No último dia 13, na região de Nova Mutum, distrito do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia, uma operação policial ceifou a vida de três trabalhadores rurais sem-terra, dois deles membros da mesma família, e um jovem amigo da família. Segundo informações, além dessas três mortes, cinco pessoas ainda estão desaparecidas. A área onde aconteceu mais esta tragédia rondoniense, está situada nas proximidades da região do Acampamento Dois Amigos e do Acampamento Thiago dos Santos, em União Bandeirantes, distrito do município de Porto Velho. O fato ocorreu na área da Fazenda Santa Carmem, um latifúndio ocupado em janeiro de 2021 e que tem registrado diversos atos de violência na região de Nova Mutum-Paraná, norte de Rondônia. A CPT RO divulgou nota em repúdio à intervenção e ao cenário brutal no Estado.
Leia a carta na íntegra:
Carta de Repudio à Intervenção da Força Nacional no estado de Rondônia – RO
A atuação do Estado Brasileiro no desmonte das políticas públicas - agrárias e socioambientais - com nítido incentivo aos processos de Regularização Fundiária a favor dos grileiros de terras e das empresas do Agronegócio, tem se desdobrado em práticas de violência cometidas contra povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais. Tais povos devem ser vistos como povos de resistência da terra, da água e do território, entretanto vêm sendo vítimas de graves violações de direitos humanos.
Os dados do relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, registrados pela CPT, lançado no dia 31 de maio, em âmbito nacional e no dia 13 de agosto, em âmbito estadual (RO), expõem os números relacionados à realidade de violências contra os povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas, deste último ano. Destaca-se a posição do estado de Rondônia como um dos estados com maior número de ‘Violência contra a Pessoa’, ações de torturas, prisões e agressões físicas. Ao todo foram 55 mil pessoas envolvidas em conflitos no estado de Rondônia, sendo 38 pessoas presas, 18 ameaças de morte, 5 torturados e 1 assassinada.
Esse cenário tem causado grandes preocupações ao conjunto da sociedade civil organizada no seu compromisso na defesa da vida e dos direitos dos lutadores e lutadoras sociais. Concomitantemente, para agravar a situação, o Ministério da Justiça autorizou o envio da Força Nacional para atuar em Rondônia por 90 dias. O destacamento chegou ao Estado em 15 de junho e já executou diversas ações sob a alegação de combater supostas organizações criminosas que invadem propriedades particulares rurais.
No cumprimento ao exercício para proteção dos direitos do cidadão a Procuradoria Federal do Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), encaminhou ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ) no último dia (22) de Junho, reiterando pedido de informações sobre o uso da Força Nacional de Segurança (FNS) contra movimentos de luta camponesa em Rondônia.
Deste histórico de violência contra a luta camponesa, constata-se a instauração de um cenário organizado pelo Estado pautado no agravamento aos conflitos no campo, reflexo da política negacionista e violenta implementada pelo atual governo brasileiro que dissemina o ódio contra as minorias e incentiva a criminalização da Luta pela Terra.
Em decorrência a esta ação do Estado acobertada pelo manto da “falsa justiça para o campo”, no último dia 13 de agosto de 2021, infelizmente, novo massacre aconteceu em solo rondoniense, dessa vez no Acampamento Ademar Ferreira, na região de Nova Mutum, distrito do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. O ato fatídico, que ceifou a vida de três (03) trabalhadores rurais sem-terra, Amarildo Aparecido Rodrigues, Amaral José Stoco Rodrigues, Kevin Fernando Holanda de Souza, membros da mesma família, sendo pai e filho mortos em mais esta ação que escancara a real intenção do Estado brasileiro, em específico do governo de Rondônia, de disseminar o ódio contra o povo do campo, o povo sem-terra. Sonhos foram interrompidos, a terra foi manchada com sangue inocente. Além dessas mortes, há informações de cinco (05) pessoas que ainda estão desaparecidas, causando imensa aflição aos seus familiares.
Salientamos que logo após o anúncio desta operação com o emprego da Força Nacional, organismos e movimentos sociais se manifestaram prontamente contra esta manobra do Estado, visto que, já temiam que cenários como este, do dia 13 de agosto, pudessem acontecer. Ao longo dos últimos meses, temos observado o aumento no número de despejos, maior violência no campo, e agora, lamentavelmente, novas mortes devem ser contabilizadas para este governo regido por uma necropolítica.
As organizações abaixo assinam, se solidarizam e repudiam veementemente as ações do Estado de Rondônia e da força nacional, reafirmando que a paz no campo se faz com a garantia do direito à vida, fundamentalmente o acesso ao território e dignidade dos povos, comunidades tradicionais e camponesas.
Porto Velho, 16 de agosto de 2021.
Assinam a Carta:
Comissão Pastoral da Terra - Regional Rondônia
Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Luciana Riça Mourão Borges - GEPE-Front/UNIR
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH Brasil
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil