Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Regional Roraima, Observatório do Clima e ICMBio
Legenda: Fogo avança em Roraima e atinge terras indígenas, como a Yanomami (Foto: Associação Hutukara)
Famílias acompanhadas pela CPT em Roraima estão sendo testemunhas de uma realidade de escassez e dificuldades para a sobrevivência, nestes primeiros meses de 2024. A estação seca no estado geralmente se estende de dezembro a abril, porém a atual situação é anormal. Como afirma o agricultor familiar Antônio Nascimento, da vicinal 09 do assentamento Caxias, município de Cantá, próximo a Caracaraí, “são dias em que o céu amanhece encoberto, e a gente pensa que é nevoeiro, que vai chover, mas é fumaça.”
“Na nossa região, o fogo está até sendo pacífico, mas a dependência de água é muito grande. Os buracos estão secando, os pastos, e a maior parte das pessoas que tinham água armazenada estão sem água, só os que conseguiram fazer poço artesiano, por um programa da prefeitura que garantia poço. Eu preciso encher a minha caixa quatro vezes por dia, pra irrigar os pés de melancia e abastecer a pocilga, mas ficamos com medo de secar e a bomba queimar, porque está só secando,” afirma o agricultor.
Dados divulgados no final de fevereiro pelo serviço climatológico europeu Copernicus, mostram que as emissões de CO2 por queimadas em Roraima atingiram o nível mais alto para fevereiro em 22 anos. Estima-se que até o dia 27/02, foram jogadas na atmosfera 2,3 megatoneladas de CO2, o que representa mais da metade do total emitido pelo país inteiro em queimadas (4,1 megatoneladas) no mesmo período.
Ao todo, foram identificados 2.001 focos de incêndio no estado em fevereiro, um número 12 vezes maior do que o registrado no mesmo mês em 2023. Os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontam que este é o pior fevereiro desde 1999, primeiro ano completo da série histórica de monitoramento iniciada no segundo semestre de 1998. A primeira posição para o mês era de 2007, quando 1.347 focos foram registrados. Em comparação com todos os meses do ano, fevereiro de 2023 fica atrás apenas de março de 2019, que teve 2.433 focos.
Brigadistas do ICMBio combatendo incêndio em unidade de conservação - Foto: Acervo NGI Roraima
Dona Nazaré, agricultora familiar do assentamento Flor do Buriti, município de Bonfim, já na fronteira com a Guiana, passa por maiores dificuldades, com a falta de água e as queimadas: “Estamos passando um perrengue muito grande com fogo, queimada, fumaça, plantação secando, os poços, o cacimbão e o açude, tudo seco. Não sei como vai ser pra a gente sobreviver. Estou de volta para o meu lote, mas não posso tirar água do meu poço artesiano, porque quando tiraram a terra de nós, taparam e jogaram um monte de pedra e terra dentro. Também não estamos com energia no assentamento, porque foi tirada de nós.”
O caso de Roraima fez com que toda a Amazônia brasileira também tivesse o fevereiro mais quente. O número total de focos no bioma alcançou 2.940. Até então, o recorde era de 2007, com 1.761 focos de incêndios em toda a Amazônia brasileira. As mudanças climáticas e o desmatamento são fatores que dificultam ainda mais a sobrevivência, incluindo as populações ribeirinhas e as cidades que dependem do Rio Branco, o principal manancial de água que banha o Estado e que está em níveis bem abaixo do normal.
A realidade também é compartilhada por Oriel França, agricultor familiar da vicinal 29 do Assentamento Anauá, município de Rorainópolis: “Aqui nós temos dois poços, um pra usar na horta, que é esse com a água amarelada, e outro que cavei e não tinha água de jeito nenhum. aí cavei mais, mas tem bem pouca água, aí vamos pegando de pouquinho durante o dia.”
O agricultor Oriel França mostra a água utilizada para a irrigação da horta. Foto: acervo da comunidade / CPT Roraima
Os incêndios atingem principalmente a Estação Ecológica Niquiá (214 hectares), o Parque Nacional do Viruá (855 hectares) e Floresta Nacional de Roraima (3.799 hectares), que tem contado com brigadistas do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio e do Prevfogo/IBAMA, com o apoio da CIPA – Companhia Independente de Policiamento Ambiental da Polícia Militar de Roraima. Os incêndios atuais também já atingiram Terras Indígenas, como a Yanomami.
Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas e diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) explica: “É normal que a Amazônia lidere em disparada a área queimada no início do ano, por conta da estação seca de Roraima acontecer justamente nesse período. Entretanto, esse ano houve o agravante da seca extrema, que retardou e diminuiu a quantidade de chuva, deixando a região ainda mais inflamável”. A coordenadora também aponta que, além do Brasil, a tendência de aumento nos focos de calor também atinge outros países amazônicos como Colômbia e Venezuela, sendo sinais de desequilíbrio no clima.
A CPT tem feito contato com as lideranças para fazer um levantamento das comunidades atingidas, incluindo a região do baixo Rio Branco, que tem grande presença de comunidades ribeirinhas. Agora, as comunidades esperam o projeto da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH), que pretende cavar poços nas propriedades, dependendo de documentações de licença ambiental. “A principal dificuldade é a alimentação, principalmente para os agricultores, que dependem de água pra plantar, e sem água, não tem como as plantas prosperarem. Até meus coqueiros estão morrendo com a falta de chuva, porque não tem água no cacimbão. Mas eu creio que Deus irá prover todas as coisas”, afirma dona Nazaré, esperançosa.