Samarco (Vale\BHP Billiton) recebeu a pauta que foi elaborada entre setembro e dezembro de 2017 nas reuniões dos Grupos de Base acompanhados pela Assessoria Técnica Independente da AEDAS.
(Fonte/Foto: MAB).
Atingidos e Atingidas pelo crime da Samarco (Vale\BHP Billiton) organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na cidade de Barra Longa realizaram na noite da última sexta-feira (2) a primeira Assembleia Geral de 2018 reunindo cerca de 200 pessoas de todas as regiões atingidas no município.
O objetivo desta atividade foi entregar para as mineradoras por meio da Fundação Renova a pauta de reivindicações que foi elaborada pelos atingidos organizados nos Grupos de Bases acompanhados pela Assessoria Técnica Independente da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS).
Cada Grupo de Base é formado por 10 ou 15 famílias que foram organizados segundo planejamento feito pela Comissão dos Atingidos e Atingidas. Para a elaboração deste documento, atingidos se reuniram em Grupos nas localidades de Volta na Capela, Rodovia Edmundo, Rua 1º de Janeiro, Vila São José, Bairro do Rosário, Rua Matias Barbosa, Avenida Capitão Manoel Carneiro, Morro Vermelho, Rua Monsenhor Horta, Rua Pedro José Pimenta, Barreto, Gesteira, Mutirão, Mandioca, Floresta, Capela Velha, São Gonçalo, Onça, Parque de Exposições.
Após todas as revisões necessárias feitas pela Comissão e acompanhada pela AEDAS, a PAUTA DE REIVINDICAÇÕES DOS ATINGIDOS E ATINGIDAS DE BARRA LONGA foi finalizada em 6 eixos: 1) Direito à moradia digna e infraestrutura; 2) Direito ao trabalho digno, geração de renda e desenvolvimento socioeconômico; 3) Direito a participação, poder de decisão e acesso à informação; 4)Direito à saúde, à qualidade de vida e à convivência familiar e comunitária; 5) Direito ao ambiente saudável; 6) Direito a indenização justa.
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Além de apontar como a Samarco deve resolver os problemas que ela criou com o crime do rompimento da barragem, os atingidos também discutiram qual o conceito de atingido que deve ser considerado em todo este processo de reconhecimento. Para rechaçar o conceito das mineradoras/Fundação que negam este direito e consideram como “impactados” somente “aqueles que tiveram algum dano na sua propriedade”, as famílias elencaram 26 situações que comprovam como cada homem, mulher, jovem, criança ou idoso pode ser atingido nos mais variados aspectos da vida.
Diante de toda a Assembleia, a pauta foi lida na íntegra em todos os seus eixos detalhados. “Foi um momento muito importante para a comunidade. Esta pauta foi elaborada durante meses por centenas de atingidos e todos já tínhamos lido e discutido ela nos Grupos de Base. Ler diante da empresa e entregar oficialmente para que ela cumpra o que nós queremos foi um passo fundamental na nossa luta por respeito”, afirma Gracinha, atingida em Gesteira e militante do MAB.
PIM: negação de direitos e ilegalidade
Após a leitura, a assembleia centrou-se nas discussões sobre o Direito a Indenização Justa, o sexto eixo da pauta. As advogadas Laura Alves de Oliveira e Heiza Maria, técnicas da Associação Estadual Defesa Ambiental e Social (AEDAS) apresentaram questões sobre o Programa de Indenização Mediada (PIM), que é a imposição da Samarco (Vale e BHP) sobre como ela irá pagar as indenizações dos atingidos.
Utilizando denúncias dos próprios atingidos, a exposição das advogadas deixou claro que o programa fere regras básicas do direito. Por exemplo, no documento de ingresso do PIM, dentre os termos a serem assinados, há o que obriga a confidencialidade. Ou seja, o atingido não pode divulgar para ninguém os termos e os valores da sua negociação, nem mesmo para seus vizinhos e a Assessoria Técnica. E ainda na Clausula 46 do Regimento Interno do PIM, é vedado o direito do atingido de usar qualquer documento do PIM em ações judiciais sob pena de 10 mil reais de multa, o que é ilegal.
Do mesmo modo, foi questionada a informação de que os atingidos terão até 4 de novembro de 2018 para entrar com ações na Justiça contra as empresas porque o crime prescreveria nesta data. Foi esclarecido que a prescrição não é contada automaticamente. Segundo o Código Civil, existem várias causas que suspendem ou interrompem este prazo e algumas delas já estão ocorrendo como as ações judiciais e os acordos e, principalmente, porque o crime ainda está em andamento.
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Durante a apresentação, Helder Magno, Procurador da República, tomou a palavra surpreso e indignado. Para ele, não há base no ordenamento jurídico que rege a matéria que justifique as exigências e informações que estão nas cláusulas do PIM. “Entendemos que este não é um programa adequado para resolver as questões das indenizações. Vamos elaborar um documento para esclarecer nossa posição, inclusive sobre a dúvida da prescrição que para nós também não será em 4 de novembro de 2018”, afirmou.
Helder elogiou a realização da assembleia. “Cada vez mais temos que ter espaços como este que organizam as demandas dos atingidos de baixo para cima o que dá força e legitimidade aos processos. E aqui não vemos pessoas manipuladas por membros do MAB ou da Comissão, vemos pessoas que estão indignadas e entendendo porque estão aqui,” comentou.
Como forma de questionar o PIM e envolver verdadeiramente os atingidos e atingidas no processo de indenização, foi decidido pela assembleia que nos próximos 30 dias, a contar data da assembleia, a Assessoria Técnica vai reunir em todos os Grupos de Base da cidade para construir a metodologia da Matriz de Danos e depois exigir que as empresas mudem o procedimento do PIM respeitando questões básicas que o próprio Conselho Interfederativo (CIF) já deliberou, bem como reveja o formato e os valores das indenizações pagas até agora.
“É verdadeiramente abusivo o que as mineradoras estão fazendo com os atingidos. Pagar 1,19 por pé de mandioca, 0,33 centavos por uma touceira de cana e ainda impedir o atingido de usar estas informações sob pena de 10 mil reais de multa é uma falta de respeito absurda, por isto que estamos aqui reunidos. Pressionar é a única saída”, comenta Simone Silva, atingida na cidade.