COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Frei Henri, francês que chegou ao Brasil na década de 1970, viveu e lutou neste país ao lado de muitos e muitos trabalhadores e trabalhadoras. Advogado do povo, Henri faleceu em Paris, na França, no dia 26 novembro de 2017. Após a cerimônia de cremação, a urna com as cinzas do religioso passou por inúmeros momentos celebrativos e demais eventos em terras brasileiras, principalmente no Pará. Neste estado, onde o dominicano dedicou muitos anos de sua vida, uma capela para abrigar suas cinzas foi construída no acampamento que carrega o seu nome.

Confira também as diversas histórias de pessoas que conheceram e conviveram com Henri.

 

Por Elvis Marques – Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT

Imagens: Thomas Bauer – CPT Bahia

Assenta tijolo aqui, aterra ali, mede, soca a terra, passa tinta nas paredes, assenta pedras de granito, retrata o povo sem-terra e Henri nas paredes, crianças olham atentas, comida é preparada. Os últimos dias no Acampamento Frei Henri, situado no município de Curionópolis, no Pará, foram de muito trabalho para todos e todas. Um esforço realizado em mutirão, algo que com certeza o religioso ficaria muito contente em ver. Todos e todas ali em torno de um objetivo: construir a “eterna morada do Frei Henri”, como disseram várias e várias pessoas no último dia 14 de abril.

Veículos e mais veículos chegavam ao acampamento. Motos, gente a pé, micro-ônibus, e por aí vai. Intensas movimentações assim por essas bandas só eram vistas em tempos de reintegrações e/ou expulsões das famílias dessa comunidade. Mas não para por aí: a juventude que estava acampada na Curva do S, em Eldorado dos Carajás, para fazer memória e denunciar os 22 anos do maior massacre do país, fechou uma faixa da rodovia e chegou ao acampamento em marcha, entoando cantos de luta e palavras de ordem.

No acampamento, gente de todos os lugares do país e do mundo. Crianças, homens, mulheres, jovens. As histórias com Henri são muitas e independe da questão geracional (Confira abaixo). Muita gente teve o prazer de conviver com esse ser humano. Ato religioso, depois um Ato Político, entrega de honrarias e depois, claro, um grande almoço no Acampamento Frei Henri. Muita fartura nas mesas, que alimentaram centenas de pessoas que foram ali, na ocupação, para celebrar o Henri.

Alain Burn de Roziers, sobrinho de Henri, veio ao Brasil para acompanhar todas as cerimônias em homenagem ao seu tio. Ele, apesar de não falar português, demonstrou, para as centenas de pessoas presentes no evento, que conhece muito sobre a vida de seu tio nesta terra, principalmente sobre a entidade que o religioso dedicou a vida, a CPT.  

Xavier Plassat, membro da coordenação da Campanha Nacional da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo e confrade de Henri, foi o responsável por conectar os dois idiomas. “Através de seus amigos, ou seja, através de vocês, que eu venho descobrindo realmente o trabalho do Henri. Eu conhecia o trabalho da Comissão Pastoral da Terra. Mas encontrar com vocês, cruzar com vocês, na terra de vocês, para mim é algo muito forte. A luta que o Henri travou aqui no Brasil, no Pará, eu vou tentar levá-la e partilhá-la na França, pois lá também precisamos levantar”, disse Alain.

No início da tarde, após o término do Ato Religioso, a urna com as cinzas de Frei Henri seguiu, nas mãos de Aninha (Ana Souza Pinto), agente histórica da CPT em Xinguara, e Frei José Fernandes, Provincial dos Dominicanos, para a Capela construída pela comunidade para ser a eterna morada do religioso. “Frei Henri está presente, pois a gente até sente o pulsar do seu coração”, entoavam os/as jovens – palavras que logo ganharam a força da multidão ali presente.

