Na noite dessa quinta-feira (22), a Tenda Multiétnica, realizada de 20 a 25 de junho durante o 19º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA) na cidade de Goiás (GO), reuniu representantes de movimentos sociais para debater a resistência camponesa, e a luta dessas comunidades para manter-se e produzir de forma autônoma na terra.
(Cristiane Passos – Setor de Comunicação da CPT Nacional / fotos: Thomas Bauer – CPT Bahia)
Antônio Canuto, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nacional, mediou a mesa e lembrou a história da cidade de Goiás, que traz em cada pedra de seu calçamento o suor dos negros escravizados. Ele destacou, ainda, o momento complicado que estamos vivendo, com sucessivos massacres no campo, como o recente massacre de Colniza (MT), em que nove trabalhadores rurais foram assassinados, a tentativa de massacre dos índios Gamela, no Maranhão, que sofreram um ataque que deixou 22 feridos e dois indígenas tiveram suas mãos decepadas, e o Massacre de Pau D’Arco, no Pará, que matou 10 posseiros.
Sandra Alves, do Movimento Camponês Popular (MCP), destacou que cada militante sabe que suas escolhas tem um custo, sabe dos riscos que correm, mas sabem, também, que estão do lado certo, “porque nossa luta é justa e vale a pena”.
Sandra relembrou o processo histórico e de luta do campesinato brasileiro. “Desde que foi implantado o sistema de sesmarias, o campesinato começou a ser expulso de suas terras e o latifúndio começou a se instalar no Brasil, utilizando mão de obra escrava. E foi dessa forma que nosso país foi construído. Essa forma de exploração das terras foi consolidada com a Lei de Terras de 1850, de forma a negar ao campesinato o acesso à terra. Hoje sabemos que a história não tem mudado muito, que continua como era antes. A estrutura fundiária brasileira se concentrou ainda mais. Essa disputa está instalada desde sempre. Atualmente quase metade das terras, 46%, estão nas mãos de menos de 1% de proprietários. O campesinato no Brasil praticamente não tem terras. Ainda existem milhares de famílias que não tem acesso a políticas públicas também”.
Sandra levantou os dados da CPT, de que somente em 2017 já são 41 assassinatos. “A partir desses conflitos podemos perceber a investida ainda maior do capital, que usa a bancada ruralista e o Executivo na ação direta contra os povos camponeses. Essas ações se agravam com esse governo golpista que está aí. O campesinato e os povos originários nunca foram uma prioridade para o Brasil, para o governo brasileiro. As ações do Estado sempre foram em prol do agronegócio. Precisamos de políticas públicas e de uma reforma agrária plena. O que tivemos até o momento, mesmo no governo do PT, foram políticas compensatórias, que não estruturam o campesinato no Brasil. Essas lutas e resistências são travadas cotidianamente”.
A militante do MCP destacou a importância da produção camponesa como alternativa para a produção de alimentos saudáveis e para a preservação do meio ambiente. “Diferentemente do agronegócio, que destroi tudo e todos, que envenena tudo, o campesinato é um setor da economia que se consolida e fortalece a partir da diversidade. A lógica é completamente diferente. Os camponeses desenvolvem práticas que proporcionam não apenas reprodução social, mas modos de produzir alternativos, que desmascaram a falácia de que a forma de produzir do agronegócio é a única viável. Pensar um modelo de produção no campo implica pensar que modelo de país nós queremos, queremos ser exportador de mão de obra barata ou ser um país soberano, independente? Na contramão do modelo do agronegócio, podemos dizer que a produção camponesa é a produção ideal para a população brasileira, se o agronegócio só produz visando o lucro, contaminando as terras, as águas e as pessoas, o campesinato produz alimentos saudáveis capazes de alimentar a população brasileira. O campesinato é a solução para a produção de alimentos saudáveis para a nossa sociedade”.
