COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Cerca de 200 indígenas dos povos Munduruku, do Pará, e Xerente, Krahô, Ava-Canoeiro, Kanela de Tocantins, Karajá de Xambioá e Apinajé, do Tocantins, realizaram diversas manifestações nesta terça-feira (8), em Brasília.

 

(Fonte/Imagens: Cimi)

Entre cantos e rituais, munidos de várias faixas, os indígenas manifestaram-se nos Ministérios da Agricultura e de Minas e Energia e no Congresso Nacional. Dentre as pautas, a luta pela demarcação das terras indígenas e contra o projeto de expansão da fronteira agrícola Matopiba, contra a construção de usinas hidrelétricas em terras indígenas e contra a brutal Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.

Pela manhã, os indígenas dirigiram-se ao Ministério da Agricultura. Lá, a principal reivindicação era o repúdio ao Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do Matopiba, que prevê a expansão da fronteira agrícola em áreas dos estados do Maranhão (MA), Piauí (PI), Bahia (BA) e do Tocantins (TO). Segundo dados da Embrapa, o Matopiba deve compreender 73 milhões de hectares dentro do bioma cerrado, numa delimitação territorial dentro da qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação, 865 assentamentos e 34 quilombos.

O PDA Matopiba, que foi criado por meio do Decreto Presidencial nº 8447, de maio de 2015, preocupa os indígenas do Tocantins – estado sob influência política da Ministra da Agricultura, a ruralista Kátia Abreu, e proporcionalmente o mais atingido pelo projeto.

Uma semana atrás, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da região do cerrado assinaram uma carta aberta na qual afirmam que o PDA Matopiba vai impactar agressivamente o bioma Cerrado, além de desconsiderar e invisibilizar dezenas de povos que, há anos, buscam a regularização de suas terras, aumentando a grilagem e a violência física e psicológica já existentes contra as populações do Cerrado (clique aqui para saber mais).

“A gente está aqui, todo mundo junto, justamente falando sobre a PEC 215 e o Matopiba. Porque esses dois projetos, passando, vai ser todo mundo prejudicado. Até os bichos, as caças, os peixes, vai ser todo mundo prejudicado. Porque vai acabar as matas, acabar os rios, e estamos fazendo essa manifestação para o governo ver que a gente ainda existe”, afirma Gercina Krahô, uma das lideranças dos povos indígenas do Tocantins presentes em Brasília.

“Nós somos brotos, nós somos sementes da terra e não queremos que esses projetos grandes passem, porque eles vão prejudicar nossos netos, nossos tataranetos. Estão desmatando tudo, as aves estão indo embora. E a gente pede pro governo parar de fazer isso, para de desmatar, parar de jogar veneno. Porque a gente não vive através de veneno, a gente quer uma vida boa. O governo tem que nos respeitar, que nós somos os primeiros donos do Brasil”, complementa a liderança do povo Krahô.

“O Matopiba acaba com nossas nascentes e nossos rios”, dizia uma das faixas assinadas pelos povos indígenas do Tocantins. “Não ao Matopiba”, “Fora Kátia Abreu”, “Não à PEC 215” eram as manifestações de outras faixas e cartazes, evidenciando a posição dos indígenas contra as propostas de devastação do cerrado e de inviabilização das demarcações de terras indígenas.

A luta por Sawré Muybu

De tempos em tempos, o grito tradicional do povo Munduruku, “Sawe!”, era ouvido por onde os indígenas passavam. A união entre os povos na luta contra os projetos anti-indígenas do Congresso e do Planalto fez da expressão de apoio, específica da língua do povo indígena Munduruku, um grito de guerra comum entre os diversos povos presentes em Brasília.

Depois da manifestação em frente ao Ministério de Kátia Abreu, os indígenas passaram pelo Congresso Federal e rumaram ao Ministério de Minas e Energia, onde representantes dos povos Munduruku e Xerente participaram de uma reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), para denunciar a situação de descaso com os direitos indígenas na construção de usinas hidrelétricas.

“Reivindicamos que a barragem seja no Congresso!”, dizia um dos cartazes empunhados pelo povo Munduruku, que sofre atualmente com os projetos do governo federal para a construção de usinas hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós.

Quarenta grandes barragens já estão em construção ou planejadas para a bacia, e uma das prioridades do governo federal é a usina de São Luiz do Tapajós. Ela está em processo de licenciamento ambiental e incide diretamente sobre a Terra Indígena de Sawré Muybu, do povo Munduruku, próxima à cidade de Itaituba, no oeste do Pará.

Desde setembro de 2013, o relatório que identifica e delimita a terra indígena dos Munduruku está pronto, na mesa da presidência da Funai. Mas, para não atrapalhar os grandes interesses financeiros que a usina de São Luiz do Tapajós envolve, o processo de demarcação não avançou, criando uma situação de risco enorme para o povo indígena. Em função da morosidade da Funai e da opção política do governo federal por paralisar as demarcações de terras indígenas, o povo Munduruku resolveu fazer a autodemarcação de seu território.

“Quando vimos o mapa da nossa terra, tomamos a decisão de fazer a autodemarcação. Porque o governo não quer demarcar, a Funai não quer publicar o relatório, mas por nós ela está demarcada. A nossa terra já está com o relatório pronto, e a nossa vinda também é para falar com o presidente da Funai. Já faz três anos que está na mesa dele, pronto, e nós queremos saber porque até agora ele não publicou”, diz Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu.

Para o povo Munduruku, a luta contra as usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós é central para garantir a sua sobrevivência. “Eu tenho certeza, e a gente tem fé em deus, que isso não vai ser construído. Estamos lutando e fazendo alianças com todos os povos para que isso não aconteça. Há poucos dias, vimos a barragem que rompeu aqui em Mariana, e isso chocou o Brasil inteiro. Então, não pode fazer igual lá. Deus fez o rio, não foi pra destruir, foi pra gente cuidar dele, dos rios e das florestas. Foi pra isso que Deus fez o rio, não foi pro governo destruir”, afirma o cacique Juarez.

Na reunião da CNPE, os Munduruku entregaram uma carta destinada ao Ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, na qual denunciam que as ações do governo federal para construir hidrelétricas que afetam povos e terras indígenas foram feitas sem consulta a estes povos, o que fere a Constituição Federal e a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (clique aqui para ler a carta na íntegra).

Após a pressão frente aos ministérios do governo federal, os indígenas partiram para o anexo dois da Câmara dos Deputados, onde transcorreria a CPI da Funai. Os cerca de 200 indígenas das delegações do Pará e do Tocantins foram impedidos de entrar, sob a justificativa de que já havia outros indígenas acompanhando a sessão.

Após negociações, um pequeno grupo foi autorizado a entrar, mas a grande maioria teve sua entrada proibida. Assim, enquanto, do lado de dentro, os mesmos ruralistas que aprovaram a PEC 215 na Comissão Especial, em outubro, comandavam uma CPI voltada a liquidar com seus direitos, os indígenas ficaram do lado de fora, fazendo cantos e rituais. 

 

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