A associação indígena Dace do povo Munduruku enviou, no dia 21 de maio, uma carta endereçada ao Ministério Público Federal solicitando apoio e medidas de prevenção e proteção para os povos indígenas que vivem na região.
Texto e foto: Coletivo Proteja Amazônia
Segundo boletins emitidos pela secretárias de saúde dos municípios de Jacareacanga, Itaituba e Santarém, somam-se mais de 700 os casos confirmados de covid-19 na região da bacia do rio Tapajós, dados coletados até o dia 20 de maio. O boletim semanal que monitora casos de coronavírus entre os povos indígenas, publicado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, estima que há 131 indígenas mortos por covid-19 em todo o Brasil. Os estados mais críticos são Amazonas, com 93 óbitos, e Pará com 13.
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Na carta enviada enviada, associação indígena solicita ao MPF que faça recomendações ao Governo Federal, Governo do Estado do Pará e as prefeituras dos municípios de Jacareacanga, Itaituba, Santarém, Belterra e Aveiro, para que adotem medidas de prevenção e controle contra a disseminação do novo coronavírus.
Leia a carta completa:
Carta nº 31/2020 Jacareacanga/PA, 20 de maio de 2020
Ao Dr. Paulo de Tarso Moreira Procurador da República de Itaituba/PA
Ao Dr. Gustavo Kenner de Alcântara Procurador da República de Santarém/PA e membro do GT Saúde Indígena da 6ª Câmara do MPF
Ao Dr. Alan Rogério Mansur Silva Procurador-Chefe do Ministério Público Federal no Pará
Ao Dr. Alexandre Parreira Guimarães Procurador da República e Coordenador do GT Saúde Indígena da 6ª Câmara do MPF
A comunidade Munduruku do rio Teles Pires, vem através da Associação Indígena Dace, solicitar para o MPF medidas de proteção, prevenção e de combate da covid 19 em nosso território, para todos os nossos parentes, que estão em áreas que estão demarcadas ou não.
Vimos pelos boletim das secretarias municipais de saúde de Jacareacanga, Itaituba e Santarém que até a data de hoje já existem mais de 700 pessoas confirmadas com covid 19 nos três municípios, sem contar os demais municípios ao longo do rio Tapajós, como Aveiro e Belterra. Nós sabemos e as autoridades também sabem que o número de pessoas doentes de covid19 é muito maior do que 700 porque muita gente não está nos números oficiais. Muita gente aqui vive na floresta em nossa região e morre sem conseguir chegar nos hospitais, não existe teste de covid 19 nos hospitais para todo mundo e os testes que existem demoram para acontecer e para o resultado sair. Além disso temos notícias das universidades do Pará dizendo que o número de contaminados é 8 vezes maior do que o número de casos divulgados e a SESPA está muito desatualizada dos números de Covid 19 daqui do Tapajós. Os dados oficiais que estão lá, não chegam perto dos dados oficiais que as secretarias municipais de saúde informam na data de hoje. Jacareacanga, por exemplo, aparece hoje na SESPA com 2 casos confirmados, mas na data de hoje a SEMSA de Jacareacanga informa que já existem 40 casos.
Nossas aldeias estão espalhadas por todo Idixidy (desde o rio Teles Pires até o rio Tapajós encontrar com o rio Amazonas, sejam nossas terras demarcadas ou não). É nessa região onde vive nosso Povo e onde está nosso território. Somos mais de 14 mil Munduruku, moramos nas aldeias, nas cidades perto do rio Tapajós, as vezes temos parente nosso estudando ou trabalhando, principalmente em Jacareacanga, Itaituba e Santarém. As cidades do alto e do médio Tapajós são pequenas e Santarém é uma cidade média, mas em todas essas cidades circulam muitos parentes nossos, principalmente em Jacareacanga. Por esse motivo uma doença como Coronavírus pode passar muito rápido para as pessoas e matar muita gente que mora nessas cidades, nas aldeias e comunidades, basta um parente nosso se contaminar quando precisar passar por essas cidades.
Nesse momento sentimos necessidade de ir nas cidades para resolver urgências como sacar bolsa família e auxílio emergencial, comprar comida, nos comunicar, receber atendimento hospitalar e depois de resolvido, voltar para as aldeias. Em Itaituba e em Jacareacanga não existe até agora hospital com exames, respirador, UTI e atendimento médico para pacientes de covid 19, por isso a gente está preocupado se essa doença se espalhar e chegar em nós. Cada dia aumenta o número de casos nessas cidades e com a falta de hospitais, de estrutura de saúde e de medidas e decisões urgentes dos prefeitos e autoridades, estamos nos sentindo ameaçados de contaminação por covid 19, de não ter atendimento se isso acontecer e de risco de morte de comunidades inteiras nas nossas aldeias.