“Apaixonado por Justiça” – “Vocês acham que conhecem o Henri”, indagou, para todos e todas presentes no acampamento, frei Xavier Plassat, que apresentou o livro “Apaixonado por Justiça” ao povo. Publicado originalmente na França, a publicação foi traduzida e adaptada para a língua portuguesa por Xavier, Carolina Motoki e Igor Rolemberg.

Plassat destaca que a publicação traz bons textos de autoria do próprio Henri. “Inclusive um texto na íntegra sobre os sonhos dele. E várias cartas que ele escreveu aos seus amigos contando sobre os mistérios que descobria no Brasil”, afirma. Além disso, o livro foi atualizado com as várias manifestações de carinho, cartas, depoimentos e testemunhos após sua morte. “Nós achamos por bem colocar alguns desses materiais no livro”, completa Xavier.

Reconhecimento – A Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), criada em 2013 pela presidenta eleita Dilma Rousseff (PT), aprovou, por unanimidade, e concedeu o primeiro título de Doutor Honoris Causa – pós-mortem da instituição a Frei Henri. O reitor Maurílio Monteiro entregou as honrarias para Jeane Bellini, integrante da Coordenação Nacional da CPT, Aninha, e Alain Roziers (imagem acima).

Monteiro explicou que a decisão de entregar a honraria aos cuidados da CPT é uma forma de reconhecer o trabalho da Pastoral da Terra nas regiões sul e sudeste do Pará, onde Henri viveu e atuou. Ao agradecer a homenagem, Jeane lembrou de uma pessoa que gostaria muito de estar presente naquele momento, o Padre Amaro. “O Amaro está na prisão baseada em uma trama cheia de questões completamente contrárias à vida que nós conhecemos desse homem”, ressaltou, e completou: “Padre Amaro Livre!”.

Aninha, que conviveu e trabalhou por anos com Henri, também agradeceu a iniciativa da universidade, e ressaltou a parceira com a instituição de ensino. “Nos sentimos extremamente honrados. E o Henri quando recebia alguma homenagem, ele sempre dizia: ‘O que tem de ser evidenciado não é a pessoa, mas são as grandes causas que essa pessoa assume e defende durante a sua vida. E como já foi dito por muitos aqui, o Henri foi um defensor e lutador das grandes causas da humanidade. Direito à vida, direito à alimentação, à terra, ao território, à liberdade, à dignidade, e à solidariedade. Essa homenagem deve ser um chamamento, para que sejamos cada vez mais militantes dessas grandes causas”, destacou.

Castanheira do Henri – No Acampamento Frei Henri, a ponte que dá acesso às roças da comunidade (imagem abaixo) guarda uma história muito interessante, assim como diversas outras que envolvem o advogado popular. Segundo diversos moradores do acampamento, Henri gostava muito de uma Castanheira enorme e bela, que se destacava entre as casas da ocupação. Na sombra da árvore, comemorou vários aniversários, e sempre que ia ao acampamento, a árvore era parada obrigatória.

                

A ponte construída pelos/as membros do Acampamento Frei Henri, que dá acesso às roças. E o tronco da árvore que caiu um dia após a morte do dominicano.

Crédito: Thomas Bauer - CPT Bahia

Frei Henri faleceu em Paris no dia 26 de novembro, e seu Raimundo Ferreira, conhecido como Neguinho, contou o que ocorreu cerca de 24 horas depois. “A gente recebeu a notícia da morte dele. No dia seguinte, a castanheira caiu”, relatou. Todos e todas no acampamento fazem questão de relatar esse acontecimento e ressaltar a relação que o religioso tinha com a árvore, tradicional da Amazônia. “Ele falava para as crianças que quando morresse queria ser enterrado debaixo da castanheira”, conta Ferreira.

Após o fato, parte da grande árvore que Henri tanto gostava, cerca de 10 metros, foi utilizada para ligar o acampamento aos alimentos produzidos pelas famílias. “Construímos uma ponte sobre um córrego que corta a comunidade para nosso povo passar para ir para as roças do acampamento. É um orgulho a gente aproveitar uma coisa que ele tinha muito carinho”, afirma o acampado.