Zelito Silva, do Movimento Terra Livre, relembrou as perdas políticas que os camponeses tiveram durante a República. Uma delas foi na construção da Constituição de 1988. “Perdemos uma batalha na Constituição de 1988 pela definição do limite da propriedade. No Brasil, qualquer pessoa que tenha dinheiro pode ter quantas fazendas quiser e do tamanho que quiser, com a ressalva de que é preciso comprovar que as terras são produtivas, mas o órgão fiscalizador, que é o Incra, não funciona como deveria. Os índices de produtividade nunca foram atualizados, nem mesmo nos governos Lula e Dilma conseguimos fazer isso”.
Para o dirigente, outra perda para o campesinato foi o II Plano Nacional de Reforma Agrária não ter sido colocado em prática. “Perdemos outra batalha, em 2003, com a construção do II Plano Nacional da Reforma Agrária, cuja ideia era que fossem assentadas um milhão de famílias durante o primeiro governo Lula. Mas, infelizmente, isso não ocorreu. A reforma agrária e a luta camponesa no Brasil seguem sendo uma necessidade, porque somos um país eminentemente agrário. A economia das cidades médias e pequenas ainda gira em torno da agropecuária, principalmente da desenvolvida pelos pequenos produtores. Por isso a resistência passa de ano a ano. O aumento dos assassinatos no campo tem a ver com a mudança da conjuntura. O jagunço e o fazendeiro se sentem muito encorajados a cometer o assassinato, pois possuem uma quadrilha com setores da polícia e, portanto, não têm receio de ser punidos”.
Zelito destacou a importância dos movimentos sociais retomarem o diálogo com a população. “Temos que reconstruir novamente esse caminho de adquirir a confiança da população. Estamos em um processo de desgaste, de desconfiança. Esse governo em um ano fez tanta besteira, foram com tanta sede ao pote para a retirada dos direitos, que a população como um todo, mesmo quem bateu panela, quer a saída dele. Mas não estão dispostos a irem para a rua. Na nossa leitura Temer ainda não renunciou, pois não encontrou um nome de consenso para dar continuidade às suas reformas. Temos que nos unir e buscar a compreensão e uma reflexão profunda dos nossos erros para que eles não se repitam”.
A crise aponta para a esperança de mudanças
Valdir Misnerovicz, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), falou da questão da criminalização da luta social, que tem colocado na cadeia militantes dos movimentos sociais, como aconteceu com ele e com outros do MST. Além disso, ele analisou a importância desse momento de crise civilizatória, para repensarmos o modelo hegemônico imposto pelo capital e encontrarmos nisso a esperança para a construção de uma nova sociedade.
“Temos várias formas de ver e analisar esse momento. Sobre os dilemas da humanidade, vivemos um momento de muitas perguntas, mas poucas respostas. Isso já é um passo importante, mas não podemos ficar apenas nas perguntas, precisamos buscar as respostas. Nós vivemos, sem dúvida nenhuma, a maior crise conjuntural civilizatória da humanidade. É uma crise mundial e sistêmica, é o modo de produção capitalista que está entrando em colapso, e não tem solução dentro desse modo de produção capitalista. Esse sistema tá falido, ele ainda é forte, é perigoso, mas é uma fera ferida, e uma fera quando está ferida é perigosa. Ele está dando sinais concretos de que não vai mais prevalecer. Isso significa que nós vivemos um momento histórico oportuno, nós vivemos o fim e o começo. Nós teremos a oportunidade de ajudar a enterrar esse sistema e ajudar a criar outro. Enxergamos esse momento como uma grande oportunidade, não é um momento de desespero, mas de esperança. Os camponeses são uma fração importante da sociedade, uma fração considerada hoje minoria, mas ainda sim somos muitos e muitas. Somos 40% da população brasileira”. O dirigente falou ainda da importância da união dos movimentos e organizações sociais, principalmente os de que esquerda, deixando as diferenças, e unindo forças para derrubar o governo ilegítimo de Temer.