COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

No quarto dia da II Tenda Multiétnica – Povos do Cerrado, que acontece durante o 19ª Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), na Cidade de Goiás (GO), entre os dias 20 a 25 de junho, roda de conversa reuniu representantes de etnias indígenas e movimentos sociais para discutir a educação multiétnica.

 

(Elvis Marques – Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT | Fotos: Thomas Bauer – CPT Bahia)

Participaram do debate Rosana Fernandes, representante da Via Campesina e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Iranildo Tapirapé, Arruá Karajá, Francisco Alves Barbosa, da Coordenação da Educação do Campo, Indígena e Quilombola da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte de Goiás (SEDUCE), e mediação de Marcos Antônio Cunha Torres, da Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Em sua fala, Rosana enfatizou que Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde a sua origem, tem grande preocupação com a questão das escolas nos assentamentos e acampamentos. "Para os movimentos sociais da Via Campesina, a centralidade é a nossa luta por terra e território, mas além da conquista da terra, nós também compreendemos que a reforma agrária é um processo que demanda outros direitos que historicamente foram negados aos trabalhadores. E os camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos - povos do campo, das águas e das florestas -, sofrem consequências muito grandes por conta dessas negações de direitos. E, nesse caso, especificamente citamos o direito à educação".

A integrante da Via, afirma o quanto é importante também, no processo educacional, juntar reflexões teóricas e práticas com aspectos culturais, como a poesia e a música. "Com o aspecto cultural que a gente vai vivenciando e construindo ao longo dessa história, tem companheiros que escrevem e que fazem música", diz. E ela cita o trecho de uma canção que retrata a educação no e do campo:

Não vou sair do campo pra poder ir para a escola

A educação do campo é direito e não esmola

São versos fortes que reafirmam o direito à educação onde está o povo que necessita dessa educação, acredita Rosana Fernandes. Para ela, a escola deve estar onde estão os sujeitos. "Neste caso da educação do campo, onde estão os sujeitos camponeses, indígenas, quilombolas - os povos do campo, das águas e das florestas", completa. A outra parte da música, segundo ela, diz o seguinte:

Dessa história nós somos os sujeitos

Lutamos pela vida, pelo o que é de direito

"Nesta outra parte reafirma a construção da educação do campo desde os sujeitos que necessitam dela. Somos nós, povos do campo, das águas, e das florestas que fazemos essa educação e construímos uma educação do campo que vem dos sujeitos e no campo, lá onde estão essas comunidades", contextualiza Rosana.

A educação no e do campo, conforme Rosana, é um espaço de vida, de produção de cultura, e de vida digna, contrapondo a educação que o agronegócio oferece. "É uma educação em outra perspectiva de formação. E nós estamos falando de educação para a emancipação dos sujeitos. Para libertação dos trabalhadores. Ao contrário do que o outro projeto coloca, uma educação que domestica e que doutrina. Uma educação que é para ser subservientes a esse modelo de sociedade que nós estamos inseridos", afirma ela.

Educação indígena

Para Arruá Karajá ser professor é não trabalhar para si mesmo, e sim estar à disposição das crianças. "E sempre o que eu falo é que, de mim como indígena, por eu nascer karajá, não foi eu que escolhi, mas para ser professor, fui eu que escolhi. Porque eu sou professor? É porque nós estamos trabalhando pelo desenvolvimento da educação de uma criança dentro de sua comunidade, independentemente de onde ela vive", explica.

O jovem indígena José Antônio, da etnia Chiquitanos da região noroeste do Mato Grosso, é formado em Serviço Social. Agora, ele se prepara para fazer mestrado em Brasília. Ele crê que só consegue cursar uma universidade e tem outros direitos garantidos por conta das lutas travadas por seus antepassados, quando muitos perderam a vida. "Antigamente, a gente lutava, principalmente, dessa forma, de corpo a corpo. Só que hoje, o sistema político está mudando. E o nosso sistema organizacional indígena também está mudando. Porque antes usávamos flechas para defender nossos direitos, mas hoje a gente luta, digamos assim, com a caneta", afirma ele, no sentido de que é também preciso compreender seus direitos para vencer essas batalhas.

"A questão nossa principal é incluir os indígenas dentro da universidade, justamente para a gente debater de igual para igual com essas pessoas que estão no poder", destaca José.

Transformação

Francisco Alves, representante da Seduce, nesse sentido, é enfático ao dizer que a "situação da multietnicidade ou diversidade cultural, se quiser chamar assim, está posta. E não adianta a escola não querer ver, mas está lá, em todas as escolas do Brasil". Segundo ele, a escola, querendo ou não, dentro das salas de aula, tem todo tipo de gente.

Para Rosana Fernandes, a educação no campo se propõe a transformar os sujeitos que irão ou que já estão transformando a sociedade. "E nessa concepção de educação no campo, nós responsabilizamos o Estado para garantir esse espaço para fazer essa educação. O Estado é provedor de direitos porque os trabalhadores cobram dele essa responsabilidade. Talvez não tenha esse compromisso, mas há uma responsabilidade", ressalta.

Todavia, a emancipação no sentido essencial da transformação da educação desses trabalhadores, de acordo com Rosana, "é uma responsabilidade dos trabalhadores, porque o Estado não vai emancipa-los", afirma ela. "Parece contraditório, mas é nessa relação contraditória mesmo que hoje nos viemos enfrentando e fazendo lutas para garantir escolas no campo e do campo, na perspectiva de um currículo que dê conta de fazer a transformação dos sujeitos também, de elevar o seu nível de consciência para fazer as mudanças que nós precisamos", destaca ela.

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline