Já chega a 62 o número de assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil apenas neste ano. A conta denuncia uma realidade cada vez mais perigosa para pessoas que atuam na defesa dos direitos humanos em seus territórios. A brutalidade, a frequência e a impunidade que permeiam esses casos deixam claro que os números ainda podem aumentar.
Para denunciar quão expostas essas pessoas estão em seus territórios e quantas vidas ainda podem ser ceifadas, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) elaborou um documento que reúne 15 casos de situação de conflito e denuncia que a ausência de ações de proteção efetiva para essas pessoas e comunidades pode gerar mais mortes a qualquer momento.
O documento foi elaborado durante o 3º Fronteiras de Luta – Seminário Nacional sobre Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – realizado em Brasília de 13 a 15 de setembro, e que reuniu representantes de organizações da sociedade civil, lideranças e movimentos sociais que compõem o CBDDH.
Mortes anunciadas
Depois de diversas ameaças e disparos, um casal de assentados foi torturado e mantido em cárcere privado. Essa é a realidade do Assentamento Raimundo Viera III, no município de Nova Guarita (MT). As famílias do assentamento enfrentam ameaças de morte constantes, e situações que vão desde tortura, cárcere privado, queima de casas, cortes de cercas e disparos de armas de fogo contra casas e veículos. Boletins de Ocorrências já foram realizados e lavrados nas polícias Militar e Civil do estado, mas a violência não cessa. Os responsáveis por essas ações seriam os membros da família Braga, que possuem interesse na área.
No município de Viana, no Maranhão, a violência é contra o povo indígena Akroá Gamela, na aldeia Cajueiro Piraí. Depois de ataque com arma de fogo, em abril deste ano, que deixou mais de 22 índios da etnia feridos, as ameaças continuam. Os ataques partiram de um grupo de fazendeiros (com a participação de políticos da região), utilizando armas de fogo, armas brancas, paus e pedras contra os indígenas. Em agosto, foram registrados novos disparos contra a aldeia.
No estado da Bahia, o cacique Babau e outras lideranças Tupinambás seguem sendo vítimas de tentativas de assassinato e ameaças de morte. No município baiano de Lençóis, a violência também ronda o dia a dia da comunidade quilombola de Iúna, onde seis quilombolas foram assassinados em agosto desse ano. O processo de regularização fundiária daquele território quilombola interfere no interesse de empresas multinacionais que querem se instalar na região para exploração dos recursos naturais.
As situações de mortes anunciadas também são relatadas nas cidades. Os conflitos urbanos estão denunciados no documento do CBDDH que aponta que, no Rio de Janeiro, defensoras e defensores de direitos humanos e militantes dos movimentos de favelas são vitimas das forças de segurança e denunciam sequestros, atentados e intimidações por policiais civis e militares. Em Curitiba, no Paraná, os integrantes do movimento LGBTI são perseguidos e ameaçados por fundamentalistas e neonazistas. Os fatos começaram após a entrega de um dossiê para as autoridades policiais, que apresentava graves denúncias praticadas por skinheads e que culminou na prisão de um grupo de neonazistas. No ano seguinte, os defensores Igo Martini e Márcio Marins foram agredidos fisicamente por três homens. Um dos investigados confirmou a motivação do ataque.
O documento produzido pelo Comitê é mais uma forma de denunciar a impunidade que ronda os casos de assassinato de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. Das 62 mortes deste ano, muitos casos eram de conhecimento das autoridades públicas, mas nada foi feito para evitá-las.
Carta aberta do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos
As mortes anunciadas no Brasil: 2017
Reunidos entre os dias 13 e 15 de setembro de 2017 em Brasília/DF, durante o evento Fronteiras de Luta: III Seminário Nacional sobre Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, composto por organizações da sociedade civil, lideranças e movimentos sociais, vem a público alertar sobre um cenário grave de acirramento de violências e mortes anunciadas, que atinge a vida de quem defende os direitos humanos no Brasil.
