21 “amici curiae” – amigos da Corte – manifestaram-se contra a tese do marco temporal no plenário do STF; ministros iniciam votação nesta quarta (8). A análise do caso deve trazer uma posição definitiva da Suprema Corte sobre a tese ruralista do "marco temporal"
Texto: Asessoria de Comunicação do Cimi
Foto: Foto: Marina Oliveira/Cimi
Nos dias 1º e 2 de setembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviram as sustentações orais no processo que trata da demarcação de terras indígenas. Com grande diversidade de vozes e argumentos, 21 amici curiae – “amigos da Corte” – utilizaram seu espaço no plenário para apresentar argumentos em defesa dos direitos constitucionais indígenas e contra a tese do chamado “marco temporal”.
A análise do caso que deve trazer uma posição definitiva da Suprema Corte sobre a tese ruralista do “marco temporal” iniciou no dia 26 de agosto, com a leitura do relatório pelo ministro Edson Fachin, relator do processo.
Por falta de tempo, a sessão foi encerrada naquele dia, mas com a garantia do presidente do STF, Luiz Fux, de que se tratava de uma pauta “muito importante” e seriam decididos naquela semana ou nos “dias subsequentes”.
Assim, as duas sessões seguintes foram ocupadas pelas sustentações orais das partes diretamente envolvidas no processo, dos amici curiae – “amigos da Corte”, organizações e instituições que auxiliam as partes e fornecem subsídios para que os ministros formem seus votos – e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se manifesta obrigatoriamente em processos envolvendo a temática indígena.
Com status de “repercussão geral”, o processo trata, no mérito, de uma ação possessória envolvendo a Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, em Santa Catarina.
Assim, as primeiras sustentações orais, com 15 minutos cada, foram as do Instituto do Meio Ambiente do estado de Santa Catarina (IMA), que propôs a ação possessória contra os indígenas; dos advogados do povo Xokleng, alvo da ação original; e da Advocacia-Geral da União (AGU), representando a União.
O povo Xokleng, admitido como parte no processo, foi representado pelos advogados Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e Carlos Marés, professor.
Depois, manifestaram-se 34 amici curiae, 21 dos quais favoráveis aos povos indígenas e 13 representando entidades ruralistas, que se manifestaram contrárias aos direitos constitucionais indígenas e favoráveis à tese do marco temporal.
Após as manifestações dos amici curiae, o Procurador-Geral da República Augusto Aras defendeu a manutenção da posse dos Xokleng na área, mesmo antes da conclusão da regularização da terra indígena, e a favor da validade da demarcação, sem a aplicação de nenhum marco temporal.
Com a conclusão das sustentações orais no dia 2 de setembro, a expectativa é que os ministros do STF comecem a votação propriamente dita, iniciando pela leitura do voto do relator, Edson Fachin. Também há a possibilidade de um pedido de vistas por parte de algum ministro, o que resultaria na interrupção e no adiamento da votação.
Veja as sustentações orais dos advogados do povo Xokleng e dos amici curiae favoráveis aos povos indígenas abaixo – ou clique aqui para acessar a playlist completa no youtube:
Diversidade em defesa dos direitos indígenas
As 21 organizações “amigas da Corte” que fizeram sustentação oral favorável aos povos indígenas apresentaram diversos argumentos técnicos e jurídicos contra a tese do marco temporal, que busca restringir o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras, e em defesa da teoria do indigenato, que caracteriza o direito indígena à terra como um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
Também foram apresentados elementos que reforçam a importância das terras indígenas para a preservação das florestas e do meio ambiente e que desmontam o argumento ruralista de que há “terra demais” para os povos indígenas – o que, supostamente, inviabilizaria a produção de alimentos no país.
Além de organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, foi histórica a participação de advogados indígenas no processo.Samara Pataxó, Eloy Terena, Ivo Macuxi e Cristiane Soares Baré fizeram sustentações orais contra a tese do marco temporal e em defesa do direito constitucionais indígenas.
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“O nosso papel enquanto advogados é levar a voz dos povos indígenas na condição de profissional, mas também trazendo o que a gente já faz em nossas bases, que é a defesa dos direitos dos povos nos nossos estados e também mostrando que hoje estamos em um patamar que há investimentos na qualificação dos indígenas em diversas áreas, como uma possibilidade de trazer retornos às nossas lutas, nossos povos e nossos direitos”, destacou Samara Pataxó, que é coordenadora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e representou o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) no processo.
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No lado favorável aos direitos indígenas, a maioria das sustentações orais foi feita por mulheres. Além disso, a diversidade também foi marcada pela presença de três advogados formados por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), voltado a promover educação para trabalhadores e trabalhadoras do campo.
“Quero iniciar dizendo a vossas excelências que sou advogada popular, sou indigenista e sou formada em uma turma para beneficiários da reforma agrária, e é com muito orgulho que hoje defendo o direito dos povos originários desse país”, afirmou Alessandra Farias Pereira, que fez a sustentação oral em nome do Greenpeace Brasil.
Além de Alessandra, Anderson Santos, que representou a Aty Guasu – grande assembleia Guarani e Kaiowá, e Rafael Modesto dos Santos, um dos advogados do povo Xokleng, também são egressos do programa. Ambos são assessores jurídicos do Cimi.
O lado ruralista
Foram 13 manifestações de “amigos da Corte” contrários aos direitos dos povos indígenas, quase todas de organizações ruralistas, sindicatos rurais patronais. Também defenderam esta posição o estado e dois municípios de Santa Catarina.
A posição ruralista também foi apoiada pela AGU, que defendeu a aplicação do marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas. A posição da AGU entrou em contradição com a manifestação inicial da Funai, que originalmente havia recorrido da ação possessória contra os Xokleng e era uma aliada dos indígenas no processo. Já sob o governo Bolsonaro, o órgão indigenista abriu mão de se posicionar no julgamento – e, na prática, favoreceu os ruralistas.
Confira a lista dos amici curiae favoráveis aos povos indígenas e dos advogados e advogadas que fizeram as sustentações:
- Articulação Dos Povos Indígenas Do Brasil (Apib) – Eloy Terena
- Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) – Samara Pataxó
- Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) – Paulo Machado Guimarães
- Defensoria Pública da União (DPU) – Bruno Arruda, defensor público federal
- Associação Juízes para a Democracia (AJD) – Deborah Duprat
- Instituto Socioambiental (ISA) – Juliana de Paula Batista
- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Cezar Britto
- Conselho Indígena de Roraima (CIR) – Ivo Macuxi
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) – Cristiane Soares de Soares
- Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) – Dailor Sartori Junior
- Conectas Direitos Humanos – Julia Mello Neiva
- Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) – Luisa Musatti Cytrynowicz
- Estado do Amazonas – Daniel Pinheiro Viegas, procurador estadual do Amazonas
- Greenpeace Brasil – Alessandra Farias Pereira
- Centro de Trabalho Indigenista (CTI) – Aluísio Azanha
- Indigenistas Associados (INA) –Camila Gomes de Lima
- Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Paloma Gomes
- Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – Anderson Santos
- Povo Xakriabá – Lethicia Reis de Guimarães
- Povos Apãnjekra Canela, Memortumré Canela e Akroá-Gamella – Lucimar Carvalho
- Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) – Chantelle Teixeira