Quarenta anos após enfrentarem a truculência da Florestas Rio Doce (subsidiária da Cia Vale do Rio Doce) as comunidades geraizeiras de Vale das Cancelas, Josenópolis e Padre Carvalho, agora mais fortes porque acompanhadas por uma coalização de comunidades tradicionais, ocuparam a Fazenda Rio Rancho, em Minas Gerais.
(Centro de Agricultura Alternativa – CAA)
A ocupação aconteceu na madrugada do dia 13 de dezembro e contou com a participação de 230 famílias de povos tradicionais do Norte de Minas. A fazenda escolhida foi emblemática. Escolheram a área onde foi iniciado o despejo e encurralamento das famílias geraizeiras de Vale das Cancelas que, na época da ditadura militar, não tinham como enfrentar a força do estado. Uma área de 6.434 ha que, posteriormente, em 1998 a Florestas Rio Doce conseguiu, sob o paramento do juiz de direito, registrar terras no cartório que até então eram consideradas como públicas. Grilagem com contornos de legalidade, pois a terra pública foi registrada através de usucapião.
Em 2003 a terra foi repassada para a empresa Rio Rancho Agropecuária S/A, de propriedade de Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais, e que já tinha aquinhoado diversas outras propriedades da Vale do Rio Doce. Terras onde viviam cerca de 1.800 famílias geraizeiras, algumas delas vivendo há Sete gerações neste território.
Emblemático também, pois foi nesta terra que o empreendimento SUZANO PAPEL E CELULOSE montou uma verdadeira operação de guerra para desmatar e limpar uma área de 4.000 da monocultura do eucalipto em menos de três meses. Esta operação exigiu o deslocamento de dezenas de maquinas que cortam os pés de eucalipto, limpa e deixa as toras amontoadas prontas para serem carregadas. Além do passivo ambiental provocado anteriormente pela monocultura de eucalipto que não respeitou topos de morro e nascentes, a degradação foi ampliada pela reforma e ampliação das estradas vicinais para tirar as cerca de pelo menos 600 mil m3 de madeira. As famílias geraizeiras denunciaram à Policia Florestal a degradação provocada pela SUZANO que retirou cascalho em área de topo de morro e que a compactação provocada pelo intenso transito de carretas diminuiu de forma drástica uma das poucas nascentes do Córrego Ribeirãozinho que ainda estava brotando água.
Finalmente, a ocupação desta fazenda foi também motivada pelo fato de sua sede estar servindo de escritório e armazém da Sul Americana de Metais – SAM, empresa controlada pela Honbridge Holdings Ltd. de capital chinês e que está com um projeto de mineração em fase de licenciamento pelo IBAMA e que vem ameaçando diretamente as famílias geraizeiras que promoveram a ocupação. Este projeto prevê a construção de mineroduto até o Porto de Ilhéus, na Bahia, e ameaça o comprometimento irreversível dos últimos remanescentes hídricos desta região do semiárido mineiro.
As famílias denunciam também a enorme degradação ambiental da Fazenda Rio Rancho. Além da denuncia de grilagem das terras, o desmatamento do cerrado e posterior plantio do eucalipto foi realizado sem a adoção de nenhuma prática conservacionista. A empresa colheu o eucalipto e o que sobrou foi uma terra arrasada. Enormes voçorocas estão provocando o assoreamento da barragem que foi construída no Córrego da Forquilha, afluente do Córrego Curral de Vara.
No dia 14 de dezembro, na sede do distrito de Vale das Cancelas, representantes da Rio Rancho Agropecuária S/A reuniram com dirigentes do Movimento Geraizeiro mediado pelo Tenente Coronel Nivaldo, do Batalhão da PM de Montes Claros. Nesta reunião foi acordado a desocupação da área mediante a instalação de negociação pela “Mesa de Diálogo e Negociação Permanente” que foi instituída pelo Governo de Minas Gerais – Decreto NE no 203, de 1º de julho de 2015. O objetivo desta mesa é o de discutir conflitos socioambientais e fundiários. No entanto, mesmo com o processo de negociação em andamento, a tensão na área é muito grande devido a diversas ameaças que as comunidades geraizeiras estão recebendo.