O ano de 2017 teve início com o agravamento da situação de desmonte de políticas públicas pelo governo federal e a aprovação de um conjunto de leis que confirmam o projeto de abandono e violência em relação aos direitos da população. Diante disso, já foram contabilizados 62 assassinatos e inúmeras denúncias de ameaças, atentados e intimidações contra lideranças e ativistas.
O Comitê considera que a identificação prévia desses graves conflitos é sumamente importante e proporciona a possibilidade de uma intervenção efetiva a fim de evitar o agravamento das violações de direitos, como assassinatos e chacinas, a exemplo do massacre de Pau D’Arco (estado do Pará), da chacina de Colniza (Mato Grosso), do ataque ao povo Gamela (Maranhão) e da grave situação do estado de Rondônia.
Nesse sentido, para evitar que novas mortes e massacres ocorram, o Comitê e os movimentos e organizações sociais que o compõem, denunciam as situações de injustiças e se colocam como aliados na mediação de conflitos, exigindo que as autoridades públicas adotem, URGENTEMENTE, medidas efetivas para suas resoluções, bem como garantam a proteção das pessoas e famílias defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil.
Com muita preocupação, apresentamos abaixo 15 situações de mortes anunciadas no Brasil em 2017:
- Mato Grosso. Assentamento Raimundo Viera III (Lote 10) - Gleba Gama, situado no município de Nova Guarita. Comunidade teme ataques e assassinatos. Depois de diversas ameaças e disparos, casal de assentados foi torturado e mantido em cárcere privado.
- Pará. Marabá. Acampamento Hugo Chavez. Famílias sem-terra amedrontadas por pistoleiros.
- Rondônia. Municípios de Ariquemes e Theobroma. Ameaça de despejo põe em risco a vida das famílias da ocupação Canaã.
- Maranhão. Município de Viana. Após ataque que deixou mais de 20 feridos, índios Gamela sofrem com disparos de armas de fogo, ameaças e seguem em risco de morte.
- Maranhão. Município de Araioses – Baixo Parnaíba. Família de Zé Menino, pescador assassinado em julho deste ano, corre risco de morte na Comunidade de Ilha da Croa.
- Mato Grosso do Su Indígenas Guarani-Kaiowá seguem sofrendo ataques e ameaças.
- Bahia. Serra do Padeir, município de Ilhéus. O Cacique Babau e lideranças do povo indígena Tupinambá seguem sendo vítimas de tentativas de assassinato e ameaças.
- Bahia. Município de Lençóis. Após massacre que dizimou a vida de 6 jovens, a Comunidade Quilombola de Iúna continua convivendo com ameaças e risco de novos ataques.
- Bahia. O Quilombo Rio dos Macacos vivencia espancamentos, tortura e ameaças na Zona rural divisa dos municípios de Salvador e Simões Filhos.
- Amazonas. Massacre de indígenas isolados, conhecidos Flecheiros, alertam para extermínio.
- Amazonas. Manaus. Defensora do direito à moradia sofre ameaças de morte.
- Minas Gerais. Município de Almenara, Região do Vale do Jequitinhonha. Após agressões a quilombolas aumentam as tensões na Comunidade Marobá dos Teixeira.
- Rio de Janeiro. Defensoras/es de direitos humanos militantes dos movimentos de favelas são vítimas das forças de segurança por meio de sequestros, atentados e intimidações.
- Paraná. Curitiba. Defensoras/es de direitos LGBTI são perseguidos e ameaçados por fundamentalistas e neonazistas.
- Distrito Federal. Assentamento Zilda Xavier em Planaltina/DF. Coordenador do movimento de direito à moradia é vítima de tentativa de homicídio e tem sua atuação restringida em razão da continuidade das ameaças.