Antes da ponte, as famílias, para acessarem as plantações, precisavam fazer um percurso maior e mais arriscado: saiam da área, passavam pela rodovia movimentada e só depois que chegavam na roça. “E hoje a gente nem precisa sair do nosso acampamento”, completou seu Raimundo. O restante do tronco da castanheira será usado para decorar a Capela dedicada a Henri.

Confira abaixo algumas histórias de pessoas cuja suas vidas se cruzam com a de Henri:

“Para o Frei Henri, nós erámos uns guerreiros que estavam lutando para sobreviver”

Raimundo Ferreira, conhecido como neguinho, 70 anos, é membro do Acampamento Frei Henri desde 8 de agosto de 2010. Piauiense de São José do Peixe, o homem chegou ao Pará em 1977, onde trabalhou por muitos anos como garimpeiro em Serra Pelada. Conheceu Frei Henri em 1998 quando era acampado na Fazenda São Luís, no município de Canaã, no Pará, e o religioso representava juridicamente os acampados e as acampadas. Nos últimos dias, Raimundo ajudou na construção da Capela que hoje abriga as cinzas de Henri.

“Quando eu conheci o Henri foi em uma audiência e eu vivia em outro acampamento, lá no Dina Teixeira, na Fazenda São Luís. Depois, eu o vi no [Assentamento] João Canuto, que era na Fazenda Rio Vermelho, e aí a gente pegou uma relação com ele, pois sempre a gente estava na luta e ele estava entre a gente.

E quando foi no dia 8 de agosto, nós começamos o Acampamento Frei Henri, e ele tinha viajado para a França, muito doente. E a gente pensou que ele não voltaria mais no Brasil, e decidimos fazer isso, botamos o nome dele no acampamento. Inclusive, quando ele voltou para o Brasil, ele falou: ‘É, Neguinho, tu pensou que eu tinha morrido? Eu não morri. Estou aqui. Vim conhecer meu acampamento, e fazer uma surpresa’.

E ele veio três vezes aqui no acampamento. A última vez que ele andou aqui nós estávamos com três anos de acampamento e era aniversário dele. Fizemos uma festa grande, debaixo da castanheira, e um bolo. O primeiro pedaço foi para mim, e depois ele saiu distribuindo para as crianças. Ele era muito carinhoso com as crianças.

Nós temos muita consideração e respeito por ele, pois nós sofremos muita discriminação no mundo, pelo Brasil, burguesia, e a mídia. E para o Frei Henri nós erámos uns guerreiros que estavam lutando para sobreviver. Pois eu sou muito satisfeito e tenho orgulho mesmo, de nossas crianças e nosso povo, que são muito felizes aqui no acampamento. E mais felizes ainda nós somos por termos o nome dele em nosso acampamento e por agora ele morar com nós aqui para sempre".

 “Sou filha da luta, da lona preta”

Isabella Moreira tem 23 anos de idade é e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Costuma dizer que cresceu na luta, pois chegou com apenas 6 meses de vida ao então Acampamento Palmares, que depois se tornou assentamento. Sua mãe, na época, era dirigente do movimento social. Hoje reside no Assentamento Dina Teixeira, no município de Água Azul do Norte, no Pará. “Fui forjada na luta”, afirma.

“Eu conheci o Frei Henri numa atividade que a gente fez quando teve a ocupação da Fazenda São Marcos, no município de Parauapebas (PA). Eu ainda era criança, participava apenas do Coletivo de Juventude, tinha de 12 para 13 anos. O Frei Henri era uma figura que transmitia paz, serenidade, amor, compaixão. Eu chego me emociono. O que define ele é isso, uma pessoa comprometida diretamente com a luta, sem distinção de classe, de cor, de sexo.

