COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por Edilson da Costa Albarado (Assessor regional da CPT/AM)

Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)

No Estado do Amazonas, o movimento de ribeirinhos é muito marcante e mobilizou muitos amazônidas a resistirem, para existirem nos seus territórios, através de lutas coletivas e organizativas em prol da preservação das riquezas naturais, num primeiro momento e pela conservação num segundo momento. Uma das estratégias foi e continua sendo o manejo cuidadoso dessas riquezas da natureza, por meio de acordos coletivos de pesca, aprovados em assembleias comunitárias.

O texto trata dessa luta dos povos ribeirinhos do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Ilha Paraná de Parintins, no município de Parintins (AM), que existe até hoje no seu território de origem, por resistir à depredação da natureza; motivo que levou à criação do Grupo Ambiental Natureza Viva/GRANAV. Trata-se de uma organização não governamental que, a partir de 1992, passou a representar os interesses dos ribeirinhos, de forma institucionalizada, e com apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Parintins, institucionalizou-se e formou várias lideranças comunitárias, que passaram a desenvolver ações de preservação e conservação dos lagos existentes nas comunidades ribeirinhas do município.

A princípio, o movimento lutou pela garantia de alimento (peixe) para os moradores dessas comunidades, que na época os lagos eram abundantes, mas viviam ameaçados por pescadores profissionais, que invadiam esses lagos para desenvolver a pesca comercial predatória.

Os ribeirinhos preocupados com a depredação dos lagos e a falta do peixe, sua principal proteína, passaram a realizar empates nas entradas dos lagos, para impedir a entrada de grandes embarcações, que vinham do estado do Pará e do próprio estado do Amazonas, para realizar despesca para vender nos grandes centros.

Empate é uma técnica de enfrentamento usada com o propósito de impedir a pesca predatória e o desperdício. Segundo Spínola (1997) e Maybury-Lewis (1997), os empates ribeirinhos foram inspirados nos empates promovidos pelos seringueiros do estado do Acre, tendo como líder Chico Mendes.

Isso gerou conflitos e violência contra os ribeirinhos, que resistiram, inclusive sofrendo com prisão e responsabilização criminal pelos seus atos em defesa da vida no território. A CPT sempre esteve ao lado desses povos, inclusive, defendendo judicialmente as lideranças que responderam processo por defender os lagos.

A partir de 2008, as comunidades que tinham lagos no seu território, com o GRANAV e a CPT, passaram a dialogar sobre a criação de acordo de pesca, que inicialmente envolveu 22 lagos e 25 comunidades, em 2008, e, mais recentemente, em 2022, iniciou a revisão de dois acordos, concluindo em 2023, com a aprovação do acordo da região do Paraná de Parintins, coordenado pelo GRANAV e outro acordo, na região do Máximo, coordenado pela Cooperativa Agroextrativista e Turismo do Lago do Máximo/COOPMAFA.

No último dia 18 de junho, o Governo do Estado do Amazonas entregou duas Instruções Normativas de Acordo de Pesca no município de Parintins/AM. A Instrução Normativa n. 02, de 10 de maio de 2024, reconhece o Acordo de Pesca e estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do Complexo Histórico das Regiões: Paraná de Parintins, Valéria, Muritiba, Laguinho, Jauari e Miriti. Já a Instrução Normativa n. 03, de 15 de maio de 2024, reconhece o Acordo de Pesca e estabelece regras para o manejo dos ambientes aquáticos do complexo de Lagos da Região do Lago do Máximo e Zé Miri no PA Vila Amazônia.

As portarias são muito importantes para os comunitários. Elas são um instrumento legal que vai impedir a pesca predatória nos lagos que estão nos dois Acordos de Pesca, e num futuro próximo os lagos poderão recuperar a população de peixes e garantir alimento saudável e em quantidade suficiente para os assentamentos das Comunidades do PA Vila Amazônia e PAE Paraná de Parintins. Esses acordos de pesca são fruto da luta coletiva dos ribeirinhos(as), representandos pelo Grupo Ambiental Natureza Viva – GRANAV e COOPEMAFE.

Os acordos organizaram os lagos em: área de preservação – destinadas a manter o estoque de peixe para reprodução, onde a pesca fica proibida; área de autoconsumo – ambiente aquático de maior extensão, permitida a pesca para autoconsumo e comercial artesanal de pequena escola, para as famílias pertencentes às comunidades; área de autoconsumo – ambiente aquático menor e próximo à comunidade, destinado à pesca para alimentação das famílias; área do uso comercial/artesanal, destinada à atividade comercial, respeitando a legislação vigente.