Todos esses casos são narrados com mais detalhes abaixo e foram objetos de diversas denúncias formalizadas aos órgãos públicos competentes. Consideramos que são situações de extrema gravidade e que evidenciam mortes iminentes. Apelamos para que medidas sejam tomadas, na busca da garantia da vida e integridade dessas pessoas e famílias, defensores e defensoras de direitos humanos.
Brasília/DF, 15 de setembro de 2017.
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos
As mortes anunciadas no Brasil: 2017
- Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais
- Comunidade teme ataques e assassinatos. Depois de diversas ameaças e disparos, casal de assentados é torturado e mantido em cárcere privado
Mato Grosso. Assentamento Raimundo Viera III (Lote 10) - Gleba Gama, situado no município de Nova Guarita - MT
As famílias assentadas vivem sob ameaças e violências constantes que vão desde ameaças de morte, tortura, cárcere privado, queima de casas, cortes de cercas, envenenamento por pulverização aérea de agrotóxicos, disparos de armas de fogo contra casas e veículos. Diversos relatos e Boletins de Ocorrências já foram realizados e lavrados na Polícia Militar e Civil do estado. Apontam-se como responsáveis os membros da família Braga que possuem interesse na área. Apesar de denúncias feitas a diversos órgãos públicos, até o momento não foram adotadas medidas de proteção às famílias, a exemplo do último ataque ocorrido em agosto.
No dia 19 de agosto deste ano um casal de assentados foi torturado e mantido em cárcere privado. Os acontecimentos se deram na presença da filha do casal de 3 anos. Na ocasião, os agressores dispararam com armas de fogo contra os assentados que tentaram socorrer as vítimas. A Polícia Militar de Nova Guarita, ao chegar no local, deteve o casal que sofria a violência, enquanto os agressores foram liberados e as armas de fogo não foram apreendidas.
1.2 Famílias sem-terra amedrontadas por pistoleiros
Acampamento Hugo Chavez Marabá-PA
O massacre de Pau D´Arco, ocorrido no último dia 24 de maio, no Pará, não é o único caso de violência naquele estado. Ao mesmo tempo em que nove trabalhadores e uma trabalhadora rural foram brutalmente assassinados por forças policiais na Fazenda Santa Lúcia, outros tantos encontram-se em situação de conflito, ameaçados, expulsos e violentados em decorrência da luta travada pela terra e concretização da reforma agrária.
O acampamento Hugo Chavez, localizado na Fazenda Teresa, em Marabá, da qual se diz proprietário o grileiro Rafael Saldanha, é um exemplo desse cenário de violência desolador, envolvendo apropriação de terras públicas e legitimação da grilagem pelo Estado – o fazendeiro conseguiu a regularização fundiária junto ao Iterpa.
Desde que a área foi apropriada pelo grileiro, os conflitos se acirraram no local. O acampamento é constantemente vítima de tentativa de expulsão por parte de pistoleiros. Os acampados relatam que, no dia 16 de julho de 2017, homens armados atiraram em direção ao acampamento e atearam fogo nos barracos e roças dos trabalhadores/as rurais: “no domingo, foi a tarde inteira [eles] atirando e nos cercaram também. Colocaram vários homens armados nas estradas que dão acesso ao acampamento”.
- Ameaça de despejo coloca em risco a vida de trabalhadoras e trabalhadores rurais da ocupação Canaã
Rondônia, municípios de Ariquemes e Theobroma
Trata-se de ocupação com mais de 15 anos, na região que envolve os municípios de Ariquemes e Theobroma, com mais de 300 famílias e grande produção camponesa. No entanto, há ordem judicial de despejo, e mesmo tendo sido suscitado conflito agrário, o juiz agrário do Tribunal de Justiça de Rondônia já determinou notificação à Força Nacional e à Polícia Militar para efetuar o despejo. As famílias, apreensivas, informam resistir até onde puderem.
- Indígenas
- Após ataque que deixou mais de 22 feridos, índios Gamela sofrem com disparos de armas de fogo, ameaças e seguem em risco de morte
Maranhão, município de Viana.
