Em nota pública, CPT exige que o sistema de justiça cumpra com as recomendações elencadas na quarta tutela provisória proferida pelo STF, referente à ADPF 828, que versa sobre despejos durante a pandemia
A Comissão Pastoral da Terra emite nota pública exigindo o cumprimento da determinação proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal(STF), que publicou no último dia 31 de outubro, quarta tutela provisória na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, não renovando a prorrogação da suspensão de despejos durante a pandemia, no entanto, estipula um regime de transição com objetivo de diminuir os impactos habitacionais e sociais em casos de remoções coletivas.
Em nota, a CPT destaca que "reconhece na decisão do STF o estabelecimento de um novo paradigma de proteção dos direitos fundamentais para um expressivo contingente de coletividades em situação de conflitos fundiários, destituídas sistematicamente do direito à terra, reforma agrária e moradia digna no Brasil".
Segundo levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero, entre março de 2020 a outubro de 2022, cerca 188.621 famílias em todo o Brasil estavam em situação de vulnerabilidade, vivendo e/ou trabalhando em ocupações urbanas e rurais sob iminente risco de remoção forçada.
Confira a nota na íntegra:
Nota Pública: Pela garantia ao cumprimento da tutela provisória na ADPF 828 e pela proteção de direitos às famílias ameaçadas de despejo!
Em 31 de outubro de 2022, o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu a quarta tutela provisória na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828. A ação, que foi proposta por partidos políticos e entidades da sociedade civil, visa a garantia de direitos fundamentais, notadamente, para evitar despejos de famílias vulneráveis que vivem em ocupações urbanas e rurais em todo o Brasil enquanto durarem os efeitos da pandemia provocada pelo vírus COVID-19. Na decisão confirmada pelo Pleno do STF, o Ministro enfatiza a necessidade de estabelecermos um “regime de transição” para o enfrentamento dessa situação.
Desde 03 de junho de 2021, três tutelas provisórias incidentais foram proferidas no âmbito da ADPF 828 suspendendo o cumprimento de remoções forçadas decorrentes de decisões judiciais, ou processos administrativos em relação a ocupações ocorridas antes da decretação do estado de calamidade pública pelo governo federal, em 20 de março de 2020. Inicialmente apenas áreas urbanas foram tuteladas pela decisão, que posteriormente teve seus efeitos estendidos também para as áreas rurais. Nessa mesma linha também foi publicada a Recomendação 90/2021 do CNJ e a Lei 14.216/21 orientando dever de cautela e suspendendo o cumprimento de despejos em períodos críticos da pandemia. Todas essas medidas tiveram como objetivo o não agravamento da crise sanitária e a proteção de populações em situação de vulnerabilidade social no campo e na cidade.
Levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero, entre março de 2020 e outubro de 2022, identificou que aproximadamente 188.621 famílias em todo o país - atingindo um número próximo a um milhão de pessoas – que moram e/ou trabalham nas ocupações urbanas e rurais passíveis de serem compulsoriamente despejadas. Tal realidade é duramente agravada pelos efeitos socioeconômicos provocados pela pandemia, como a fome e o desemprego, além da desestruturação de políticas públicas de reforma agrária e de moradia.
Com impacto direto para as comunidades do campo, a atuação do INCRA, FUNAI e órgãos de proteção do meio ambiente sob a gestão do atual Governo Federal tem impulsionado os conflitos e a destruição. Milhares de famílias em acampamentos e ocupações rurais aguardam a criação de novos projetos de assentamento, além do andamento e conclusão dos processos administrativos de titulação de territórios quilombolas e de demarcação de terras indígenas. Contudo essa necessidade latente das comunidades não tem sido a prioridade. Sem o amparo do poder público, milhares de comunidades urbanas e rurais estão expostas a uma série de violações de direitos humanos implicadas nas remoções forçadas.
Na decisão proferida em 31 de outubro de 2022, o Ministro Barroso, atento ao contexto social do país, destacou: “cabe ao Supremo Tribunal Federal, à luz da Constituição, fixar diretrizes para o Poder Público e os demais órgãos do Poder Judiciário com relação à retomada das medidas administrativas e judiciais que se encontram suspensas com fundamento na presente ação. A execução simultânea de milhares de ordens de desocupação, que envolvem milhares de famílias vulneráveis, geraria o risco de convulsão social. Por isso, é necessário retornar à normalidade de forma gradual e escalonada, razão pela qual se faz indispensável o estabelecimento de um regime de transição”.
O dever de cautela também é ressaltado nessa decisão ao determinar que os juízes devem sempre ponderar os impactos sociais decorrentes das reintegrações de posse, a fim de evitar violações de direitos fundamentais. Nesse sentido, o Ministro destaca mais uma vez a necessidade de observância pelos magistrados à Recomendação nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que remete à Resolução nº 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, importante instrumento para garantia de direitos humanos e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos.
Além disso, ao fazer referência à Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, reforça a possibilidade de que a mediação seja feita em qualquer momento do processo, com participação ativa do Poder Público.
Nesse sentido, reconhecemos na decisão do STF o estabelecimento de um novo paradigma de proteção dos direitos fundamentais para um expressivo contingente de coletividades em situação de conflitos fundiários, destituídas sistematicamente do direito à terra, reforma agrária e moradia digna no Brasil.
Reiteramos a necessidade de que sejam instauradas e fortalecidas as comissões de conflitos fundiários pelos Tribunais de Justiça Estaduais e pelos Tribunais Regionais Federais para que sejam adotadas as medidas do regime de transição estabelecido pelo STF. Esperamos que as ações dessas Comissões estejam pautadas no princípio da imparcialidade e no mais alto padrão de proteção dos direitos e garantias fundamentais, evitando o acirramento de conflitos que colocam famílias de trabalhadores rurais e urbanos em situação de extrema vulnerabilidade.
Por fim, avaliamos que será essencial a participação da sociedade civil, demais órgãos do sistema de justiça e órgãos de terras com atuação vinculada ao tema para acompanhar a formação e funcionamento dos Tribunais de Justiça estaduais e federais no cumprimento das determinações da decisão do STF.
Goiânia, 03 de novembro de 2022.
Coletivo de Assessoria Jurídica da Comissão Pastoral da Terra