Leia o Resumo Executivo do relatório desenvolvido pela ONG Earthsight, que revela como empresas e consumidores da moda na Europa e América do Norte estão impulsionando a destruição do Cerrado
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Foto: Thomas Bauer/Earthsight
Há muitos anos que a atenção do mundo está voltada para a Amazônia brasileira e os terríveis crimes contra as pessoas e o planeta cometidos na região para abrir espaço para a produção de carne bovina e soja. Há também uma consciência cada vez maior da necessidade de discutirmos o impacto da produção de nossos alimentos na Amazônia. Contudo, um processo de destruição semelhante está acontecendo em outra área rica em biodiversidade na América do Sul. Impulsionada por um produto bem diferente, essa destruição passa despercebida para a maioria das pessoas.
Ao sul da Amazônia, fica o imenso Cerrado, um dos biomas mais ricos do planeta, lar de 161 espécies de mamíferos, incluindo tamanduás-bandeira, tatus-canastra, onças-pintadas e antas. Milhões de pessoas também dependem das matas e campos do Cerrado para sua subsistência. No entanto, a destruição causada nessa região pela agricultura em escala industrial nas últimas décadas é até pior que a observada na floresta úmida e densa mais ao norte. Cerca de metade da vegetação nativa do Cerrado já foi perdida, sobretudo para dar lugar à expansão do agronegócio. Embora as últimas notícias sobre a Amazônia sejam, em princípio, positivas, no Cerrado acontece o oposto: o problema está se agravando. Em 2023, as taxas de desmatamento no bioma aumentaram 43% em comparação com o ano anterior.1, 2
Durante um ano, a Earthsight investigou o que acontece no Cerrado e concluiu que empresas e consumidores na Europa e na América do Norte estão impulsionando essa destruição de uma nova maneira. Não é pelo que comem, mas pelo que vestem. A Earthsight descobriu que o algodão usado pelas gigantes da fast fashion H&M e Zara está ligado a desmatamento em grande escala, grilagem de terras, violações de direitos humanos e violentos conflitos fundiários no Cerrado brasileiro.
A H&M e a Inditex, dona da Zara, são as maiores empresas de vestuário do mundo. Elas tiveram lucros combinados de cerca de 41 bilhões de dólares em 2022. A H&M tem 4.400 lojas em todo o mundo, enquanto a Zara e outras marcas da Inditex – Pull&Bear, Bershka, Massimo Dutti, Stradivarius – têm quase 6.000. H&M e Zara são líderes globais do mercado de fast fashion e lançam inúmeras coleções de roupas todos os anos.
Na última década, o algodão brasileiro ganhou destaque no mercado global da moda. O país é hoje o segundo maior exportador mundial do produto e espera-se que ultrapasse os EUA até 2030. Na década até 2023, as exportações do Brasil mais que dobraram. Quase todo esse algodão é cultivado no Cerrado.3
É importante notar que H&M e Zara não compram esse algodão diretamente dos produtores. Assim como a maioria das grandes marcas de moda da Europa e dos EUA, elas adquirem suas peças de roupa principalmente de fornecedores localizados na Ásia. São essas empresas asiáticas que transformam o algodão cru nos produtos finais que encontramos nas lojas. Examinando milhares de registros de exportação, nossos investigadores descobriram que os fornecedores de H&M e Zara adquirem algodão cultivado no oeste do estado da Bahia por dois dos maiores produtores do país: Grupo Horita e SLC Agrícola.
A produção de algodão pela SLC e pelo Grupo Horita no oeste baiano – parte do bioma do Cerrado bastante afetada pelo agronegócio em escala industrial – está ligada a uma série de ilegalidades.
A SLC – com 44.000 hectares de plantações de algodão (equivalente a mais de 60.000 campos de futebol) apenas no oeste da Bahia – é o maior produtor de algodão do Brasil, enquanto o Grupo Horita – que controla pelo menos 140.000 hectares de terras agrícolas na região – é um dos seis maiores. Ambos pertencem a famílias consideradas entre as mais ricas do Brasil.
A sombria história do agronegócio no Cerrado
O Grupo Horita e a SLC Agrícola são emblemáticos de uma realidade mais ampla que envolve o agronegócio exportador e os danos causados por ele ao Cerrado, às suas comunidades tradicionais e ao clima.
