Desde terça-feira (13/06), os trabalhadores voltaram ao local do crime, onde constroem acampamento para continuar a luta dos que se foram. A tristeza ainda surge rapidamente ao falar sobre o que ocorreu, mas não paralisa as enxadas e facões, que cavam buracos, cortam madeiras e começam a erguer as casas de lona na qual ficarão até conseguirem a garantia de seus direitos.
(Fonte/Imagem: Justiça Global).
As lembranças dos sacos plásticos ainda são recentes para as mulheres e homens que montam acampamento em uma estrada de chão no município de Pau D’arco, no Sul do Pará. No dia 24 de maio, eles viram passar dentro deles os corpos de dez companheiros na luta pelo direito à terra, jogados atrás de caminhonetes da Polícia Militar. As imagens dos corpos e a forma como eles foram retirados do local onde ocorreu o maior massacre no campo nos últimos 20 anos, entretanto, não significou para familiares e amigos um aviso para desistir. Pelo contrário, desde terça-feira, eles voltaram ao local do crime, onde novamente constroem acampamento para continuar a luta dos que se foram. A tristeza ainda surge rapidamente ao falar sobre o que ocorreu, mas não paralisa as enxadas e facões, que cavam buracos, cortam madeiras e começam a erguer as casas de lona na qual ficarão até conseguirem a garantia de seus direitos.
“Eu não vou dizer que uma fazenda vale uma vida, quem dirá dez vidas, mas eu estou aqui por justiça, para honrar minha família”, diz, segurando as lágrimas, Giodeth Oliveira dos Santos. Entre os dez mortos, sete eram seus parentes. O marido, quatro sobrinhos, uma cunhada e um cunhado. “Eles foram escorraçados daqui, mortos e levados nesses sacos de qualquer jeito. Eles estavam lutando por um pedaço de terra, então nada mais justo do que eu estar aqui. Eles pensaram que a luta tinha acabado quando mataram minha família, mas não é assim. Voltamos aqui para lutar mais e para garantir o direito por essa terra”, afirma.
LEIA MAIS: Massacre no Pará está ligado à conjuntura política pós-impeachment, diz Osmar Prado
ONU e CIDH condenam chacina em Pau D'Arco
Ato denúncia: “É como se alguém tivesse licença para nos caçar e nos matar”
O acampamento cresce a cada dia, exatamente à margem dos 5.694 hectares da Fazenda Santa Lúcia, que foi ocupada inicialmente em 2013 e, desde então, segue em disputa, com uma série de reintegrações de posse e novas ocupações. No último dia 24, o objetivo não era nem uma reintegração, mas cumprir mandados contra os trabalhadores rurais, que estavam sendo criminalizados pela morte de um segurança da fazenda. A operação feita pelas polícias militar e civil, entretanto, foi de execução, segundo relatam testemunhas e também as provas que começam a surgir do caso.
Na divulgação do laudo pelo diretor do Centro de Perícias do Estado do Pará, Orlando Salgado Gouveia, ele foi categórico: “Em nenhum dos coletes (dos policiais) foram constatados impactos de projétil de armas de fogo”. Da mesma forma, a perícia divulgada nesta quarta-feira, dia 14, comprova que não havia marcas de balas nos carros dos policiais, nem qualquer outra evidência concreta de um confronto entre os trabalhadores e os policiais. Ainda faltam os laudos das 53 armas que os agentes públicos portavam, o que ajudará a descobrir os autores dos disparos contra as dez vítimas, porém já é certo de que todos foram mortos pela frente, com exceção de Jane Julia de Oliveira, cunhada de Giodeth, que foi morta com um tiro lateral.
Ao todo, há 151 famílias registradas pela associação de trabalhadores que reivindicam o uso do solo, sendo que, desde o massacre, os contatos com todas ainda não retornou. Acredita-se que muitas inclusive podem desistir do território com medo de retaliações futuras. O histórico de luta pela Fazenda Santa Lúcia é marcado por ações truculentas do Estado. Já houve casos de casas derrubadas por tratadores da família dona do território – cujo título de propriedade também é questionado pelos trabalhadores rurais – e uso irregular de policiais militares nas operações. Em tese, desde o massacre de Eldorado dos Carajás, a remoção de famílias de terras ocupadas deve ser feita pelo Comando de Missões Especiais de Belém, especializado em lidar com essas situações. Essa determinação do governo do estado, todavia, vinha sendo descumprida pela Justiça, tanto anteriormente como no dia do massacre de Pau D’Arco, quando estranhamente participaram da ação PMs de três batalhões, assim como policiais civis de duas delegacias diferentes.
Para garantir que o acampamento não seja alvo de novos ataques, os ocupantes estão se organizando. O território ocupado atualmente é uma via que fica dentro de uma área do Incra. Além disso, eles contam com apoio da Liga dos Camponeses Pobres, movimento nacional de luta pela reforma agrária. O trabalhador rural Rosenilton Pereira de Almeida espera que, ao mostrar que eles não desistiram da terra, o poder público finalmente atenda as demandas do grupo. “Não podemos recuar, pelos nossos companheiros que se foram, e temos que mostrar ao latifúndio que não pode ser como eles querem”, disse Rosenilton.