnacionais controlam a produção de insumos, maquinário e, com isso, controlam os preços e o mercado. A agricultura, portanto, passar a ser uma ferramenta para a acumulação de capital. O agronegócio está a serviço das empresas e não da produção para a população. Há toda uma arquitetura financeira internacional que possibilita a consolidação desse mercado. “A produção da agricultura e dos alimentos está cada vez mais mercantilizada”, completou ele. Esse é um modelo homogêneo de produção que nos é imposto pelas grandes empresas e pelo neoliberalismo. Desde a produção de sementes e insumo, ao processo final de processamento dos grãos, todas as etapas produtivas estão nas mãos das grandes transnacionais. Além disso, há a tecnologia transgênica que se está consolidando cada vez mais. “Temos todas as condições naturais e os saberes para produzirmos alimentos saudáveis que queremos consumir”, disse Drago.
Os grandes impactos desse modelo se traduzem em uma mazela muito perversa, a fome. Segundo a FAO, se produz no mundo alimento suficiente para o consumo de calorias diárias necessárias a cada indivíduo. Entretanto continua havendo fome, e 3 em cada 4 pessoas que passam fome no mundo, são do campo. O problema não é o crescimento da população, mas a concentração da produção de alimentos. Há, também, a expulsão do povo do campo. Segundo Martin, em 1996 cerca de 46% da população estava no campo, dez anos depois, em 2006, esse número foi reduzido a 32%.
Há, também, uma redução de estabelecimentos agropecuários e uma redução da área para a agricultura familiar. Os grandes impactos desse modelo da produção são os ambientais, como a expansão da fronteira agrícola sobre as florestas tropicais e a secagem dos lençóis freáticos, além da perda da qualidade e fertilidade do solo. A agricultura comercial é a responsável por 25% da emissão do dióxido de carbono na atmosfera. Ela é uma das grandes responsáveis pela poluição mundial. Dentro dessa lógica do capital, ele tenta se abonar de suas responsabilidades com medidas que podem ser identificadas como falsas soluções. Seriam elas a tecnologia transgênica, o crédito de carbono, os agrocombustíveis, entre outras. Além disso, esse modelo condena quase um quarto da população mundial à miséria e à fome, e expulsar milhões de camponesas e camponesas todos os anos de suas terras.
Modelo agrícola do capital e mercado consumidor
Quando pensamos em agricultura, pensamos em algo como a produção do solo, das sementes, a água e famílias trabalhando. Entretanto, grandes empresas agora querem dizer à sociedade que para se fazer agricultura é necessário grandes máquinas, muito dinheiro, petróleo e agrotóxicos. Com essa reflexão, Sílvia Ribeiro, da organização ETC, do México, iniciou sua exposição aos militantes da Via Campesina e demais participantes do Fórum Social das Américas.
Segundo Sílvia, tais empresas dizem que é necessário produzir mais para alimentar a população. Entretanto, não alimentam ninguém. Sua produção não se destina à mesa da sociedade. De acordo com dados apresentados por ela, apenas 20 empresas no mundo controlam todo o processo da agricultura de mercado, desde as sementes até o supermercado. “Querem impor um modelo para que haja mercado consumidor para seus produtos”, completou Sílvia.
Assim, cada vez mais utilizam venenos na produção agrícola, com a justificativa de elevar a produção para alimentar o povo, porém, na mesma proporção, cada vez mais pessoas passam fome em todo o mundo. “Todo esse investimento é para produzir uma ‘comida’ que não nos alimenta, que nos deixa doentes e que deixa a Terra e a natureza doentes”, enfatizou ela. Segundo dados apresentados, a agricultura camponesa alimenta ¾ da população mundial, enquanto o agronegócio não chega a alimentar nem 30% da população.
