O 15º Acampamento Terra Livre (ATL) começou na manhã desta quarta-feira (24), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mas depois de pressão da Polícia Militar do Distrito Federal, as delegações foram forçadas a deixar o local e se dirigir à Praça dos Ipês, ao lado do Teatro Nacional. As negociações transcorreram durante a manhã, após a chegada dos indígenas no final da madrugada.
(Fonte: Mobilização Nacional Indígena / fotos: Andressa Zumpano - CPT)
“Há um ambiente ruim para os povos indígenas criado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não podíamos entrar nesse conflito com a polícia antes da abertura oficial do ATL. Viemos de muito longe, dias de viagem, e voltar para casa sem o nosso encontro avaliamos como ruim. Preferimos dar um passo atrás, mostrar que nosso objetivo não é a violência, e dar dois passos pra frente depois”, declarou Sandro Tuxá.
As delegações do país começaram a chegar na terça (23). No final da madrugada de hoje, iniciaram a instalação de barracas e tendas, em frente ao Congresso. A movimentação foi pacífica, sem nenhum tipo de incidente, apesar do governo federal ter esperado as delegações com a Força Nacional de Segurança Nacional após falas mentirosas do presidente Jair Bolsonaro, numa tentativa de incitar a população contra os indígenas.
A expectativa é de que estejam na capital federal, até sexta (26), cerca de quatro mil índios de todas as regiões do país. O objetivo é discutir a situação dos direitos indígenas e das principais políticas públicas destinadas aos povos indígenas. As lideranças reivindicam o cumprimento de seus direitos garantidos na Constituição, em especial, a retomada imediata das demarcações das Terras Indígenas (TIs).
A mobilização exige que a Fundação Nacional do Índio (Funai) volte a ser subordinada ao Ministério da Justiça e que também volte a ter as atribuições de demarcar essas áreas e opinar sobre o licenciamento ambiental de projetos que afetem essas populações. As lideranças não aceitam, ainda, a proposta do governo de municipalizar ou estadualizar o atendimento de saúde das comunidades.
O governo Bolsonaro entregou ao Ministério da Agricultura, comandado por políticos ruralistas historicamente contrários aos direitos indígenas, as competências de demarcar as TIs e opinar sobre os licenciamentos que envolvam os territórios indígenas. Já a Funai foi esvaziada e está hoje subordinada ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandado pela polêmica pastora Damares Alves. Bolsonaro já afirmou inúmeras vezes que não demarcaria “nem mais um centímetro de TIs”. Também já se referiu várias vezes aos povos indígenas de forma depreciativa.
Ao longo do dia, acontecem protestos em 12 países em solidariedade aos povos indígenas no Brasil. Em especial, estão sendo organizados atos em frente às embaixadas brasileiras.
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Vigília no STF
Hoje à noite está prevista uma vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) para sensibilizar os ministros da corte em relação a diversos casos que envolvem o reconhecimento de TIs. Os participantes do acampamento pretende dançar, cantar e realizar rituais. Amanhã pela manhã acontece uma audiência conjunta das comissões de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Câmara para discutir a situação dos direitos indígenas. Uma comitiva de lideranças vai participar do evento. Estão previstas, ainda, plenárias, debates, atos públicos e atividades culturais no acampamento (veja a programação).
Na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou uma portaria autorizando o uso da Força Nacional na Esplanada e na Praça dos Três Poderes por mais de um mês, a pedido do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com a desculpa de “desencorajar” atos de violência. De acordo com a coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), não há nenhuma justificativa para a medida, uma vez que o ATL acontece há quinze anos em Brasília, de forma pacífica. A Apib divulgou uma nota criticando a portaria (leia aqui).
No início da manhã, viaturas da polícia começaram a se posicionar em frente ao Congresso. Por volta das 8:30, já havia 90 viaturas posicionadas no local, incluindo carros da tropa de choque e cavalaria. No meio da manhã, o clima continuava tranquilo.
Pouco depois, o ministro Sérgio Moro esteve perto da mobilização, mas para acompanhar uma cerimônia de lançamento de uma operação das polícias militares do país. Ele deixou o evento sem falar com as lideranças indígenas. Questionado sobre as reivindicações dos índios, Moro respondeu apenas que o acampamento era uma “manifestação pública como outra qualquer” e que não estava ali para falar do assunto.
A Apib vem tentando dialogar com o governo, mas sem sucesso. Ainda durante o período de transição, a articulação pediu uma audiência com representantes da nova administração, mas que foi negada.
“O ATL é a maior assembleia indígena do país. Estamos aqui para reivindicar nossos direitos de forma pacífica. Tudo o que decidem aqui em Brasília afeta nossa base: autorizar mineração nas Terras Indígenas, não demarcar as TIs, tirar a saúde indígena, a educação. Temos o direito de estar aqui”, diz Alessandra Korap, do povo Munduruku.
“Queremos realizar nossa assembleia e nivelar informações, discutir os temas que o próprio governo tem pautado no Congresso e nos outros poderes. Vamos desenvolver atividades culturais, intercâmbios e atos e também dialogar com os poderes”, informa Mário Nicácio, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). “Como sempre, nossas mobilizações, desde nossas aldeias, são baseadas no diálogo, no entendimento, no esclarecimento. Como sempre, estamos abertos para o diálogo”.