Mesmo após as denúncias do ataque brutal contra o povo indígena Akroá Gamela, na aldeia Cajueiro Piraí, localizada no município de Viana/MA, a situação continua tensa. Somente no mês de agosto ocorreram novos disparos com arma de fogo contra a aldeia Cajueiro Piraí, onde se concentra parte desta etnia.
Preocupa-nos o alto índice de violência contra os povos e comunidades tradicionais do Maranhão. Atualmente no estado há cerca de 376 povos e/ou comunidades que vivenciam, de alguma forma, a situação de violência e conflitos no campo. Somente em 2016 foram registradas 196 ocorrências de violência contra os povos do campo. Maranhão foi o estado que mais assassinou indígenas em 2016.
O povo indígena Gamela vive no estado do Maranhão e, desde 2015, está retomando o seu território ancestral, nos arredores dos municípios de Viana, Matinha e Penalva, devido à ausência providências do Estado brasileiro para a demarcação de suas terras.
O ataque mencionado refere-se à 30 de abril de 2017, quando fazendeiros locais, reunidos em torno de um grupo que intitularam “Movimento pela Paz”, com a participação de políticos, promoveram violento ataque com uso de armas de fogo, armas brancas, paus e pedras contra indígenas da etnia Gamela, no Povoado Baías, zona rural de Viana (MA). Os agressores estavam reunidos para atacar os indígenas ao menos desde o início da tarde, nas proximidades do Povoado da Bahias, numa área chamada de Santero, conforme convocação realizada pelas redes sociais e em programas de rádio locais - inclusive com falas de apoio do deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN/MA).
Como resultado da ação violenta contra os indígenas, 22 gamelas sofreram algum tipo de ferimento - entre estes indígenas, duas crianças e um pré-adolescente. Dentre os adultos, cinco foram baleados e destes, três sofreram amputação das mãos em decorrência do ataque com uso de arma branca.
- Indígenas Guarani-Kaiowá seguem sofrendo ataques e ameaças
Mato Grosso do Sul
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou, em 2016, diversos ataques paramilitares, organizados por fazendeiros contra o povo indígena Guarani-Kaiowá. Casos como o que resultou na morte de Clodiodi Aquileu gerou grande comoção. As filmagens realizadas pelos indígenas revelaram vários homens armados, queimando suas moradias e pertences, em brutal episódio que além de uma morte deixou outros seis indígenas feridos, incluindo uma criança.
De 2015 a 2016 foram registrados mais de 33 ataques ao povo Guarani-Kaiowá, com duas mortes e dezenas de baleados.
Todos os dias os indígenas entram em contato com organizações e autoridades para denunciar novos ataques, ameaças, disparos de armas de fogo contra suas comunidades. Atualmente o povo Guarani-Kaiowá soma aproximadamente 60 mil indígenas, vivendo em mais de 50 comunidades.
Consideramos que os recentes ataques aos indígenas da reserva de Dourados, em retaliação a retomadas dos territórios tradicionais do povo Guarani Kaiowá, demonstram uma tragédia anunciada com risco de massacre deste povo!
- Cacique Babau e lideranças Tupinambá seguem sendo vítimas de tentativas de assassinato e ameaças
Bahia. Ilhéus
Os Tupinambás sofrem toda espécie de preconceito violências, física e cultural. As ameaças de morte são constantes e suas lideranças são perseguidas, violentadas e presas. O caso mais grave é o vivido pelo Cacique Babau Tupinambá, que há anos sofre atentados, ameaças de morte e perseguições. Preso por sua atuação em defesa dos direitos do povo Tupinambá, Babau chegou a ser vítima de atentado dentro do sistema prisional.
Em 2016, chamado por indígenas para verificar a extração ilegal de areia realizada por uma mineradora que explora ilegalmente o território indígena, o cacique foi recebido a tiros por pistoleiros. Além de ter sido vítima do ataque, Babau foi preso por policiais que, segundo os indígenas, estão envolvidos com o conflito.