O Cerrado, que ocupa quase um quarto do território brasileiro, abriga 5% das espécies do mundo e um terço da biodiversidade do Brasil. Mesmo assim, só a Bahia perdeu quase um quarto do seu Cerrado nativo – uma área do tamanho do País de Gales – para a expansão agrícola nas últimas décadas. Planaltos que antes eram habitados por araras e onças agora são vastas monoculturas de algodão e soja. Quase um quinto das espécies do Cerrado, incluindo o lobo-guará e a rolinha-do-planalto, correm risco de extinção devido à perda de habitat.
Moradores locais mostraram à Earthsight leitos de rios secos e nascentes perdidas. O agronegócio do oeste baiano capta quase dois bilhões de litros de água por dia. Em troca, o mesmo agronegócio despeja 600 milhões de litros de agrotóxicos no Cerrado todos os anos.
O impacto climático é enorme: a retirada da vegetação do Cerrado para fins de produção agrícola gera tanto carbono por ano quanto as emissões anuais de 50 milhões de carros. A produção de algodão tem uma pegada de carbono extremamente elevada em comparação com outras commodities devido ao uso intensivo de agrotóxicos em sua produção.
Líderes da sociedade civil local disseram a nossos investigadores que é difícil encontrar uma única fazenda de algodão ou soja em grande escala no oeste da Bahia que não seja resultado da grilagem de terras. Este relatório mostra que, nos últimos 25 anos, a corrupção, a violência e a negligência do governo ajudaram a colocar o Cerrado baiano nas mãos de um agronegócio insustentável e violento.
Foto: Thomas Bauer/Earthsight
Grilagem, violência contra comunidades tradicionais e corrupção
No município de Formosa do Rio Preto, o Grupo Horita ocupa um terço de uma propriedade gigantesca chamada Estrondo, onde cultiva algodão, soja e outras commodities. Embora diferentes empresas do agronegócio tenham plantações na Estrondo, o Grupo Horita – maior proprietário de terras ali – está intimamente ligado a violentas disputas fundiárias entre a Estrondo e as comunidades tradicionais que habitam a região desde o século XIX.
Os habitantes dessas comunidades, conhecidos como geraizeiros, vivem em harmonia com a natureza há gerações. Para sua subsistência, praticam caça, pesca, plantio de culturas tradicionais e criação de gado em pequena escala. São protegidos por lei e devem ter assegurado seu direito a suas terras tradicionais.
Em 2018, a Procuradoria-Geral do estado da Bahia concluiu que a Estrondo era uma das maiores áreas griladas do Brasil. Assim, as terras da Estrondo são, na verdade, terras públicas pertencentes ao estado da Bahia. Como tal, devem receber proteção ambiental e ser destinadas às comunidades de geraizeiros.
Nas décadas de 1970 e 1980, porém, os proprietários da Estrondo se apropriaram ilegalmente de mais de 400 mil hectares de terras públicas cobertas por vegetação nativa do Cerrado. Mais da metade dessa área já foi desmatada. Há mais de 10 anos, os geraizeiros começaram a sofrer intimidação e assédio por parte de homens armados a mando dos proprietários e arrendatários da Estrondo. Em dois episódios de violência ocorridos em 2019, dois membros da comunidade foram baleados por seguranças da Estrondo.
Uma ação judicial em andamento contra a Estrondo, movida pela Procuradoria-Geral da Bahia, pretende recuperar essas terras públicas.
No município de Correntina, outro caso de grilagem atingiu a comunidade tradicional do Capão do Modesto. Lá, grandes fazendeiros foram acusados de se apropriar indevidamente de terras públicas para convertê-las em “reservas legais”, isto é, áreas que as fazendas devem obrigatoriamente reservar para preservação ambiental. Entretanto, em vez de destinar parte de suas propriedades produtivas para reserva legal, diversos fazendeiros adquiriram terras em outros lugares para essa finalidade. O Grupo Horita possui uma propriedade de 2.169 hectares no Capão do Modesto. A fazenda Paysandu, onde a SLC planta algodão, também está vinculada a uma reserva legal no Capão do Modesto chamada Tabuleiro VII.