A passagem dele por lá [pela ocupação] foi rápida, e o meu contato foi pouco, até porque eu não estava ativamente na linha de frente do movimento, pois tinha apenas 13 anos. Mas o que eu carrego dele para mim hoje é isso que descrevi. Uma pessoa extremamente [se emociona].

E agorinha estávamos comentando que geralmente a gente coloca o nome nos acampamentos e assentamentos quando as pessoas já se foram, e ele não, e isso que é massa, a gente quis dar esse presente [o Acampamento Frei Henri] e homenageá-lo em vida. E ele pôde ver a luta aqui do Acampamento Frei Henri, que sofreu muito e vem sofrendo ainda. Eu que fiquei aqui, para a gente dormir, precisávamos fazer uma trincheira de colchões, pois logo ali [aponta para uma baixada] ficavam os pistoleiros. Eu e meus irmãos dormíamos no chão. Foi bem na época do auge do conflito”.

“Que me perdoe os franceses, mas o Frei Henri é um cidadão brasileiro e do mundo”

João Pedro Stédile, 64 anos, é membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Frente Brasil Popular.

“Me sinto muito privilegiado de poder estar convivendo com vocês nesta atividade que nós reincorporamos o nosso querido companheiro Frei Henri à sua verdadeira terra, a qual ele sonhou e lutou a vida inteira. Que me perdoe os franceses, mas o Frei Henri é um cidadão brasileiro e do mundo [aplausos]. Cada um de nós vai registrar esse dia como um fato histórico para a memória das lutas camponesas do nosso País. Sobre Henri, queria apenas dizer duas coisas: como cristãos, nós ficamos sempre rezando, pedindo graças, imaginando como eram os santos. O santo não é aquele que faz milagres, isso é uma invenção romana. Santo é aquele que dá exemplo a vida inteira de forma coerente a favor dos outros. E por isso, seguindo essa tradição Cristã, para os nossos jovens que estão aí acampados [na Curva do S], se quiserem saber como é um santo, é Frei Henri.

Para nós que temos tradição de esquerda e ficamos desde jovens sendo educados em fazer memória a nossos mártires, como que era o Che [Guevara]? Como era o Fidel [Castro]? Como era o Camilo Cienfuegos? Nós ficamos sempre imaginando como é um ser superior, e eu posso lhes dizer que o Frei Henri foi um revolucionário, porque ele quis mudar as estruturas de nossa sociedade e foi coerente a vida inteira. Então, Frei Henri, além de santo, é um revolucionário que toda a esquerda do Brasil deve homenagear".

 

“Um cara que era capaz de se indignar com a dor dos outros”

Antônio Filho, conhecido como Tonhão, 27 anos, já integrou, nos anos de 2014 e 2015, a Campanha Nacional da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, mas hoje atua de forma mais esporádica, já que estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Porto Nacional. Entrou para a equipe da CPT em Xinguara, no Pará, em 2013. Ali, atuou ao lado de Henri.

“Eu conhecia o Henri desde criança. Como ele era um padre atuante não só nos acampamentos, mas também nas comunidades de base de Xinguara, e minha família toda sempre foi das comunidades de base, e sempre tiveram contato com Henri, não com esse cara que conhecemos hoje, lutador, defensor dos direitos humanos, mas um cara religioso.

Então, eu cresci convivendo com ele. Aí fui participar da Pastoral da Juventude, e lá eu passei a ter um contato mais próximo com essa pessoa do Frei Henri, defensor dos direitos humanos. Em 2013, fui chamado para compor a equipe da CPT como agente, e o Henri ainda estava em Xinguara, então foi o momento chave que eu conheci o Henri mais profundamente. Trabalhamos juntos, fizemos várias atividades, conheci o Henri não só religioso, mas que ficava inconformado toda vez que ia acontecer um despejo, o Henri sereno, muito inteligente, estrategista, que pensava todas as saídas para os trabalhadores, o Henri brincalhão, que gostava de fazer muita piada, irônico, e toda ironia dele no fundo tinha um ponto de crítica.

E nesses dois anos em que trabalhamos juntos, nós tivemos algumas experiências interessantes. Acho que uma das mais interessantes, pelo menos para mim, foi quando a gente acompanhou o julgamento sobre o casal que foi assassinado aqui no Pará, o José Cláudio e a Maria do Espírito Santo. Na ocasião, eu vinha acompanhando o Henri porque ele estava meio fragilizado e não conseguia mais viajar sozinho, por exemplo. E passamos a semana juntos, e nesse julgamento eu percebi a dimensão da pessoa do Henri diante do cenário todo, o reconhecimento que ele tinha, o respeito que as pessoas tinham por ele, não só os acampados, mas autoridades, juízes, promotores, jornalistas internacionais.

E eu acho que esse julgamento foi uma coisa muito louca, pois quando foi deferida a sentença que eles condenaram os dois acusados do assassinato e inocentaram o mandante, eu lembro que o Henri voltou para casa super mal. Ele não conseguia acreditar o tamanho da injustiça. Era uma pessoa que não sentia só por ele. O sentimento não era só dele. O sentimento era das pessoas, dos familiares, que foram até o julgamento para fazer um depoimento, que foram pressionados pela defesa dos acusados. Então, o Henri sentia tudo isso, e provocava indignação nele. Era um cara que era capaz de se indignar com a dor dos outros.

Em 2014, o Henri saiu e foi para a França, e isso foi uma coisa muito louca, porque quando ele foi para lá estava com datas para voltar. Eu tive algumas oportunidades de ir na França e visita-lo, e uma coisa que sempre me chamou atenção era a serenidade e o respeito que ele tinha pelo povo, porque ele não se esqueceu de ninguém. Mesmo depois de uns dois ou três anos lá, ele continuava se lembrando de cada pessoa, de cada acampamento, de cada comunidade, perguntando por cada uma delas, mostrando um respeito enorme por esse povo, que provoca aí um respeito de mão dupla”.

“O Frei Henri nos ensinou a brigar contra as injustiças”

Luiz Magno, 40 anos, reside no Assentamento Dina Teixeira, formado há apenas três anos e situado no município de Água Azul do Norte, no Pará. Conheceu Frei Henri desde pequeno, pois foi criado na região de Xinguara, onde o religioso viveu e militou por muitos anos.

“Como eu fui criado em Xinguara, basicamente toda a minha história, se eu for contar, tem alguma coisa relacionada com as histórias do Frei Henri, com a luta dele para libertar pessoas das fazendas por conta de trabalho escravo. E a partir do ano de 2006 nossa história se afinou mais e nos tornamos mais íntimos, porque ele, além de ser um frei que celebrava para nós, também era o nosso advogado. Nós estávamos em contato sempre. Eu enchia o saco dele. Ligava toda hora (risos). Às vezes eu ligava e dizia: ‘Frei, desculpa eu estar ligando aí e incomodando, mas é que eu queria saber como está tal processo’. E ele dizia: ‘Não, meu filho, está tranquilo’.

Uma memória boa dele eram as celebrações, pois elas emocionavam. Ele tinha aquele carisma com as crianças. Quando ele chegava nos acampamentos, as crianças já estavam na portaria para recebe-lo. Então, essa celebração hoje [sábado, 14 de abril] para nós é uma mistura de sentimentos, de saudade, mas, por outro lado, dá uma certeza de que foi um prazer muito grande de ter convivido com ele. Porque nós temos certeza de que ele vai permanecer conosco através da luta, vai permanecer em cada criança que nasce nos acampamentos, seja dos sem terra ou dos sem teto, ele vai estar presente em cada momento, em cada jovem que manifestar sua rebeldia na hora que cortar um arame para ocupar uma terra, no estudante que dedica sua vida para conquistar um espaço na universidade.