Apesar das diversas denúncias sobre o risco de assassinato da liderança, as ameaças persistem e se estendem inclusive a seus familiares, a exemplo de seu irmão, que neste ano foi vítima de tentativa de assassinato.
- Massacre de indígenas isolados, conhecidos Flecheiros, alertam para extermínio
Amazonas
As terras indígenas Karipuna, já demarcadas, estão sendo alvo de invasão, desmatamento e loteamento indevido. Notícias recentes escandalizaram todo o país com informações ainda incompletas que já apontam mais de 20 mortes de flecheiros na Amazônia. O Estado brasileiro não tem empreendido esforços para impedir o avanço sobre as terras, deixou de realizar o monitoramento dos povos isolados da região e tampouco destinou recursos para realização das investigações dos assassinatos.
A invisibilidade do caso, que só veio a público pela atuação da sociedade civil, e a omissão do Estado diante das mortes, indicam que há risco de extermínio dos indígenas isolados para apropriação de suas terras e dos recursos naturais lá existentes.
- Quilombolas
- Após massacre que deixou seis mortos, permanecem as ameaças e risco de novos ataques
Comunidade quilombola de Iúna, localizada no município de Lençóis/BA
A situação de violência e ameaça que resultou na chacina ocorrida em 6 de agosto deste ano, quando seis homens quilombolas foram assassinados, ainda hoje gera insegurança na comunidade. Os fatos estão relacionados ao processo de regularização fundiária do território quilombola e ao interesse de empresas multinacionais em se instalar na região para exploração dos recursos naturais. Trata-se evidentemente de um conflito agrário.
Relatos e depoimentos apontaram que a comunidade já vivia amedrontada com acontecimentos anteriores, como arrombamentos da escola e o assassinato de outro quilombola no mês de junho deste ano, além de bilhetes de ameaças deixados embaixo das portas.
Conforme verificou o Ministério Público Federal em visita à comunidade: “a) vive-se sob contínuo e severo estado de medo, apreensão, angústia e desesperança, diante do justificável receio de novas investidas criminosas que resultem em lesões à integridade física e/ou a vida dos quilombolas, denotando-se um grave caso de insegurança pública; b) ocorreu um abrupto êxodo de seus moradores. Segundo relatos, aquela comunidade possuía 42 (quarenta e duas) famílias; após o lamentável episódio, restaram apenas 12 (doze); c) os moradores restantes não mais enviaram suas crianças para a Escola Municipal Irineu Dutra, a única existente naquela comunidade, por apreensão de novos ataques; d) o motorista do ônibus escolar se recusa a adentrar na comunidade quilombola, por temor;”
3.2 Após agressões a quilombolas aumentam as tensões na Comunidade Marobá dos Teixeira
Município de Almenara, Região do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais
O casal Jurandir e Rosa, membros da comunidade Marobá dos Teixeira, foi vítima de tentativa de homicídio no dia 24 de março de 2017, por homens armados e encapuzados que invadiram a residência, agrediram com pancadas o defensor Jurandir, até seu desfalecimento. Ao mesmo tempo, a quilombola Rosa foi jogada ao chão, amarrada e coberta, sendo forçada a ingerir um líquido desconhecido, ao mesmo tempo em que tentaram injetar em seu braço, por via endovenosa, uma substância com característica de combustível. Após o fato ocorrido, o casal registrou Boletim de Ocorrência e o caso é investigado pelas autoridades do município de Almenara como simples assalto e lesão corporal, tentando desqualificar a motivação política das agressões.
Após o ocorrido, recorrentes ameaças vêm sendo imputadas a pessoas da comunidade quilombola, num recrudescimento ao conflito instaurado por fazendeiros da região – o que aumenta o risco de que novos atentados ocorram, uma vez que o processo de titularização se encontra na fase de contestação ao laudo antropológico, um dos momentos de maior conflito entre as partes envolvidas.