O procurador-geral do estado se referiu ao Capão do Modesto como “um dos mais graves casos de grilagem de terras da Bahia” e solicitou a suspensão e eventual cancelamento de todos os títulos de terra sobrepostos à comunidade. Enquanto nada é resolvido, a comunidade local continua sofrendo com assédio, vigilância, intimidação e ataques realizados por pistoleiros ligados ao agronegócio.
Walter Horita, um dos fundadores do Grupo Horita, teve seu nome envolvido num caso de corrupcao que chocou o país. A investigação da Polícia Federal revelou a venda generalizada – envolvendo grandes somas de dinheiro – de decisões judiciais relacionadas a disputas fundiárias na na Bahia, incluindo áreas apontadas como do Grupo Horita. Conversas telefônicas grampeadas pela polícia reveleram que Horita teria tentando influenciar políticos e membros do judiciário na Bahia, ao mesmo tempo em que denúncias apontaram a transferência de um total de R$ 6 milhões (US$ 1,2 milhão) para um funcionário do judiciário.
Desmatamento ilegal
Tanto o Grupo Horita como a SLC Agrícola têm uma longa ficha corrida de desmatamento ilegal e infrações ambientais no oeste da Bahia.
Em 2014, o órgão ambiental do estado identificou 25.153 hectares de desmatamento ilegal nas fazendas do Grupo Horita na Estrondo. Em 2020, o mesmo órgão indicou que não conseguiu encontrar licenças autorizando 11.700 hectares de desmatamento realizado pela empresa entre 2010 e 2018. O Ibama multou a Horita mais de 20 vezes entre 2010 e 2019 (totalizando R$ 22 milhões) por infrações ambientais.
Imagens de satélite analisadas pela Earthsight revelam que uma fazenda Horita embargada pelo Ibama desde 2008 devido a infrações ambientais vem cultivando algodão ali desde 2017, em clara violação do embargo, que visa justamente impedir a exploração comercial para permitir a recuperação da terra.
A SLC tem um histórico igualmente preocupante. Suas fazendas Piratini, Palmares e Parceiro, todas produtoras de algodão, perderam pelo menos 40 mil hectares de vegetação nativa do Cerrado nos últimos 12 anos. Apesar da política de desmatamento zero adotada em 2021, a empresa foi acusada de desmatar 1.365 hectares de vegetação nativa em sua fazenda Palmares em 2022.
O Ibama multou a SLC em mais de 250 mil dólares desde 2008 por infrações ambientais na Bahia. O fundo soberano da Noruega deixou de investir na empresa em 2017 devido às ligações da SLC com abusos ambientais.
O papel do consumo ocidental
Nossos investigadores se passaram por investidores estrangeiros e se infiltraram nos mundos do agronegócio brasileiro e da moda europeia. Foram analisadas milhares de registros de exportação, relatórios anuais de empresas, listas de fornecedores e sites. A análise revelou uma dura realidade: o algodão manchado pelo desmatamento, pela grilagem de terras e pela violência contra comunidades tradicionais que documentamos na Bahia está indo parar nas cadeias produtivas de duas das maiores marcas de moda do mundo: Zara e H&M.
Registros de embarque mostram que o Grupo Horita e a SLC Agrícola exportaram diretamente pelo menos 816 mil toneladas de algodão da Bahia entre 2014 e 2023.4 Outras fontes de informação sugerem5 que o volume real das exportações das duas empresas nesse período foi superior a 1,5 milhão de toneladas, sendo que a diferença teria sido exportada através de intermediários.
Identificamos oito fabricantes de roupas na Ásia que usam algodão Horita e SLC e, ao mesmo tempo, vendem para H&M e Zara milhões de peças de roupas de algodão prontas para serem comercializadas.