Os referidos acordos estão em processo de publicação de suas respectivas portarias, mas ao tocante à gestão, foi criado, pelas organizações e órgãos públicos, um Comitê condutor, para monitorar e fiscalizar o cumprimento das referidas portarias. Dentre os órgãos envolvidos estão: Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas/IPAAM, Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas/IDAM, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente/SEDEMA, Câmara Municipal de Parintins, Associação dos Pescadores Z-17, Associação dos Pecuaristas de Parintins, Sindicato de pescadores/Sindi-Pesca, Promotoria de Justiça da 1ª Comarca de Parintins, Agência Fluvial de Parintins, Colônia dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Parintins/COLPPAPIN, Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Parintins/STTRPIN, Conselho dos Assentados da Gleba Vila Amazônia/COAGVA, Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado Amazonas/ADAF/Parintins, Universidade Federal do Amazonas/UFAM, Universidade do Estado do Amazonas/UEA, Comissão Pastoral da Terra/CPT, GRANAV e COOPMAFA.

Depoimentos das comunidades

Paulo Ribeiro Diniz, coordenador da associação da comunidade Aparecida (região do Miriti), afirma: “Esse acordo é muito importante para a comunidade, vai incentivar as pessoas a se conscientizarem de como preservar o nosso lago, e também de ter o pescado em nossa mesa com facilidade, com todos se envolvendo pra que esse projeto dê certo. E esperamos que vai dar certo, e nós possamos desfrutar, mas também as outras comunidades vizinhas, todo o município de Parintins e a região da gleba do Paraná de Parintins.”

Adilson da Costa Silva, morador da comunidade Menino Deus (região de Paraná de Parintins) e coordenador do GRANAV, também traz o seu depoimento: “Aprovar a minuta do acordo, pra nós, é a realização de um trabalho que vem desde os anos 2000, e com nossos pais desde os anos 1990, trabalhando a pesca na nossa região. O acordo é uma ferramenta que nós temos de controle tanto do nosso recurso que nós temos, quanto de controle social, e vai abranger os agricultores, pescadores, ribeirinhos e criadores, que também estão incluídos neste acordo. É uma oportunidade de a gente mexer com o povo, porque às vezes as pessoas estão muito acomodadas. E agora podem surgir novas oportunidades, como a questão da piscicultura, do manejo das espécies, do conhecimento da legislação ambiental, da educação, que é necessária. É a retomada de um trabalho de forma legal e com apoio do poder público.”

Adilson acrescenta que o monitoramento, fiscalização e planejamento é da comunidade, que ela não é apenas objeto da ação, ela é gestora do projeto. O comitê gestor é formado por vários órgãos da sociedade civil e públicos, e serve pra discutir e planejar ações pra que o acordo se torne prático.

Tiago Mourão, engenheiro de pesca do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), destaca: “Nós vamos cumprir aquilo que nós acordamos na Instrução Normativa. Quanto mais forte for este instrumento normativo, é melhor pra as comunidades, que podem também procurar a Polícia Militar e ajudar na fiscalização dos lagos. Elas só não vão poder entrar nas embarcações, porque é competência do Estado e do município. Vamos enviar esse processo para a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que vai avaliar essa instrução normativa e enviar para a assinatura do governador, tendo validação e força de lei. Vamos ter a parceria com outras instituições e as classes, como o Sindicato dos Pescadores, pra ajudar a ter força de lei nestes monitoramentos.”

Com esse Comitê condutor e com o apoio das comunidades envolvidas, espera-se que num futuro próximo, com o cumprimento desses acordos, os lagos voltem a ter fartura de peixes como pirarucu e mapará, e as famílias, alimento saudável e em quantidade suficiente para o consumo próprio; servir de fonte de renda para os pescadores artesanais, que vivem da renda da comercialização dos peixes que ainda existem. Com esses acordos, a tendência é aumentar a população de peixe e garantir, consequentemente, a permanência dos ribeirinhos nos seus territórios de origem na Amazônia parintinense.


*Edilson da Costa Albarado é Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará/UFPA, Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, Especialista em Educação Ambiental Urbana e Pedagogo. Assessor regional da CPT Amazonas. Contato: edilsonalbarado@gmail.com.

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