COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em histórico encontro organizado pelo Tribunal Popular da Terra (TPT) na comunidade quilombola de Furnas da Boa Sorte (MS), deram-se passos importantes para a retomada do morro São Sebastião. Confira a Carta / Manifesto do Encontro:

 

Um Encontro Quilombola foi realizado em 14 e 15 de junho na comunidade negra sul-mato-grossense de Furnas da Boa Sorte, situada no município de Corguinho (MS). O tema que reuniu indígenas, camponeses e quilombolas foi “unidade, dignidade e resistência dos povos da terra”.

O morro São Sebastião foi ocupado, ilegalmente, pelo Projeto Portal, um grupo ligado a uma excêntrica organização de tipo imobiliário/religiosa que acredita em supostos extraterrestres que desceram do céu para morar nos buracos montanhosos da região. Com esse perfil vai se apoderando de terras e enganando incautos de vários cantos do Brasil e do exterior como se tivessem encontrado entre essas rochas e basaltos sua “terra do nunca”. E uma das áreas que usurparam pela força foi o morro São Sebastião, monumento cultural da comunidade Furnas da Boa Sorte. No topo do morro, sem autorização da comunidade e do silêncio dos órgãos do governo do estado e das autoridades municipais de Corguinho, conseguiram levantar antenas e colocar placas solares, além de amontoar as baterias ácidas que foram descartadas após do uso.

 

Assim vão deixando crescer a poluição tóxica no topo do morro. Em outra formação rochosa, situada em sentido oposto e oblíquo ao São Sebastião, há uma espécie de conjunto habitacional ocupado pelo Projeto Portal; e, o morro São Sebastião é usado como base de operações de seu sistema.

 

Além desse entrave, os fazendeiros ainda ocupam metade do território quilombola por conta de litígios judiciais em aberto e pendências de titulação das terras. Novas áreas a serem demarcadas a favor da comunidade estão igualmente em debate.

 

Escalação solidária

 

Do encontro do Tribunal Popular da Terra, participaram 300 pessoas entre quilombolas, indígenas, camponeses, estudantes, integrantes de movimentos sociais e organizações populares. Um grupo de representantes de cada um desses setores partiu na madrugada do dia 15 de junho em direção ao topo do morro para constatar as denúncias e simbolizar que o São Sebastião é território legítimo da comunidade quilombola. E também como forma de reação a uma situação que incomoda a maioria das famílias.

 

Os quilombolas, indígenas, camponeses e todos os membros das organizações presentes no encontro do Tribunal Popular da Terra, exigiram o fim da ocupação do morro. Além disso, exigem a reintegração das terras ocupadas pelos fazendeiros, e novas demarcações, que contemplem todas as comunidades quilombolas do estado de Mato Grosso do Sul.

 

Os encontros de formação política, social e organizacional do TPT, primeiro nas Furnas do Dionísio, e agora nas Furnas da Boa Sorte, se constituem como marco importante de fortalecimento da solidariedade dos movimentos sociais com o povo quilombola no estado e do avanço do processo de unidade dos povos do campo em luta por dignidade, autonomia, terra, território e liberdade.

 

CARTA/MANIFESTO DAS FURNAS DA BOA SORTE

 

O Tribunal Popular da Terra, reunido aos pés do Morro São Sebastião, nas Furnas da Boa Sorte em 14 e 15 de junho de 2014 no ENCONTRO QUILOMBOLA, com o tema UNIDADE, DIGNIDADE E RESISTÊNCIA DOS POVOS DA TERRA, nesta carta/manifesto do evento de formação social e política, dá ao conhecimento da sociedade que:

 

1. As Comunidades Quilombolas se fizeram escutar e foram ouvidos os seus anseios e esperanças. Que a juventude quilombola das Furnas da Boa Sorte precisa de uma escola de 6ª. Série até o Ensino Meio para que o curso seja para todos e todas e que a educação seja voltada para o campo. Que as comunidades quilombolas do estado tenham sua cultura tradicional e suas terras respeitadas, pois, atualmente, cada vez mais sofrem a pressão das fazendas, pistoleiros e fazendeiros. Que as terras quilombolas sejam tituladas e que novas demarcações reivindicadas aconteçam. Que as terras dos indígenas sejam demarcadas e que seja feita a reforma agrária para o campesinato.

 

2. As Comunidades Indígenas se fizeram escutar e foram ouvidos os seus anseios dos seus representantes. Que os indígenas dependem da justiça, mas também a justiça depende deles. Por isso a nossa disposição de luta junto aos quilombolas e camponeses. Já faz muito tempo que os povos indígenas vivem sendo massacrados pela cultura da morte do Estado Brasileiro. Ele mata os indígenas de diversas formas, porém, agora, decidiu também matar “oprimindo a nossa gente nas bases”.