Até agora, prefeituras e secretarias municipais de saúde dessas três cidades recebem recursos de diferentes fontes para nossa saúde indígena, mas não estão fazendo atividades suficientes de prevenção, proteção e, principalmente de atendimento adequado para nós indígenas e demais cidadãos que pegarem a covid 19. Nós Munduruku e todos os parentes de outras etnias estamos praticamente sem orientação, sem apoio e sem estrutura nenhuma de saúde, alimentação e higiene para essa pandemia.
Como moramos nas aldeias com nossas comunidades é quase impossível um de nós pegar covid 19 e não passar a doença para outros parentes. Itaituba e Jacareacanga que estão mais perto das nossas aldeias, estão na pior situação porque o governo do Pará colocou hospital de campanha em Santarém, mas os prefeitos das duas cidades e a SESAI até agora não colocaram. Vimos que o governo do estado Pará divulgou que vai colocar hospital pra covid 19 em Itaituba, mas até esse hospital sair, do jeito que essa doença se espalha rápido, já vai ter tanta gente contaminada que não vai conseguir atender nem os doentes de Itaituba. Além disso, Jacareacanga é muito distante e tem péssimas condições de transporte para Itaituba. As medidas que nós Munduruku estamos tomando nos proteger contra a covid 19 são por nossa conta, vem dos nossos pajés, de informações do movimento indígena e do DSEI Tapajós, mas é muito pouco para tudo que a gente precisa e todo o risco que estamos correndo.
Nossos pajés, puxadores e sábios estão batalhando muito sozinhos e precisam de ajuda do MPF, dos órgãos de saúde e dos governos para combater o covid19 e não deixar esse caoxi entrar aqui nas nossas aldeias. É por isso que pedimos para o Ministério Público Federal que faça Recomendação com urgência para:
Que o governador do Estado do Pará e os prefeitos de Jacareacanga, Itaituba, Santarém, Belterra e Aveiro decretem com urgência máxima o bloqueio de todas as atividades que não são essenciais e de qualquer tipo de circulação de pessoas para atividades não essenciais nessas três cidades, da mesma forma que o governador está fazendo agora na capital de Belém e em 9 outras cidades do Pará para evitar que mais doentes circulem, fiquem sem atendimento nos hospitais e morram. Isso tem que acontecer agora, antes que seja tarde demais para nós, milhares de indígenas Munduruku e para todos os nossos parentes de outras etnias e comunidades tradicionais que também vivem com a gente no Idixidy – rio Teles Pires e rio Tapajós. Queremos viver!
Que o governo do estado do Pará e o governo federal instalem com urgência hospital de campanha no município de Jacareacanga/PA com médicos, exames de COVID 19, respiradores, UTI e toda estrutura para dar conta da população doente que está crescendo, de preferência com atendimento especializado para nós indígenas, pois sabemos que o hospital de Itaituba que o governo do estado do Pará está instalando não vai conseguir ter leito suficiente nem mesmo para os pacientes de Itaituba. Além disso, essa cidade fica 400 km de Jacareacanga e a estrutura de transporte entre elas é extremamente cara para nós e precária, sendo impossível um paciente nosso sair da aldeia e chegar a tempo no hospital de Itaituba com vida, ainda mais se for um idoso ou criança pequena. Esse hospital não vai conseguir dar suporte para nós daqui de Jacareacanga aonde está nossa Mundurukânia, que tem 140 aldeias para atender;
Que o governo federal, o governo do Estado do Pará e seus órgãos responsáveis abasteçam e façam campanhas de abastecimento para nossas aldeias durante a pandemia com alimentos, remédios, materiais de higiene, rádios de comunicação, materiais de roça e de pesca, garantindo que todo esse material seja lavado e higienizado antes de ser mandado para nossas aldeias. Isso evita que muitos parentes precisem sair da aldeia para comprar essas necessidades nas cidades e evita nossa contaminação;
Que a SESPA e o governo do Estado do Pará mantenham informação correta e atualizada sobre a covid19 em nossa região, pois os números informados no site da SESPA estão fora da realidade dos números oficiais dos municípios daqui. Como nós indígenas sabemos disso aqui na aldeia e a SESPA na capital, com toda tecnologia e informação não sabe?
Aguardamos respostas e providências urgentes do MPF para nossos pedidos.
SAWE!!!
acesse a carta completa no link: https://bit.ly/3c1n9ev