Em documento enviado aos principais candidatos à presidência do Brasil, a Fundação Right Livelihood Award (Prêmio Nobel Alternativo de Direitos Humanos), exigiu soluções concretas diante do número de assassinatos de lideranças do campo e trabalhadores rurais no país. Confira o documento na íntegra:
Da Página do MST
Só em 2014, ao menos 25 pessoas foram assassinadas fruto do conflito agrário. O Brasil é o país que mais mata defensores de terra e do meio ambiente. Entre 2002 e 2013, foram 448 mortes.
O texto também cita medidas de proteção como a segurança efetiva de pessoas ameaçadas, o fim à impunidade legal sobre as empresas privadas que oferecem segurança e forças armadas, a imediata demarcação de terras indígenas, além do reconhecimento de que a não realização da Reforma Agrária agrava os conflitos sociais no campo.
O documento, escrito por Raúl Montenegro (Prêmio Nobel Alternativo 2004, Argentina), Angie Zelter (representante da Trident Ploughshares, Prêmio Nobel Alternativo 2001, Reino Unido) e Marianne Andersson (ex-Membro do Parlamento Sueco e membro do Conselho Curados da Fundação Right Livelihood Award), foi uma reação aos sete homicídios que aconteceram nos últimos 20 dias no Norte e Nordeste do país.
Em 2013, integrantes da Right Livelihood Award estiveram em Marabá no interior do Pará para prestar apoio e solidariedade ao MST e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Durante a visita, puderam participar do julgamento de três pessoas identificadas como responsáveis pelo assassinato dos ativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo.
Na ocasião, puderam constatar que os assassinos são muitas vezes pagos pelos grandes latifundiários, proprietários de terra, produtores de carvão vegetal e quadrilhas.
Em 1991, o MST e a CPT receberam o prêmio da Fundação, concedido pelo trabalho de ambos os movimentos em favor da justiça e dos direitos dos pequenos agricultores e campesinos do Brasil.
Abaixo, confira a carta na íntegra:
Estocolmo, 20 de setembro de 2014
Estimados candidatos,
Durante as últimas semanas, as noticias de assassinatos de lideranças sociais e ambientais no Brasil chocou a opinião pública, tanto no país como no exterior. Até agora, em 2014, pelo menos 25 pessoas foram assassinadas em conflitos relacionados com a questão da terra no Brasil.
É internacionalmente reconhecido que o Brasil detém o recorde vergonhoso de ser o país com o maior número de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo. De acordo com o relatório "Global Witness", o Brasil tem o maior número de assassinatos no período 2002-2013, com 448 mortos, seguido por Honduras, com 109, e Filipinas, com 67 [1].
No ano passado, uma missão da Fundação Right Livelihood Award viajou para Marabá, Estado do Pará, Brasil, para prestar apoio e solidariedade aos membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Eles confirmaram ‘in loco’ que os assassinos, muitas vezes pagos pelos grandes proprietários de terra, produtores de carvão vegetal e máfias de terras, fazem ameaças de morte - que às vezes são levadas a cabo - a membros do MST e da CPT. Ambos MST e CPT receberam o prêmio Right Livelihood, conhecido popularmente como "Prêmio Nobel Alternativo", em 1991, "por sua campanha dedicado à justiça social e ao respeito dos direitos humanos para os pequenos agricultores e os sem-terra no Brasil".
Durante a visita de solidariedade, os membros da missão participaram como observadores do julgamento de três pessoas identificadas como responsáveis pelo assassinato dos ativistas ambientais José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo. Os verdadeiros assassinos foram condenados, mas o suspeito de ser o autor intelectual e organizador do crime foi absolvido. Recentemente, no entanto, um tribunal decidiu derrubar a absolvição e ordenou uma revisão da sentença relativa ao autor intelectual dos crimes.
Como destinatários do Prêmio Nobel Alternativo, apelamos a todos os candidatos presidenciais a declarar explicitamente quais são as suas posições e propostas concretas para erradicar qualquer e todo o tipo de violência contra ativistas pacíficos que defendem os direitos humanos e o meio ambiente, para proteger e preservar a vida das pessoas ameaçadas e para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
Neste contexto urgente, pedimos:
1) Justiça verdadeira, que significa a punição não apenas dos autores reais dos crimes, mas também daqueles que estão por trás deles e que organizam e encomendam esses crimes que afetam tanto lideranças sociais e ambientais, como as comunidades indígenas e não indígenas no Brasil .
2) Publicação atualizada da lista de todas as pessoas que tenham sido condenadas por ter assassinado defensores de direitos sociais e ambientais.
3) Proteção de todos aqueles que receberam ameaças de morte ..
4) A aplicação integral da Convenção 169 dos Direitos dos Povos Indígenas da OIT (Organização Internacional do Trabalho, 1989), que foi ratificada pelo Brasil a 25 de julho de 2002.
5) A democratização da terra e o cumprimento das suas funções socio-ambientais, tanto para as gerações atuais e futuras.
6) O assentamento imediato das mais de 120 mil famílias que vivem em condições precárias em centenas de acampamentos espalhados por todo o país.
7) Imediata demarcação e legalização de todas as áreas indígenas e quilombolas e as de posse de ribeirinhos, pescadores e comunidades tradicionais, como estabelece a Constituição Federal de 1988.
8) Controle mais rigoroso e um fim à impunidade legal sobre as empresas privadas que oferecem segurança e forças armadas ("Escolta Armada"), geralmente contratados por fazendeiros poderosos, fazendas de gado e empresas de mineração.
9) O reconhecimento de que a não realização da Reforma Agrária agrava os conflitos sociais no campo.
Nós gostaríamos de conhecer a sua plataforma de propostas e compromissos concretos para resolver esta dramática realidade. A campanha política em curso não está tratando dessa importante questão de como mudar esta situação terrível. Nós encorajamos você a se envolver nesse debate a respeito dos direitos humanos e da segurança ambiental, que não pode ser ignorado se você for eleito o próximo presidente do Brasil.
Atenciosamente,
Raúl Montenegro
Prêmio Nobel Alternativo 2004, Argentina
Angie Zelter
Representando a Trident Ploughshares, Prêmio Nobel Alternativo 2001, Reino Unido
Marianne Andersson
Ex-Membro do Parlamento Sueco e membro do Conselho Curados da Fundação Right Livelihood Award
[1] Global Witness. 2014. Deadly environment. The dramatic rise in killings of environmental and land defenders. Global Witness Report, 15 p.
http://www.globalwitness.org/sites/default/files/library/Deadly%20Environment.pdf