 

3. As organizações camponesas se fizeram escutar e foram ouvidas as suas vozes. Denunciam que faz 4 anos não tem nenhum assentamento novo no Estado; que a reforma agrária não está de “vento em popa” como fala o governo. Que de forma alguma, o governo pode colocar o Mato Grosso do Sul como modelo de reforma agrária. Que nos assentamentos muitos assentados ainda vivem como acampados. Denunciam a ação do governo e do Estado Brasileiro que empurram nossos jovens das comunidades e dos assentamentos para as cidades, com o objetivo de esvaziar a terra e os territórios tradicionais, suas culturas, sua produção, seu modo de vida e suas paisagens, a favor do agro-latifundio.  Denunciam a violação dos direitos humanos das famílias acampadas, abandonadas a sua própria sorte, sem infra-estrutura, sobrevivendo nas beiras das estradas.

 

4. Que se fizeram ouvir e foram ouvidas as vozes das crianças que participaram durante dois dias com o Coletivo Terra Vermelha de uma “oficina de produção de bonecos, teatro e a questão ambiental”. Para nós foi uma boa oportunidade para brincar e conhecer a luta dos povos da terra e esperamos que consigam seus objetivos.

 

5. Os quilombolas decidem não esperar mais que a justiça resolva por nós. Vamos partir para a ação e pisar novamente nas terras demarcadas, pois, outros vêm usufruindo e se aproveitando delas. São os fazendeiros que criam nelas, enquanto nós precisamos de espaço para a produção e geração de renda. Os quilombolas de MS estão acordando e buscando a unidade junto aos indígenas e camponeses.

 

6. Os indígenas denunciam a enganação do diálogo que o governo e o Estado defendem. Com pistoleiros matando e polícias militares reprimindo e matando é difícil dialogar; desse jeito não há diálogo que seja sustentável e proveitoso para nós. Exigimos a demarcação de nossas terras e que o Estado de Mato Grosso do Sul e Brasileiro parem com a violência contra os povos indígenas, camponeses e quilombolas.

 

7. Os camponeses levantam a necessidade de seguir fortalecendo a organização para além da formação política, melhorando também a produção nos assentamentos, sem deixar de lutar pela reforma agrária, no sentido de seguir lutando contra o latifúndio e o agronegócio, pois, “onde tem gente tem que ter assentamento”. A mobilização unitária não pode parar. Nós somos as sementes dos que lutaram historicamente pela reforma agrária e também os que daremos sementes para a luta continuar.

 

8. Os Povos da Terra defendem com toda a força a necessidade da unidade entre indígenas, quilombolas, camponeses, acampados, assentados, organizações do campo e da cidade, pois, é o único jeito de acabarmos com as injustiças e a violência no campo. Defendemos que as terras sejam “territórios de vida” e não simples mercadorias nas mãos do capital financeiro, do agronegócio e do latifúndio.

 

9. Os Povos da Terra, juntos com os estudantes, entidades de defesa dos direitos humanos, organizações populares e movimentos de trabalhadores do campo e da cidade assumimos o compromisso de fortalecer as nossas organizações de base e construir a nossa autonomia. E de realizar na prática o exercício do poder popular.

 

10. Os poderosos querem nos impor pela força, por meio da violência, do assistencialismo e de supostas generosidades e caridades, propagando suas idéias como sendo supostamente superiores. Impondo seus interesses como sendo os mesmos ou devendo ser os mesmos que as dos trabalhadores. Denunciamos essas idéias perversas e reafirmamos a nossa decisão de lutar por autonomia, terra, território, liberdade, justiça social e uma nova sociedade sem explorados nem exploradores.

 

11. Por meio desta Carta/Manifesto reafirma o sentimento da comunidade e se apóia nele para afiançar que o Morro São Sebastião é território tradicional das Furnas da Boa Sorte.  E exige a retirada de todos os objetos: ferragens, antenas e elementos tóxicos e contaminadores do ambiente, que no topo do morro se encontram. Esses objetos foram ali colocados pela força, sem autorização da comunidade; e representam flagrante e permanente violação cultural e da dignidade e autonomia comunitárias e de cada uma das famílias de remanescentes de escravos negros que nas Furnas da Boa Sorte moram. Exigimos que o acesso ao Morro São Sebastião fosse restrito para os alheios à comunidade e sua escalação seja feita só com a autorização de sua organização comunitária.

 

Comunidade Negra das Furnas da Boa Sorte/MS, 15 de junho de 2014.

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