Resistir e manter o saber popular
Nesse momento da história, diante da conjuntura sociopolítica e econômica que se apresenta, o capitalismo está vendo como ferramenta para a sua manutenção, o domínio das terras, das sementes e da comida no mundo. Carlos Vicente, da organização GRAIN da Argentina, refletiu sobre a realidade desse modelo e apresentou um dado alarmante. Segundo ele, 200 mil pessoas deixam o campo por dia no mundo. A ofensiva do capital sobre o campo, não somente destrói os bens naturais, mas também os bens culturais e a possibilidade de permanência dos grupos tradicionais em suas terras. Sejam eles e elas, camponeses ou camponesas, indígenas ou pequenos produtores. O discurso do capitalismo de que levam tecnologia e progresso ao campo, pois expandem a produção e beneficiam tantos as comunidades rurais quanto as urbanas, apenas tenta esconder o real objetivo, o de que toda a sociedade dependa das grandes corporações para, dessa forma, manter o lucro que anseiam.
“Nosso desafio é resistir a tudo isso. Temos o conhecimento, temos as sementes, devemos, portanto, lutar para defendermos isso e garantirmos nosso direito de permanência nas terras onde vivemos e produzimos”, disse Carlos aos camponeses e camponesas da Via Campesina e da CLOC, participantes desse acampamento no Paraguai. Ainda segundo ele, vários países passaram a comprar muitas terras em todo o mundo, principalmente em regiões como a África e a América Latina, para poder garantir à suas populações os alimentos de que necessitam para a sua sobrevivência. Com isso, os países africanos e latinoamericanos, entre outros, perdem cada vez mais terras, de onde são expulsos camponeses e camponesas, colocando em risco a soberania alimentar nacional.
Via Campesina e CLOC junto ao povo do campo no processo de resistência
Segundo Heberto Dias, representante da Via Campesina e CLOC na Colômbia, quando se iniciou o processo de criação da Coordenadoria Latina de Organizações Camponesas, a idéia era de que essa seria a maior referência da luta camponesa no continente latinoamericana. A grande concentração de terras e a destruição da natureza fazem parte do projeto neoliberal. A CLOC nasceu, portanto, como uma tentativa de resistência a esse projeto e para enfrentar essa política depredadora das grandes transnacionais e de países à serviço do capitalismo.
Organizações do capital como o Banco Mundial e o FMI, segundo Heberto, também estão presentes nos países para ajudar nesse processo de consolidação do neoliberalismo e de um regime explorador. Explorador de bens naturais e da sociedade onde se instala. Sendo assim, entre as principais lutas da Via Campesina está o combate às transnacionais, a esses organismos à serviço do capital, e às suas medidas que interferem na soberania dos países, como os tratados bilaterais. “Junto à expansão do neoliberalismo, a revolução verde destruiu nossa economia camponesa, nossa biodiversidade e nossa cultura”, afirmou Dias.
Outra questão apontada por ele foram os agrocombustíveis. Segundo ele, estes nos foram impostos como alternativa rentável e segura ambientalmente, porém, seu desenvolvimento destrói o solo e expulsa camponeses e camponesas do campo em todo o mundo. Outro ponto de ação defendido pela Via Campesina e que, de acordo com Dias, tem que ser tomado como prioridade pelas organizações sociais, é a questão da violência contra as mulheres. A Via Campesina em todo o mundo assumiu uma Campanha, com o slogan de “Basta de Violência contra as Mulheres”, para levantar a discussão, a reflexão, e combater esse crime ainda tão presente em nossa sociedade.
A luta deve, ainda, objetivar o combate à violência contra militantes sociais em todo o mundo e à criminalização dos movimentos sociais, prática essa cada vez mais presente nos países. De acordo com Dias, “Nossa luta tem que ter um caráter ideológico, na defesa de tudo aquilo que faz parte da identidade e da cultura camponesas”. Além disso, é preciso lembrar sempre e construir a base de luta dos camponeses e camponesas sobre a garantia da soberania alimentar dos povos. “Não pode haver soberania alimentar se as terras não estão nas mãos dos camponeses e camponesas. Precisamos lutar por uma reforma agrária plena e popular”, enfatizou ele.