3.3 O Quilombo Rio dos Macacos vivencia espancamentos, tortura e ameaças
Zona rural na divisa dos municípios de Salvador e Simões Filhos, Bahia
O Quilombo Rio dos Macacos, situado numa zona rural na divisa dos municípios de Salvador e Simões Filhos, Bahia, segue com o processo de titulação parcial não concluído. Além de usurpar 2/3 do território tradicional identificado, a partir do momento em que a comunidade impediu a Marinha de construir um muro, barrando o acesso da comunidade ao Rio dos Macacos, o Ministério da Defesa ordenou a interrupção da construção de duas vias de acesso independentes, com obras já iniciadas para permitir à comunidade o acesso ao território sem o constrangimento de atravessar a Vila Naval.
Neste meio tempo, a comunidade vem sofrendo com espancamentos, tortura e ameaças cotidianas. A Marinha, embora dificulte o acesso de apoiadores/as do quilombo ao território, aparentemente, vem permitindo a livre circulação de homens armados das comunidades urbanas vizinhas ao quilombo, ameaçando e causando medo e desespero aos quilombolas.
Até o momento, duas pessoas da comunidade já foram assassinadas e não há apuração devida dos crimes. O episódio mais recente, que demonstra o risco de que novos assassinatos aconteçam na comunidade, ocorreu em 15/08/17, quando uma casa foi incendiada com uma bebê de três meses em seu interior, que, felizmente, foi resgatada a tempo pela mãe.
- Pescadores
4.1 Família de Zé Menino, pescador assassinado em julho deste ano, corre risco de morte
Comunidade de Ilha da Croa, Município de Araioses – MA – Baixo Parnaíba
Há cerca de nove anos, a Comunidade de Ilha da Croa vem sofrendo ameaças de fazendeiros e jagunços que disputam o território em questão. Trata-se de uma área da União, terra de alta qualidade, produtiva e muito valorizada no leito do Rio Parnaíba, região de pescadores e agricultores familiares.
No dia 05 de julho de 2017, os pescadores e os agricultores familiares foram surpreendidos por jagunços fortemente armados que dispararam contra os pescadores, atingindo fatalmente o pescador José Menino, que foi covardemente assassinado a mando de fazendeiros que tentam se apropriar de territórios na Comunidade.
Desde a morte de Zé Menino a família do pescador vem recebendo ameaças dos agressores.
- Violência no contexto urbano
- Defensora do direito à moradia sofre ameaças de morte
União Nacional por Moradia Popular, Manaus/AM
O contexto de violência contra movimentos que lutam por moradia também não foge da realidade dos demais defensoras e defensores de direitos humanos. O Comitê tem chamado a atenção para a dificuldade de monitorar as violências ocorridas nas cidades. O caso que aqui relatamos é emblemático para demonstrar essa realidade.
No dia 17 de agosto de 2017, por volta das 10 horas da manhã, homens fortemente armados compareceram ao Conjunto Habitacional batendo nas portas dos moradores e levantavam suas camisas mostrando as armas e dizendo que a partir daquela data iriam controlar o Loteamento Orquídeas I, II e II, no Bairro Santa Etelvina, e que teriam vindo de outra cidade vizinha com ordem de cumprir esta missão.
As famílias, assustadas, chamaram uma das lideranças do movimento social, Cristiane Amaral Sales Teles, ao local, que diante de diversas pessoas, foi ameaçada por um homem se dizendo representar uma pessoa de nome Mano Xavier. A partir desta data, segundo relata, passou a ser ameaçada por diversas vezes com telefonemas em que estas pessoas dizem que: “vão me arrancar de minha casa e me arrancar de dentro de mim”. (Sic)
O caso de Cristiane se assemelha à grave situação de diversas lideranças Sem Teto, que são ameaçadas de morte e demandam urgente proteção, para a garantia de suas vidas.
