A Articulação Popular São Francisco Vivo, que envolve diversas entidades, organizações sociais e pastorais da Bacia do rio São Francisco, se manifesta contra acordo negociado entre Governo de Minas Gerais e a mineradora Vale para reparação dos danos ocorridos em decorrência do rompimento barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, há dois anos.
A principal crítica é a de que o acordo, que atualmente está sendo conduzido sem a participação efetiva dos atingidos pelo crime ambiental, também exclui o Rio São Francisco como região atingida e minimiza os impactos e custos de reparação social e ambiental, fazendo temer ainda mais pelo futuro. Barranqueiros e barranqueiras relatam inéditas quedas de produtividade nas áreas de vazante do rio após o rompimento.
“Sabemos que todo aquele rejeito despejado criminosamente pela empresa Vale no Rio Paraopeba está sendo transportado pelas águas mortas por esse mesmo até ser depositado dentro do Rio São Francisco, que cruelmente por várias décadas será criminosamente impactado e assim contaminando e impactando todos que do VELHO CHICO dependem. Enquanto isso, a Vale contínua impune e cometendo mais crimes contra rios, seres humanos e toda a fauna e flora, a todo meio ambiente que ela possa alcançar. Muito triste pra todos nós que continuamos a conviver com essa situação”.
Leia na íntegra:
NOTA PÚBLICA — Contra o acordão entre Vale e Governo de Minas, em defesa da Bacia do Rio São Francisco
Diante do acordo eminente, mantido sob segredo de justiça, do Governo do Estado de Minas Gerais com a mineradora Vale, mediado pelo Ministérios Públicos Estadual e Defensoria Pública, sem a participação dos atingidos, a Articulação Popular São Francisco Vivo, que representa centenas de organizações populares e entidades sociais da Bacia Hidrográfica do São Francisco, e outras redes e coletivos em apoio, vêm por meio desta protestar contra o acordo e a exclusão do Rio São Francisco como região atingida, como se este não tivesse recebido, também ele, como comprovado por mais de uma instituição respeitada, rejeitos tóxicos do rompimento criminoso da barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, há dois anos. Além da morte imediata de 272 pessoas, foram impostos inúmeros transtornos para as pessoas e comunidades sobreviventes, reduzindo drasticamente suas condições de vida, na Sub Bacia do Rio Paraopeba e no São Francisco a jusante. Porém aos olhos destas autoridades, até agora parte dos 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos minerários lançados no rio Paraopeba não atingiram a Bacia do Rio Federal São Francisco.
Hoje, com a baixa vazão de água liberada do reservatório, de apenas 299 metros cúbicos por segundo, e já se anunciando uma seca que poderá ser mais severa que a de 2014, os efeitos da contaminação se farão sentir ainda mais gravemente. Ainda que atualmente a sensação nas barrancas do São Francisco não seja a mesma dos atingidos e atingidas do Paraopeba, barranqueiros e barranqueiras relatam inéditas quedas de produtividade nas áreas de vazante do rio após o rompimento, se agravando com a falta de chuvas no período quente. É certo que a bioacumulação dos metais pesados, seja no fundo do rio, nos peixes ou nas pessoas, estará sujeita a índices mais altos, nestas regiões nos próximos anos, resultando em mais perdas sociais, econômicas e ambientais. O maior dano acumulado, no entanto, pesará sobre as comunidades tradicionais que mais dependem do ambiente equilibrado.
Como diz um pescador do rio São Francisco: “sabemos que todo aquele rejeito despejado criminosamente pela empresa Vale no Rio Paraopeba está sendo transportado pelas águas mortas por esse mesmo até ser depositado dentro do Rio São Francisco, que cruelmente por várias décadas será criminosamente impactado e assim contaminando e impactando todos que do VELHO CHICO dependem. Enquanto isso, a Vale contínua impune e cometendo mais crimes contra rios, seres humanos e toda a fauna e flora, a todo meio ambiente que ela possa alcançar. Muito triste pra todos nós que continuamos a conviver com essa situação”.
Acordos como este, entre o Governo de Minas Gerais e a empresa Vale, que minimiza impactos e custos de reparação social e ambiental, faz temer ainda mais pelo futuro. Também em função da flexibilização das restrições legais aos empreendimentos, da abertura ao capital estrangeiro, da regularização das terras e águas da União em detrimento dos direitos sociais e ambientais e da prática do “segredo de justiça” em processos de apuração e reparação de crimes como este da Vale. E em vista de que novas tragédias criminosas virão! Pois, de acordo com o Inventário de Barragens da Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEAM, o último publicado em 2018, são 312 barragens de mineradoras na Bacia do São Francisco, em Minas Gerais, considerando a inclusão das sub-bacias dos rios das Velhas e Paraopeba. Destas, 103 são de classe III, ou seja, são de alto potencial de dano ambiental; no total, oito destas barragens não possuíam garantia de estabilidade por auditor. Esta nossa manifestação se soma à luta do povo de Brumadinho, do Rio Paraopeba, de Mariana, a fim de que a história não se repita. A luta pela construção de um mundo novo, com novas relações entre os humanos e com a natureza, baseadas nos princípios da Ecologia Integral, se faz presente no cotidiano dos povos e comunidades da Bacia do Velho Chico, que dela dependem e a ela defendem, como uma exigência vital. Com isso endossamos nossos compromissos junto ao Pacto dos Atingidos lançado no último dia 25 de janeiro, no qual os atingidos sonham com um novo modelo de sociedade, que coloque a vida acima do lucro.
Estaremos juntos e juntas! Até quando? Até sempre! Do luto à luta pela reparação integral de todos os atingidos e atingidas, pela reparação integral dos ambientes contaminados, pela criminalização dos responsáveis e contra velhos e novos empreendimentos de mineração da Vale e outras empresas, os quais representam riscos eminentes para com a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo e da cidade e para a Mãe Terra. Essa mãe que dá e recebe gratuitamente e sempre foi cuidada pelas mãos de sua gente tradicional.
São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!
Bacia do Rio São Francisco, 29 de janeiro de 2021.
Articulação Popular São Francisco Vivo
Caritas Brasileira Regional MG
Conselho Pastoral dos Pescadores CPP
Coletivo Velho Chico Vive
Conselho Indigenista Missionário - Regional Leste
Movimento de Mulheres Camponesas MMC
Marcha Mundial de Mulheres
Comissão Pastoral da Terra CPT
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais MPP
Sinfrajupe - Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia
Rede Igreja e Mineração