Entre esses fabricantes está a PT Kahatex, empresa sediada na Indonésia. Segundo nossa pesquisa, ela é a maior compradora de algodão contaminado do Grupo Horita e da SLC. A H&M, por sua vez, é o segundo maior cliente da PT Kahatex, da qual já comprou milhões de pares de meias, shorts e casacos de algodão. Esses itens podem ser encontrados nas lojas H&M nos EUA, Alemanha, Reino Unido, Suécia, Holanda, Bélgica, Espanha, França, Polônia, Irlanda, Itália e outros países da Europa e do mundo. Outro comprador de algodão Horita e SLC é o Jamuna Group, um dos maiores conglomerados industriais de Bangladesh. De janeiro a agosto de 2023, as lojas da Zara na Europa já haviam vendido 235 milhões de euros em jeans e outras roupas de algodão fabricadas pela Jamuna em Bangladesh, ou seja, aproximadamente 21.500 pares de calças por dia. A Inditex importa artigos fabricados pela Jamuna para Espanha e Holanda, de onde os distribui para suas lojas Zara, Bershka e Pull&Bear em toda a Europa. A paquistanesa Interloop, cliente da Horita e da SLC, enviou cerca de 30 milhões de pares de meias de algodão para a H&M de países como Alemanha, Suécia, EUA, Bélgica, Espanha, Reino Unido, Itália e Holanda em 2023.
Como parte de seus esforços para garantir a sustentabilidade de suas cadeias produtivas, tanto H&M quanto Zara se baseiam em um sistema de certificação ética que apresenta falhas graves, a iniciativa Better Cotton (BC).6 A maioria dos produtos de ambas as empresas é feita com algodão certificado BC, o que as torna, de longe, as maiores usuárias mundiais de algodão com esse selo de aprovação. O Brasil produz a maior quantidade mundial de fibra licenciada pela Better Cotton, ou 42% do volume global.
Porém, a Earthsight encontrou um problema flagrante em tudo isso: o algodão que associamos a violações ambientais e fundiárias na Bahia exibia o selo Better Cotton, o que não chega a ser surpreendente. A BC já foi acusada diversas vezes de promover lavagem verde (greenwashing) do algodão e criticada por não permitir a rastreabilidade total das cadeias.
Embora a Better Cotton esteja implementando novas normas e procedimentos, o esquema todo continuará profundamente falho e ineficiente. A exigência de que um produtor cumpra as leis locais é excessivamente vaga e nada diz sobre propriedade da terra ou disputas fundiárias. Uma nova proibição da conversão de ecossistemas naturais após dezembro de 20197 não aborda o desmatamento ilegal ocorrido antes dessa data. Seu novo sistema de rastreabilidade, a ser implementado nos próximos anos, também é lamentavelmente inadequado, uma vez que só consegue rastrear o algodão até o país de origem, e não até as fazendas onde o algodão foi plantado. As regras sobre a mitigação de danos aos povos indígenas e tradicionais aplicam-se apenas às comunidades fora dos limites das fazendas, ignorando as violações contra aqueles cujas terras foram roubadas. Por outro lado, os critérios destinados a proteger as comunidades locais dentro dos limites das fazendas não exigem que os fazendeiros obtenham seu pleno consentimento para projetos que afetem seus meios de subsistência.
A Earthsight também identificou falhas preocupantes nos sistemas de certificação e conformidade da BC. No Brasil, a associação nacional de produtores de algodão (ABRAPA) é responsável pelo programa de certificação, o que constitui um grave e evidente conflito de interesses. Problemas semelhantes existem em processos de auditoria pagos justamente pelas empresas a serem auditadas.
Atualmente, H&M e Inditex não dispõem de políticas e ferramentas para compensar as deficiências da iniciativa BC. A política de direitos humanos e sustentabilidade da H&M não aborda os direitos das comunidades ou o desmatamento. Os compromissos ambientais da Inditex não parecem valer para seus fornecedores de algodão. A Better Cotton e todas as empresas mencionadas no relatório foram procuradas para comentar. As respostas podem ser vistas ao longo do relatório e acessadas na íntegra aqui.
Foto: Thomas Bauer/Earthsight
Regulação nos países consumidores
Uma vez que o sistema de certificação é ineficaz e as grandes marcas de vestuário são incapazes de garantir a lisura de suas cadeias produtivas, é fundamental que os governos adotem medidas robustas de regulação e fiscalização dos setores do algodão e da moda. Felizmente, governos dos dois lados do Atlântico estão começando a perceber a importância dessas medidas.
Na UE, a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), se promulgada, exigirá que as grandes empresas que atuam no bloco, como H&M e Inditex, identifiquem e minimizem os impactos adversos de suas cadeias produtivas sobre os direitos humanos e ambientais.