- Defensoras/es de direitos humanos militantes dos movimentos de favelas são vítimas das forças de segurança por meio de sequestros, atentados e intimidações
Rio de Janeiro/RJ
No Rio de Janeiro, militantes e moradores de favelas que lutam contra a violência institucional têm sido sistematicamente intimidados e gravemente ameaçados por policiais civis e militares. Há registros que vão desde o monitoramento telefônico ilegal, sequestros-relâmpago, invasão de domicílios, assédio sexual, estupro e até disparos de armas de fogo na direção de defensoras e defensores.
Entre janeiro e julho de 2017, 642 pessoas foram mortas em decorrência de operações policiais no Rio de Janeiro, grande parte dessas mortes foram execuções sumárias contra jovens negros. Essa situação se torna ainda mais grave num contexto em que as Forças Armadas, através do Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), assinado por Michel Temer, foram autorizadas a atuar na segurança pública no Rio de Janeiro. A instituição da GLO em si se mostra flagrantemente inconstitucional e representa mais um largo passo na militarização da cidade, principalmente dos territórios pobres e periféricos, na qual se baseia a política de segurança pública vigente, estruturalmente pautada no racismo e na criminalização da pobreza e dos militantes de direitos humanos.
A iminência de mortes de defensoras/es nas favelas do Rio de Janeiro é fato que chama atenção de toda a sociedade comprometida com os direitos humanos.
- Defensoras/es de direitos LGBTI são perseguidos e ameaçados por fundamentalistas e neonazistas em Curitiba/PR
Ainda no contexto de violência urbana destaca-se a situação vivenciada por defensoras/es de direitos humanos LGBTI.
Desde 2005, defensoras/es de direitos humanos LGBTI vêm sofrendo ameaças e perseguições em Curitiba/PR. Tais fatos se iniciaram após a entrega de um dossiê para as autoridades policiais apresentando graves denúncias praticadas por skinheads, que culminou na prisão de um grupo de neonazistas. No ano seguinte, os defensores Igo Martini e Márcio Marins foram agredidos fisicamente por três homens, sendo que um dos investigados confirmou a motivação do ataque.
Em 2012, as ameaças retornaram com promessas de agressões físicas. Os ameaçadores criavam perfis falsos nas redes sociais com o nome de lideranças com o objetivo de ofender pessoas públicas, meios de comunicação e principalmente políticos e gestores públicos. O defensor Márcio, incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos - PPDDH, recebeu diversas ligações em que o perseguidor dava detalhes de sua rotina, roupas que usava e do prédio em que residia. A sede da organização teve a porta arrombada.
São constantes as ameaças em redes sociais contra lideranças e eventos LGBTI. Os agressores têm apoio de outros grupos como os Punks e os Antifas. É de conhecimento que Curitiba abriga grupos Neonazistas, a exemplo em 2015 foi realizada na capital paranaense um evento denominado Dezembrada para a criação da Frente Nacionalista.
Tais fatos demonstram não apenas a continuidade das violências contra estes defensores/as, mas também um processo de organização e fortalecimento de grupos para o cometimento de crimes contra a população LGBTI.
5.4. Coordenador do movimento de direito à moradia é vítima de tentativa de homicídio e tem sua atuação restringida em razão da continuidade das ameaças
Assentamento Zilda Xavier, em Planaltina/DF
Em 20 de julho de 2017, Luciano Moreira, Coordenador do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD, foi vítima de tentativa de homicídio.
Os fatos estão relacionados ao Assentamento Zilda Xavier, em Planaltina/DF. As ameaças não se restringem a Luciano, os agressores ameaçam e intimidam moradores e outros coordenadores/as do assentamento.
O fato deve ser apurado com rigor, e a vida de Luciano, bem como dos demais defensores/as do assentamento Zilda Xavier, deve ser protegida.
Brasília/DF, 15 de setembro de 2017.
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos