O relatório com os resultados da Missão Especial dos Impactos da Política Econômica de Austeridade sobre os Direitos Humanos, que apresenta um conjunto de recomendações ao Estado brasileiro, foi lançado na última quarta-feira (4) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
(Fonte: Plataforma Dhesca Brasil | Fotos: Gisele Barbieri)
Produzido pela Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, o documento apresenta contribuições para o debate e o questionamento público sobre a manutenção de uma política econômica que impõe imenso sofrimento à população, viola direitos e fere a Constituição Brasileira.
Conheça o site especial da Relatoria
A Relatoria Especial realizou cinco missões de investigação que constataram a ampliação dos processos de retirada de direitos e congelamento de investimentos públicos para a população. Os focos temáticos das missões foram definidos em oficinas de trabalho estratégico realizadas em abril e em junho de 2017. Com o apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, os focos da relatoria foram o desmonte da política nacional de agricultura familiar e o aumento da violência no campo, conduzida em Goiás; violação dos direitos humanos da população afetada pela tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika) em Pernambuco; o aumento da violência nas favelas cariocas; o agravamento das violações dos direitos indígenas com as políticas de austeridade e os ataques à população em situação de rua e em ocupações de moradia, associados ao crescimento de políticas higienistas no município de São Paulo.
Como parte das missões in loco, foram realizadas oitivas de lideranças comunitárias e da sociedade civil, de representantes do Estado, de pesquisadoras e pesquisadores, além do levantamento e análise de documentos e registros oficiais, bem como entrevistas e consultas às populações e grupos cujos direitos foram de alguma maneira violados em decorrência de cortes orçamentários em políticas públicas e de outras ações decorrentes da adoção, pelo governo brasileiro, da política econômica de austeridade.
Em defesa da Constituição
Durante a audiência de lançamento, a senadora Fátima Bezerra (PT/RN) afirmou que a apresentação do relatório é muito importante também em âmbito parlamentar, para que a pesquisa possa auxiliar os parlamentares nas ações contra os retrocessos em curso e para fazer avançar o trabalho em prol da cidadania. “Essa audiência se faz ainda mais especial considerando os tempos que estamos vivendo, de muitos retrocessos. Estamos vendo o verdadeiro desmonte do Estado, a privatização selvagem do patrimônio público. Estão vendendo o Brasil, destruindo a Constituição Federal naquilo que ela mais avançou, que é garantir direitos ao povo brasileiro. Espero que o que aqui for apresentado possa efetivar o respeito aos direitos humanos”.
Durante a apresentação do relatório, a integrante da Plataforma Dhesca e coordenadora da Relatoria Especial, Denise Carreira, apontou que a Constituição Federal (que completou 29 anos nesta quarta) vem sendo duramente atacada, e que economia é um assunto que precisa ser apropriado por toda a população brasileira. “A economia não pode ficar isolada do debate público, tem de estar a serviço da Constituição e a garantia de Direitos Humanos”, disse. Carreira apresentou, ainda, o site especial que abriga o relatório e vídeos relacionados à Relatoria.
Carmen Silva, integrante da Frente de Luta por Moradia de São Paulo, Alan Alan Brum Pinheiro, do Instituto Raízes em Movimento (RJ), Pergentina Vilarim, do Fórum Estadual de Reforma Urbana, de Pernambuco, e Paulo Karai, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apresentaram aspectos da realidade enfrentada pelas populações vulnerabilizadas em decorrência da intensificação das políticas de austeridade em seus territórios. “Hoje, famílias inteiras são despejadas em SP pela especulação imobiliária. São cerca de 20 mil moradores vivendo em situação de rua, então quando a gente vê que morar é um privilégio, ocupar é um direito. A Plataforma andou dentro de malocas e de ocupações durante a missão e constatou que os brasileiros estão sendo exterminados a partir da retirada de seus direitos”, denunciou Carmen Silva.
Mitos e recomendações
Pedro Rossi, economista que integrou a equipe de elaboração do relatório, explicou alguns mitos relacionados à austeridade, como a comparação de gastos públicos com gastos familiares e o resgate da confiança por parte do empresariado. “Estatisticamente, a literatura não mostra que austeridade funciona. A crise no Brasil foi agravada com as políticas de austeridade iniciadas em 2015. A taxa de desemprego subiu, tivemos o maior aumento da taxa de desemprego que se tem notícia. O PIB caiu, e a dívida pública aumentou com a desaceleração da economia”, pontuou.
Entre as principais recomendações apontadas no relatório, estão a adoção de politicas econômicas anticíclicas, a realização de um referendo nacional sobre as emendas constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação das receitas da União), a criação de um Comitê Nacional de Emergência para atuar junto às pessoas vulneráveis e a implementação de uma Reforma Tributária progressiva que contribua para a redução das desigualdades.
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Próximas ações
Ao resgatar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, lembrou que o documento diz, em dispositivo específico, que é preciso assegurar formas de combate às violações aos direitos humanos, e se comprometeu a encaminhar à Procuradoria Geral da República uma manifestação pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 95.
Para o presidente do conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, as políticas de austeridade são uma forma de instrumentalizar o Estado para os interesses do grande capital. “Os lucros dos bancos aumentam enquanto aumenta o desemprego. É um processo que tem duas dimensões de violência: como se não bastasse estarmos perdendo direitos, há uma palavra de ordem tácita que permite a invasão dos territórios, a violação dos direitos. O processo de criminalização se dá a partir de ferramentas que significam um ensaio claro de aprofundamento do golpe em nosso país”, alertou. Ele apresentou, ainda, as manifestações produzidas pelo CNDH contra a Reforma da Previdência e a EC 95, e se comprometeu a possibilitar, no âmbito do Conselho, o endosso do CNDH ao pedido à PGR.
Após o lançamento nacional, serão realizados encontros de devolutiva às pessoas e comunidades que participaram do processo das missões locais em cada estado visitado. Os resultados das missões locais também serão objeto de divulgação internacional e encaminhamento às instâncias internacionais de direitos humanos.