No entanto, a decisão de última hora da Alemanha de retirar seu apoio à CSDDD em fevereiro de 2024, depois de extensas negociações entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu, não apenas quase sepultou a lei mas acabou levando ao enfraquecimento do texto, restringindo gravemente a sua aplicabilidade. A mudança de posição do governo alemão –contrária as práticas da UE – foi impulsionada pelo partido “pró-negócios” FDP, um parceiro minoritário no governo de coalizão do país que tem recebido doações de empresas que possivelmente serão afestadadas pela CSDDD. Embora a CSDDD esteja longe de ser perfeita, sua aprovação pode trazer a tão necessária responsabilização de algumas das cadeias produtivas europeias.
O Regulamento sobre Desmatamento da UE (EUDR) entrou em vigor em junho de 20238 e exige que as empresas rastreiem seus produtos até a terra onde as matérias-primas foram produzidas. Exige também que a produção seja livre de desmatamento e tenha acontecido de acordo com a lei.
O EUDR tem, no entanto, uma séria limitação: ele não abrange nem o algodão nem os produtos feitos de algodão.
No Reino Unido, foi promulgada uma nova lei, o Environment Act,9 para regular o consumo de produtos que representam risco florestal, como a carne bovina e a soja. Nos EUA, um projeto de lei chamado FOREST Act foi apresentado ao Congresso. No entanto, essas leis também sofrem de limitações consideráveis: elas cobrem apenas o desmatamento ilegal10 e não incluem o algodão.
Os EUA, o Reino Unido e a UE devem estabelecer metas mais ambiciosas. A CSDDD deve ser e aprovada pelo Conselho e o pelo Parlamento Europeu. Os países membros da UE que buscavam uma legislação mais forte devem também considerar aprovar leis nacionais que sejam ainda mais robustas. A lei ambiental do Reino Unido (Environment Act) e o EUDR devem passar a incluir o algodão. Nos EUA, também deveria ser considerada a inclusão do algodão no projeto do FOREST Act. Acima de tudo, é fundamental que todas essas leis sejam devidamente implementadas e aplicadas, algo que ainda está longe de acontecer.
Ação no Brasil
No Brasil, o governo federal apresentou um plano chamado PPCerrado para reduzir o desmatamento no Cerrado. Entretanto, o plano visa apenas o desmatamento ilegal, ignorando aquele autorizado pelos governos locais e deixando a porta aberta para políticas insustentáveis em nível municipal e estadual.
Sucessivos governos da Bahia publicaram resoluções que solapam as disposições constitucionais do estado sobre a proteção ambiental e das comunidades tradicionais. A Bahia não conseguiu mapear todas as terras públicas do estado a fim de conceder direitos fundiários às comunidades tradicionais que as habitam. O número de licenças de desmatamento disparou, com autorizações de supressão de vegetação sendo emitidas para mais de 750.000 hectares entre 2012 e 2021.
O governo federal deveria implementar um plano para interromper todo o desmatamento em grande escala no Cerrado, não apenas o desmatamento ilegal. O governo da Bahia deveria cumprir o seu mandato constitucional e mapear todas as terras públicas do estado para garantir que sejam preservadas e que as comunidades tradicionais desfrutem plenamente de seus direitos. Essa série de retrocessos nas políticas ambientais deve ser revertida imediatamente.
O que as marcas de roupas e o setor de algodão devem fazer
O setor privado também precisa agir.
A Better Cotton deve exigir que as fazendas certificadas obtenham de forma proativa o consentimento das comunidades tradicionais e dos povos indígenas para todas as atividades que os afetam, estejam as terras dessas comunidades dentro ou fora dos limites das fazendas. As regras sobre o desmatamento devem proibir o cultivo de algodão certificado em terras que foram desmatadas ilegalmente antes de dezembro de 2019. Conflitos de interesses devem ser solucionados, com a garantia de que a certificação e as auditorias serão conduzidas por agentes imparciais.
Além de fortalecer suas normas, a Better Cotton também deve implementar um sistema de rastreabilidade eficiente e fiscalizar seu cumprimento. H&M, Zara e outras grandes varejistas devem pressionar a BC para avançar nesse sentido. Até que isso aconteça, as empresas devem ir além da utilização de esquemas de certificação para garantir que seus produtos tenham uma origem ética, instituindo verificações e políticas próprias mais rigorosas.
Referências e notas de rodapé completas aqui
Acesse o relatório publicado originalmente em Earthsight