O texto faz parte da cobertura da Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás e se soma aos esforços de organizações e pesquisadores que denunciam como o uso de venenos em larga escala impacta a população rural no estado
Por Marilia da Silva | CPT Goiás
No último mês de novembro, Maíra Mathias, jornalista de O Joio e o Trigo, esteve em Goiás para a cobertura da Jornada Contra os Agrotóxicos, a convite da Campanha Cerrado. No dia 13 de março ela publicou a matéria “Uma comunidade tenta se salvar do veneno”, que pode ser lida na íntegra aqui.
Na viagem, Maíra acompanhou a missão territorial da jornada no Acampamento Leonir Orback, ligado ao MST, em Santa Helena de Goiás (GO), onde conversou com famílias que vivenciam a exposição sistemática a venenos pulverizados em lavouras vizinhas. A partir daí, deu início a uma investigação jornalística para entender porquê essas pessoas e o local onde vivem não estão sendo protegidas por nenhum mecanismo do estado.
No Acampamento Leonir Orback não faltam relatos e registros sobre a convivência adoecedora com o veneno. “O Leonir Orback é uma tripa de casas no meio de um mar de monoculturas do agronegócio. De um lado, cana. Do outro, se alternam plantações de soja, milho e sorgo”, descreve a matéria. As narrativas também revelam como até mesmo as equipes de atendimento à saúde do município desconsideram a exposição ao veneno enquanto possível causa de problemas de pele e outros sintomas de intoxicação, sem qualquer exame prévio.
Um dos objetivos da Jornada contra os Agrotóxicos foi apresentar à comunidade o resultado de estudos realizados a partir de amostras de material colhido no local. A matéria repercute também a pesquisa realizada pela Campanha Cerrado em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, que analisou água coletada nessa e em outras comunidades do cerrado brasileiro. No Leonir Orback, as coletas foram realizadas em rio, açude e poço da comunidade, em março de 2022 e janeiro de 2023. O resultado da análise revela a presença de 4 agrotóxicos em altas quantidades.
A reportagem abordou também o estudo realizado pela geneticista Andreya Gonçalves Costa e o biomédico Miller Caldas Barradas do Laboratório de Mutação Genética da Universidade Federal de Goiás (Labmut/UFG) com amostras de sangue e fluido bucal de moradores o acampamento. O estudo busca identificar como a exposição aos agrotóxicos constante tem danificar o DNA dos trabalhadores rurais, fator para o desencadeamento de doenças graves.
“A análise do material biológico encontrou alterações e mutações no DNA e teve resultados parecidos com a que tinha sido feita na água do acampamento. O agrotóxico mais encontrado no corpo dos acampados também foi o glifosato. Depois veio o chumbinho, usado para matar ratos, seguido por fipronil e tordon (um herbicida que resulta da mistura de picloram com 2,4 D). A lista segue, com um total de 12 agrotóxicos”, traz a reportagem.
A reportagem levantou o histórico de luta da comunidade, que luta pela desapropriação de terras do Grupo Naoum, proprietário da Usina Santa Helena e outras fazenda em Santa Helena de Goiás, e devedor de bilhões aos cofres públicos. O objetivo do MST é conseguir que as fazendas sejam desapropriadas para pagamento de dúvidas. A reportagem procurou o Grupo Naoum, mas não obteve resposta.
A legislação sobre pulverização em áreas próximas de comunidades é classificada pela reportagem como “inexistente ou fraca”. Uma instrução normativa do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), de 2008, diz que a pulverização aérea pode ser realizada a 250 metros de distância de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais e a 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento de população. Uma portaria mais recente, de 2021, estipula a distância mínima de 20 metros para pulverização com uso de drones.
A pulverização terrestre, seja com uso de tratores como o Uniport ou por bombas costais, a normatização é feita pelos estados. Goiás é um dos poucos estados que regulamenta a atividade, com uma lei de 2016 que teve trechos modificados por outra, de 2018. “Essas mudanças tratam exatamente das distâncias que devem ser observadas na aplicação dos agrotóxicos. O estado previa, por exemplo, uma distância de 2 mil metros para pulverizações aéreas em áreas próximas de cidades, povoados, vilas… Isso caiu para 500 metros (mesma distância estipulada pelo governo federal)”, resume.
O Joio e o Trigo procurou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a Agrodefesa e a Secretaria de saúde sobre os procedimentos que desrespeitam as normativas sobre pulverização e sobre os casos de contaminação no acampamento. Em nota, a Agrodefesa solicitou que, no momento da aplicação de agrotóxicos no entorno do acampamento, notifiquem o fiscal da unidade do município para apuração de possíveis irregularidades e adoção de medidas punitivas legais, mas frisou que, segundo relatos do próprio fiscal, a comunidade se instalou no local onde já havia lavouras. (Importante questionar se, para este fiscal, este fato irresponsabilizaria os lavoureiros quando à contaminação de pessoas, que sabidamente vivem no local, em ações pulverizações realizadas fora dos parâmetros legais?)
A Secretaria Estadual de Saúde disse, em nota, que fiscaliza a situação do acampamento e que o município de Santa Helena é prioritário quando o assunto são os agrotóxicos e afirma que, o estudo realizado pela Fiocruz e Pastoral da Terra, que analisou a água do acampamento, motivou ações do programa VSPEA em 2024. A Secretaria do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A matéria completa de O Joio e o Trigo pode ser lida aqui.