O Frei Henri nos ensinou a brigar contra as injustiças. Quando ele nos ajudava nas ocupações, não era com o objetivo de enriquecermos, mas de lutar contra a miséria. Ele pregava o Deus dos pobres. Ou seja, a gente tem de lutar contra a miséria, e não pensar em acumular milhões. O frei sempre nos apoiou para a gente fugir da miséria, por isso a gente enfrenta o latifúndio, pois quando estamos entre o arame do latifúndio e a estrada, a gente está em uma situação complicada de miséria. E quando entravámos, o frei dava o suporte fazendo a nossa defesa.

Para nós, então, ele fará falta, mas sabemos que nesse campo espiritual, ele estará sempre presente em nós, nas crianças, mulheres, homens, jovens, que lutam contra o sistema em busca de liberdade".

“Lutamos por essa terra e por outras também na companhia de Frei Henri”

Izabel Rodrigues Lopes, 53 anos, nasceu em Marabá e sempre viveu nessa região, onde se tornou militante do MST. Contribui com o Setor de Produção do movimento e é trabalhadora rural do Assentamento 26 de março.

“Dentro da luta pela terra nós temos uma pessoa muito especial, que esteve conosco por muito tempo, que é o Frei Henri. A gente o conheceu na luta mesmo, em reunião, seminários, e nas últimas ocupações nossa, na Fazenda dos Quagliatos, em Sapucaia (PA), foi um dos latifúndios que nós ocupamos que deixou o Frei Henri muito alegre porque vários movimentos tentaram ocupar e os “Reis do Gado, como são conhecidos, expulsaram da terra. E nós do movimento escolhemos o 8 de março de 2004, no final das atividades das mulheres, para ocupar aquela área.

E a partir daquele momento o frei tomou a causa para ele, enquanto advogado e Pastoral da Terra, e enquanto ser humano que lutava pela vida, pela dignidade, e por espaço para os trabalhadores naquela terra. Para tirar o capim daquela terra e fazer dela um local de produção de alimentos saudáveis. Lutamos por essa terra e por outras também na companhia de Frei Henri.

E essa área se tornou um assentamento, que se chama João Canuto, que também é uma homenagem a um trabalhador que morreu na luta pela terra. São 150 famílias que estão assentadas e produzindo. Isso é o que nos deixa feliz e faz a gente continuar a luta pela terra e pela reforma agrária aqui na região.

Nós estamos muito felizes por receber as cinzas do Frei Henri e esse acampamento ser sua morada eterna. E brevemente será um assentamento”.

“Mas fica no mundo o meu nome”

Inácio Barbosa, 71 anos, nasceu no Piauí, mas vive no município de Rio Maria, próximo a Xinguara, no Pará, desde 1977. É poeta e presidente de uma associação de idosos. Publicou seu primeiro livro em 2000, com incentivo de Frei Henri, que é retratado em alguns de seus versos. Com uma habilidade nata para compor poemas, ele faz questão de ressaltar que “nunca fui na escola”. O poema abaixo dedicado a Henri deve constar em seu próximo livro. Confira:

Amado filho de Deus

Queremos contigo sorrir

Não ofendendo a ausência

Mas quero pedir licença

Para falar do Frei Henri

 

Deus Cristo fez um convite

E o Frei Henri aceitou

Com certeza não morreu

Somente ele atendeu

O chamado do Senhor

 

Frei Henri sempre dizia

Tudo que tem começo, tem fim

Quando eu morrer a terra come

Mas fica no mundo o meu nome

Para quem quiser se lembrar de mim

 

Frei Henri foi um exemplo

De muito carinho e bondade

Como tudo tem a hora

Despediu-se e foi embora

Deixando muita saudade

 

Frei Henri anotava tudo

Na agenda do pensamento

Quando morrer ser cremado

Os restos mortais colocados

Em dos assentamentos

 

Obrigado Frei Henri

O mundo gravou sua voz

Seu trabalho e aliança

Que nunca sai da lembrança

De tudo que fez por nós.

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