COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em Carta Aberta publicada na quarta-feira (19), a coordenação europeia da Via Campesina (ECVC), juntamente a 340 organizações da sociedade civil, exigem que a União Europeia pare imediatamente as negociações de um acordo de livre comércio com o bloco do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), devido a deterioração dos direitos humanos e das condições ambientais no Brasil. A Carta é dirigida aos presidentes das instituições da União Europeia, antes da reunião que será realizada na próxima semana em Bruxelas, na qual os ministros de Assuntos Exteriores da União Europeia e do Mercosul pretendem concluir as negociações. Confira o documento:

(Via Campesina / tradução: Cristiane Passos - CPT)

“Estimado presidente do Conselho Europeu, presidente da Comissão Europeia, presidente do Parlamento Europeu,

As organizações da sociedade civil abaixo assinadas pedem à União Europeia que use de sua influência para prevenir a deterioração da situação dos direitos humanos e a destruição do meio ambiente no Brasil.

Em abril, mais de 600 cientistas europeus e duas organizações indígenas brasileiras, representando 300 grupos indígenas no Brasil, conclamaram a UE a agir como líder mundial em apoio aos direitos humanos, à dignidade humana e a um clima habitável, tornando a sustentabilidade pedra angular de suas negociações comerciais com o Brasil. Nós apoiamos totalmente este chamamento.

A UE e os seus Estados-Membros, vinculados pelo Tratado da União Europeia, comprometeram-se a respeitar e promover os direitos humanos como objetivo geral nas suas relações com outros países. A Comissária do Comércio, Cecilia Malmström, reconheceu a necessidade de novos acordos comerciais que realmente atendam ao objetivo do desenvolvimento sustentável.

Desde a posse do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, temos assistido a um aumento das violações dos direitos humanos, ataques a minorias, à comunidade LGBTQ +, povos indígenas e outras comunidades tradicionais. Além disso, sua administração continua a ameaçar o funcionamento democrático básico da sociedade civil, ao mesmo tempo que prepara a destruição de algumas das regiões mais preciosas e ecologicamente valiosas do mundo, como a Amazônia.

Estamos profundamente preocupados com o seguinte:

- A proposta de colocar a demarcação de terras indígenas sob a jurisdição do Ministério da Agricultura, o que abrirá caminho para que as poderosas agroindústrias de gado e soja acelerem seu avanço sobre a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e sobre o Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo. Embora essa medida controversa pareça ter sido temporariamente revogada pelo Senado brasileiro, o presidente Bolsonaro ainda pode impor isso.

- Houve um aumento dramático nos ataques contra os povos indígenas e outras comunidades tradicionais e seus territórios. Em fevereiro, foi relatado que pelo menos 14 territórios indígenas protegidos estavam sendo atacados por invasores. Além disso, o governo aboliu mais de 35 conselhos nacionais de participação social. Estão aumentando, também, os ataques contra pessoas que defendem seus territórios ou recursos naturais nas áreas rurais do Brasil, o que se traduz em um aumento nas mortes de líderes comunitários, camponeses e camponesas, e militantes.

- A promessa de campanha de Bolsonaro de "pôr fim a qualquer forma de ativismo" foi implementada em seu primeiro dia no cargo, capacitando o governo a "supervisionar, coordenar, monitorar e observar as atividades e ações de agências internacionais e organizações não-governamentais dentro do território nacional".

- Tanto o Ministério do Meio Ambiente quanto o Ministério das Relações Exteriores são encabeçados por aqueles que negam o aquecimento global, levando ao cancelamento de departamentos ministeriais responsáveis pela mudança climática. Embora o Brasil continue sendo signatário do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, é cada vez mais improvável que a administração tome as medidas necessárias para implementar o acordo.

- A legislação e as políticas socioambientais foram drasticamente enfraquecidas durante os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro. O Código Florestal foi prejudicado com novas medidas que propõem a redução das reservas legais e um prazo mais flexível para a regularização fundiária por grileiros. Em janeiro de 2019, o desmatamento na Amazônia aumentou 54% em comparação com o mesmo período de 2018.

Os representantes da sociedade civil organizada, militantes sociais, comunidades camponesas e indígenas e sindicatos enfrentam perigos extremos devido à retórica incendiária do governo de Bolsonaro e seus apoiadores. Isso inclui descrever membros de movimentos sociais como "terroristas", como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o que levanta preocupações de que a controversa lei antiterrorista do Brasil será usada para criminalizar os militantes sociais.

A UE é o segundo parceiro comercial do Brasil como um todo, o segundo importador de soja brasileira e um dos principais importadores de carne bovina, além de outros produtos agrícolas, e de recursos naturais brasileiros. Portanto, a UE tem a responsabilidade de abordar as injustiças em termos de direitos humanos e meio ambiente que ocorrem no Brasil sob o governo Bolsonaro. Você deve usar sua influência para apoiar a sociedade civil, os direitos humanos e o meio ambiente. 

A UE está negociando um amplo acordo comercial com o Mercosul, que visa expandir o acesso ao mercado e o comércio entre as duas regiões, incluindo o Brasil. É imperativo que a UE envie uma mensagem inequívoca ao Presidente Bolsonaro, de que a UE irá recusar-se a apoiar um acordo comercial com o Brasil até que se coloque fim às violações dos direitos humanos, que sejam adotadas medidas rigorosas para pôr fim ao desmatamento e que compromissos concretos sejam feitos para implementar o Acordo de Paris.

No passado, a UE suspendeu as preferências comerciais com países implicados em violações graves e sistemáticas dos direitos humanos, como Mianmar e Filipinas. Além disso, a UE restringiu a importação de produtos cuja produção esteja relacionada com a violação dos direitos humanos, como no caso dos minerais de conflito. É hora de a UE adotar uma posição semelhante e firme para evitar a deterioração da situação dos direitos humanos e do meio ambiente no Brasil.

Portanto, reivindicamos que a União Europeia:

1. Interrompa imediatamente as negociações do acordo comercial UE-Mercosul.

2. Garanta que nenhum produto brasileiro vendido na UE, ou nos mercados financeiros que os apoiam, esteja causando aumento no desmatamento, se apropriando de terras indígenas ou violando os direitos humanos.

3. Exija confirmação, com evidência material, de que o governo brasileiro cumprirá seus compromissos decorrentes do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.

4. Aumente o apoio a sociedade civil organizada brasileira, incluindo o reforço da implementação do Plano de Ação da UE de direitos humanos e democracia e das consultas pró-ativas com as organizações da sociedade civil brasileira que trabalhem pelos direitos humanos e pelo funcionamento democrático da sociedade civil brasileira.

5. Monitore e responda às violações dos direitos humanos - incluindo a investigação de casos desde a eleição de Bolsonaro - e fortaleça os mecanismos para proteger os defensores dos direitos humanos. Para as pessoas em situação de maior risco, incluindo povos indígenas e ambientalistas, a UE deve prestar apoio direto e urgente quando necessário, inclusive através de representações políticas.

Atenciosamente".

 

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