Agricultores e agricultoras de comunidades em conflitos agrários na Mata Sul de Pernambuco obtiveram uma grande conquista na noite desta quarta-feira, 17. Em audiência no Palácio do Campo das Princesas, o Governador Paulo Câmara anunciou a desapropriação do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, onde em fevereiro deste ano o garoto Jonatas Oliveira, 9 anos, foi assassinado.
Imagens: Setor de comunicação da CPT NE2
A mobilização começou logo cedo, na praça do Derby. Cerca de 600 agricultores e agricultoras de 13 comunidades da Zona da Mata de Pernambuco ocuparam a praça com lonas pretas, malas, alimentos, lenha para fogo, panelas e outros utensílios. Os camponeses e camponesas chegaram decididos a só voltarem para suas casas após serem recebidos pelo Governador Paulo Câmara.
Por volta das 14h, os camponeses e camponesas seguiram em marcha pela Avenida Conde da Boa Vista em direção ao Palácio do Campo das Princesas. A diretora de Política para o Meio Ambiente da Fetape, Rosenice Nalva, contribuiu para animar a caminhada e sensibilizar também a população urbana que transitiva no local. “Hoje, a rua é nossa. É o nosso dia de luta, pois se o campo não planta, a cidade não janta”, destacou. Portando faixas e bandeiras, os agricultores e agricultoras seguiram todo o percurso de forma pacífica, entoando canções e palavras em defesa da reforma agrária e por paz e vida digna no campo.
Com a chegada na sede do governo, uma comissão formada por representantes das comunidades, da CPT, da Fetape e do MST foi recebida pelo governador Paulo Câmara. Estiveram presentes também o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Cloves Benevides, o secretário Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Edilázio Wanderley, o chefe de gabinete, Marcelo Canuto, o procurador do Estado de Pernambuco, Paulo Rosenblatt e o subdefensor de Causas Coletivas, Rafael Alcoforado, o gabinete do deputado estadual Doriel Barros, além de representações das comunidades.
A principal reivindicação das comunidades é a desapropriação ou adjudicação de terras de usinas falidas e desativadas na região e das áreas que estão em conflito agrário no estado. As famílias exercem posse sobre essas áreas há várias décadas, o que lhes dá direito de permanecer no local. Contudo, os lotes onde vivem estão sendo alvos de leilões judiciais que desoneram as empresas de açúcar e álcool de suas dúvidas milionárias, inclusive, as trabalhistas, que ainda estão ativas. Elas também cobraram uma maior fiscalização dos leilões judiciais de terras e que o governo evite despejos com o fim da lei que os proíbe durante a pandemia, prorrogada até 30 de outubro.
Durante a audiência, o governador fez o anúncio da desapropriação do Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul, onde vivem 77 famílias. O decreto será assinado hoje, 18, e publicado no Diário Oficial na sexta-feira, 19, segundo Paulo Câmara. Na ocasião, o governador reconheceu ainda a necessidade de avançar, no âmbito estadual, na desapropriação de outros imóveis alvos de conflitos agrários, uma vez que o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não vem cumprindo com sua função no Governo Bolsonaro. O governador também se comprometeu a atuar para evitar os leilões judiciais e os despejos das comunidades, após o término da lei do Despejo Zero.
A luta continua - Após o encontro no Palácio do Campo das Princesas, as famílias comemoraram a conquista e, emocionadas, enfatizaram a importância de seguirem mobilizadas em busca de novas desapropriações. Apesar da conquista de Roncadorzinho, outras comunidades posseiras na Zona da Mata seguem sob o risco da violência no campo. São cerca de 1.500 famílias em situação de vulnerabilidade em razão dos conflitos agrários na região, e 20 agricultores e agricultoras ameaçados de morte, segundo dados de 2021 do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT. As áreas em que vivem há gerações ainda estão no nome de usinas falidas e detentoras de débitos milionários fiscais e trabalhistas, sendo exemplos as usinas Bulhões, Frei Caneca, Maravilha, Cruangi, Estreliana e Santo André.
Cícera Nunes, presidenta da Fetape, reforçou que a luta deve continuar: “Estamos com vocês na busca pelo direito de ter onde morar, trabalhar e onde plantar. Não estamos aqui à toa, nem somos criminosos. Nós somos trabalhadores e trabalhadoras, quem garante a alimentação de Pernambuco e precisamos continuar a luta. Quem está vivenciando conflitos e ameaças, não desista. Vamos nos encontrar na luta para conquistar o direito das outras comunidades que precisam. Nós vamos nos encontrar para comemorar. Em nome de muitos Jonatas, essa luta vai continuar por vida digna e reforma agrária para quem precisa”.
Plácido Junior, agente da CPT em Pernambuco, também celebrou a conquista e considerou a desapropriação de Roncadorzinho como um passo importante para avançar na conquista do direito à terra em outras comunidades camponesas. “O dia foi especial e histórico para a Reforma Agrária e da luta pela terra no estado de Pernambuco. O anúncio do decreto de desapropriação é um abrir de portas para avançarmos em outras áreas. O povo do campo mostra ao latifúndio que tem que respeitar a vida de cada ser humano, a vida do trabalhador e da trabalhadora. Enquanto tiver a violência no campo, estaremos lutando para que o latifúndio se acabe e que a vida brote. Começou com Roncadorzinho, mas não vamos parar com Roncadorzinho. Vamos lutar pela desapropriação de muitas outras áreas”, concluiu.