Troca de experiências e de saberes, vida em comunidade e muita animação. Esses foram alguns dos ingredientes que fizeram parte do I Encontro Tocantinense de Agroecologia, realizado entre os dias 25 e 28 de junho, na comunidade Matinha, localizada nos arredores do município de Guaraí, em Tocantins.
(Por Rafael Oliveira, CPT Araguaia-Tocantins)
Cerca de 210 pessoas, dentre elas camponeses e camponesas, jovens estudantes e integrantes de movimentos sociais e populares, participaram do evento, que teve como lema “Cultivando Agroecologia, Semeando Vida!”. “O objetivo central do encontro foi de fortalecer o movimento agroecológico no estado a partir da troca de experiências em desenvolvimento pelos diferentes públicos. Não exatamente formar uma federação ou uma articulação, mas sim saber quem está fazendo agroecologia no Tocantins”, afirmou uma das organizadoras e membro da Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO), Selma Yuki.
O encontro alternou momentos de debates e trabalhos em grupo. Em uma das mesas de discussões, o Secretário Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Denis Monteiro, ressaltou que agroecologia tem que ser pensada além da ideia de produzir alimentos saudáveis. “Em um cenário político adverso, o debate tem que percorrer a revisão do projeto atual de reforma agrária e a urgência no reconhecimento de comunidades tradicionais. Para que as famílias tenham meios de fazer a agroecologia, elas precisam ter liberdade, ter a garantia de suas terras. Essas coisas andam juntas, sem isso a gente não consegue avançar na nossa proposta”, avaliou.
Uma das atividades desenvolvidas durante os dias de encontro foram visitas às experiências agroecológicas existentes na Matinha. Os participantes puderam conhecer as hortas orgânicas, agroflorestal e agroecológica, o plantio diversificado na beira da estrada, a gestão comunitária da água e a fábrica de farinha. “Foi muito interessante perceber que a horta agroflorestal é rica em diversidade sem precisar jogar uma nuvem de veneno nas árvores e frutos”, disse a camponesa do assentamento Deus é Grande, Neusa Neide Pinheiro. “Achei muito interessante que o pessoal da comunidade se reúne em mutirão para trabalhar na fábrica de farinha. Isso mostra que o povo é bastante unido”, acrescenta Raimunda Pereira Barros, camponesa do acampamento Vitória.
A opção pela Matinha como anfitriã não foi por acaso. O histórico de produção agroecológica da comunidade foi determinante no processo de escolha. “Os próximos encontros que possam vir a acontecer têm que ser nesse mesmo modelo pé no chão, no campo, em contato com a terra e não em um auditório. E, claro, com a presença e a troca de experiência dos homens, mulheres e jovens do campo”, defende o engenheiro agrônomo da APA-TO, João Palmeira Jr.
Uma das lideranças da Matinha, o agricultor Valdivino Marques, mandou um recado para os jovens estudantes que participaram do encontro. “Nós ficamos muito felizes de receber diversos estudantes do campo aqui, principalmente pela ótima participação deles durante os momentos de discussão. Esperamos que eles não se tornem agroecologistas de relatórios, pois desse tipo já existem muitos espalhados por aí”, brincou.
As famílias da Matinha animaram, organizaram a cozinha, prepararam as refeições e confraternizaram com os visitantes durante todo o evento. E como é de tradição nos encontros agroecológicos, foi realizada a troca de sementes e produtos do campo trazidos pelos camponeses e camponesas.
Ao fim do encontro, os participantes contribuíram na produção de uma carta destinada à sociedade tocantinense. Confira abaixo o conteúdo na íntegra:
Nós, agricultores (as) familiares, camponeses (as), quilombolas, pescadores (as) artesanais e quebradeiras de coco, assessores (as), entidades de apoio e movimentos sindical e social de todas as regiões do estado, reunidos com 195 pessoas no I Encontro Tocantinense de Agroecologia: cultivando agroecologia, semeando vidas!, realizado nos dias 25 a 28 de junho de 2015, na comunidade da Matinha, município de Guaraí, após analise e reflexão sobre a realidade da agroecologia no estado, reafirmamos a defesa:
- Da agroecologia a partir da garantia do acesso a terra através da reforma agrária e regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais para que seja possível a produção de alimentos saudáveis, que garantam a segurança alimentar e nutricional e que respeitem a cultura e o conhecimento popular construído através de uma relação equilibrada entre os seres humanos e a natureza, assim como a conservação da biodiversidade.
- Do protagonismo dos (as) agricultores (as), jovens e mulheres do campo, e de suas organizações na construção e fortalecimento da agroecologia e na gestão da política nacional de agroecologia no Estado do Tocantins;
- Da educação do campo no campo que afirme o modo de vida e a cultura camponesa fortalecendo as Escolas Famílias Agrícolas a partir de uma política estadual de educação do campo com garantia de recursos humanos e financeiros suficientes.
E denunciamos o agronegócio, o hidronegócio e o mineralnegócio que expropriam as terras e os territórios dos povos e comunidades tradicionais; que desmatam e destroem a biodiversidade; que contaminam as terras, as águas e envenenam os alimentos e as pessoas e exploram os trabalhadores e as trabalhadoras através da prática do trabalho análogo ao trabalho escravo. E ressaltamos que todo esse processo de destruição e exploração da vida e da biodiversidade será potencializado com a criação do território do MATOPIBA, recentemente lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Realização
O I Encontro Tocantinense de Agroecologia foi promovido pela APA-TO, Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins (CPT), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Tocantins (FETAET), Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Escola Família Agrícola de Porto Nacional (EFA), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Coordenação das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), Associação da Matinha e Cooperativa de Assistência Técnica e Extensão Rural (COOPTER).
*Imagens por Gustavo Ohara e Rafael Oliveira