COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em primeiro dia de mobilização na capital federal, estudantes indígenas e quilombolas buscaram agenda com governo federal e apoio parlamentar.

 

 (Por Guilherme Cavalli e Tiago Miotto – Cimi | Imagem principal: Tiago Miotto)

Dando início a uma semana de mobilização nacional, os estudantes indígenas e quilombolas realizaram ontem (19) pela manhã uma marcha em Brasília e um ato em frente ao Palácio do Planalto, onde bloquearam as vias de trânsito. Estudantes reivindicam a consolidação de políticas públicas de permanência no ensino superior e cobram a garantia da Bolsa Permanência a todos os indígenas e quilombolas que já se matricularam no primeiro semestre do ano e que vão se matricular no segundo.

Cerca de 300 estudantes e lideranças indígenas e quilombolas de pelo menos 18 universidades de todas as regiões do país participam da mobilização em Brasília. Entre os indígenas, estudantes de mais de 40 povos mobilizados na capital federal.

A marcha partiu da Catedral de Brasília, contornou o Congresso Nacional e foi até o Palácio do Planalto, onde os indígenas buscaram conseguir agendas com o governo federal para tratar da questão das bolsas. Sem respostas, realizaram um ato em frente ao Palácio e seguiram ali, com o trânsito parcialmente paralisado, até obterem uma perspectiva de agenda.

“Viemos com o propósito de dialogar, mas pela manhã não tinham resposta para nenhuma das nossas perguntas”, explica a quilombola Paula de Menezes Baia, estudante de Direito na UNESSPA. “Estamos aqui com toda a resistência pra lutar até resolver a questão da permanência nas universidades”.

Pela tarde, o governo comprometeu-se a marcar para esta quarta-feira (20) uma reunião com estudantes e lideranças indígenas e quilombolas, da qual participariam representantes das Secretarias de Educação Superior, Planejamento, Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Articulação Social, além de representantes da Casa Civil e da Fundação Palmares.

“Esperamos que essa turma sente com a gente já com decisões e encaminhamentos”, afirma Kahu Pataxó, estudante de direito e liderança indígena.

Apesar da agenda, o movimento não abre mão de se reunir diretamente com o ministro da Educação, Rossieli Soares. Pela tarde, os estudantes também visitaram comissões, parlamentares e lideranças partidárias no Congresso Nacional, buscando apoio para suas pautas.

“Não basta apenas ter uma lei que garante nosso acesso. Queremos permanência. As cidades são muito longe das nossas comunidades” – Paula de Menezes Baia, quilombola

 

Policiais militares acompanharam de perto o ato em frente ao Palácio do Planalto. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Propostas insuficientes e mobilização

Até anteontem, o MEC sequer havia liberado o cadastramento para as bolsas permanência aos estudantes que ingressaram nas universidades em 2018. Os estudantes indígenas e quilombolas que se matricularam no primeiro semestre de 2018, ainda não contam com nenhuma assistência, o que compromete a continuidade de seus estudos.

Em função da mobilização dos estudantes, o MEC liberou 2500 bolsas permanência na última sexta, por meio da Portaria 560. O número, entretanto, é insuficiente, pois dá conta apenas dos 2.492 estudantes indígenas e quilombolas que, segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), se matricularam no primeiro semestre. A perspectiva é que esse número dobre no segundo semestre.

No dia 29 de maio, indígenas e quilombolas cobraram do MEC, em Brasília, a liberação imediata das bolsas. A proposta inicial do ministro, de apenas 800 bolsas, foi prontamente rechaçada pelos estudantes, que fortaleceram sua mobilização.

“Ele alegou que não tinha recurso para custear as demais bolsas. Começamos a fazer o movimento, ele surtiu efeito, correu as redes sociais e o ministério ficou sabendo. Do dia para a noite, eles liberaram 2500 bolsas para nós, indígenas e quilombolas ingressantes no ensino superior”, explica Paula de Menezes.

A nova portaria do MEC surgiu na sexta-feira anterior à mobilização nacional já marcada para acontecer em Brasília. Considerando uma tentativa de desarticulação do movimento, os estudantes decidiram manter a mobilização.

Até quando esperar?

Há, ainda, outro problema com a nova proposta do MEC: a inscrição para as bolsas, que contempla apenas parte dos estudantes, se estenderá até 31 de agosto, o que significa que só então serão fornecidas – quando outros 2500 estudantes indígenas e quilombolas já estão contemplados.

“Além das bolsas não serem suficientes, o prazo para elas serem liberadas é muito extenso, os calouros só vão receber lá por setembro. E até lá vão fazer o que, voltar para suas casas? Desistir de seus cursos? São essas as respostas que viemos buscar do ministro da Educação”, questiona a quilombola.

“Queremos uma universidade que respeite as diferenças. São mais de 305 povos que chegam nas universidades e veem o despreparo das instituições para receber a cultura e a tradição de diferentes povos, indígenas e quilombolas” – Rodrigo Mariano, Guarani Mbya e estudante de Direito

Estudantes reivindicam a consolidação de políticas públicas de permanência no ensino superior e cobram a garantia da Bolsa Permanência

a todos os indígenas e quilombolas . Foto: Tiago Miotto/Cimi

Política de permanência

Além da questão mais imediata das bolsas, indígenas e quilombolas reivindicam também uma política mais estruturada que garanta a sua permanência nas universidades, levando em conta sua diversidade e suas especificidades socioculturais.

Por isso, em documento com as pautas da mobilização, exigem que a Bolsa e uma política de Permanência, assim como o Programa Nacional de Assistência Estudantil, sejam transformados em lei.

“A permanência dos estudantes indígenas e quilombolas nas universidades vai além do programa de bolsa permanência do MEC. São muitas questões implicadas, e uma delas é o racismo, o preconceito na sala de aula. As instituições não estão preparadas para receber tanta diversidade cultural no espaço acadêmico”, avalia o indígena Rodrigo Mariano, Guarani Mbya e estudante de Direito na UFSM.

“Queremos romper com esse racismo velado que existe dentro das instituições e que são um reflexo das políticas de Estado e de governo”, resume o indígena.

A mobilização segue nos próximos dias em Brasília, e os indígenas afirmam que seguirão participando de agendas e realizando atos até que suas reivindicações sejam atendidas.

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