COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Teve início na noite de ontem (20), a II Tenda Multiétnica, no 19ª Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA). Povos indígenas e quilombolas saudaram os e as participantes da atividade, e disseram esperar que essa seja uma oportunidade de aprendizado e intercâmbio de conhecimento entre os povos e a população em geral.

 

(Cristiane Passos e Elvis Marques - Assessoria de Comunicação CPT Nacional / foto: Thomas Bauer - CPT Bahia)

Rituais Xavante e Tapirapé marcaram a abertura da Tenda, que contou ainda com a saudação do povo quilombola do Recanto, de Abadia de Goiás (GO), e dos povos Karajá e Avá-Canoeiro. Iranildo Tapirapé destacou que “queremos mostrar para vocês o que são os indígenas, muitos de vocês não sabem e não conhecem os indígenas”.

Para o Frei Paulo Cantanhêde, diretor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) campus Cidade de Goiás, “não tem como realizar um evento dessa natureza, sobre meio ambiente, sem trazer e ouvir esses povos que sempre conviveram em harmonia com o meio ambiente e que resistiram a esse processo de hegemônico do capital. Esse evento tem sim, a meu ver, uma importância política grande. Estamos vivendo novamente um período de massacres de trabalhadores rurais e de violência contra os povos indígenas. Precisamos dessa experiência de troca de saberes rumo a uma sociedade mais justa, mais fraterna. O Brasil precisa de coisas novas, pois parece que o velho, antiquado, se instalou no nosso país”. Anastácio Peralta, do povo Guarani Kaiowá, concordou com o professor, “precisamos realmente de coisas novas e somos nós, povos originários, que discutimos isso, uma outra proposta em convivência com o meio ambiente”.

Marcos Torres, pró-reitor de Pesquisa e Extensão da UEG, analisou a importância da realização de uma atividade como essa na cidade de Goiás, “reconhecemos e ressignificamos essa cidade que sempre foi símbolo da opressão do colonialismo, com esse espaço símbolo de luta. Bem como o cerrado que parece frágil, que parece feio, todos nós que aqui estamos e vivemos, sabemos da resistência e da beleza do cotidiano do povo do cerrado. Podem colocar fogo que nós sempre resistiremos”.

Entrevista com Heron Xavante

Na Cidade de Goiás pelo segundo ano consecutivo para participar da Tenda Multiétnica, o jovem professor Heron Xavante (foto ao lado) participou, na noite de ontem, da mesa de abertura da segunda edição da Tenda. Ele nasceu na maior cidade do país, São Paulo, mas se mudou com o pai e a mãe aos quatro anos de idade para a Aldeia São Marcos, da etnia Xavante, localizada no estado do Mato Grosso.

Vivem hoje, nesta aldeia, aproximadamente mil indígenas. E nas demais aldeias Xavante também vivem mais de mil pessoas.

Heron e outros 25 xavantes chegaram a Goiás na última segunda-feira, 19. Confira uma breve conversa com Heron Xavante:

Qual a história da Aldeia São Marcos e a sua importância para os demais territórios Xavantes?

A minha aldeia está localizada na Terra Indígena (TI) São Marcos, e junto com essa Aldeia há várias outras – são cerca de 40 aldeias. Mas essa é uma aldeia berço de todas as aldeias Xavantes. E a São Marcos é muito importante para todas as outras. É importante para mim, meus tios, avôs e ancestrais. É a primeira aldeia Xavante fundada. Aí, tudo que nós aprendemos e o que foi ensinado até hoje foi neste lugar – a língua, as tradições, as danças. Também é um espaço onde são praticadas as cerimônias, as celebrações, e os rituais.

Também procuramos conhecer a outra cultura. Por exemplo, dos não-indígenas. Como que eles vivem, o que fazem, e o que querem. Procuramos, então, saber os dois lados. Mas dentro da aldeia falamos apenas a língua do povo Xavante.

Você me disse que não nasceu em São Marcos. Onde você e sua família viviam e como foi o retorno para a sua aldeia?

Na verdade a minha história é diferenciada, porque eu nasci na cidade de São Paulo, na capital. Quando fiz quatro anos, viemos para a aldeia, eu e toda minha família, porque meu pai foi escolhido para ser cacique. A partir daí eu aprendi a língua Xavante e a tradição. O que diferencia é isso. Eu aprendi primeiro o português e depois o Xavante.

A Aldeia São Marcos, especificamente, enfrenta algum tipo de conflito hoje?

Na minha terra, na Aldeia São Marcos, não temos esse tipo de conflito, com os fazendeiros, por exemplo. Mas em outras terras Xavantes já teve e até hoje tem esse tipo de problema.

A maior dificuldade enfrentada hoje pela aldeia é a questão do assistencialismo. As instituições federais indigenistas, por exemplo, Funai [Fundação Nacional do Índio] e a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], não têm esse assistencialismo para os Xavantes. Muitas crianças, jovens e anciões vão a óbito por falta de atendimento.

Sobre essa assistência, seria, por exemplo, realizar algumas palestras e dar algumas orientações para as comunidades Xavantes, porque é muito fácil reunir no centro das aldeias essas comunidades e falar essas coisas. Eu acredito que isso seria muito importante. Falta isso nas terras, não apenas na nossa, mas em todas as aldeias.

E qual a sua expectativa para essa segunda Tenda Multiétnica?

Eu espero encontrar outras etnias porque nós aprendemos com elas e elas aprendam conosco. Um complementa o outro. É assim que eu penso.

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