Em denúncia protocolada no Ministério Público Federal (MPF), as lideranças do povo alegam que a depredação ambiental é realizada numa espécie de consórcio entre fazendeiros, madeireiros e donos de carvoarias.
(Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi / Imagens: Guarda Florestal Pykopjê-Gavião)
A Guarda Florestal Indígena do povo Pykopjê-Gavião identificou na última semana mais um ramal madeireiro na Terra Indígena Governador, sudoeste do Maranhão. "O que a gente viu dá pra dizer com certeza que umas três carradas (caminhões) de toras foram retiradas", explica Marcelo Gavião. O município de Amarante é o destino mais habitual da matéria-prima ilegal, abastecendo madeireiras e movelarias.
Em denúncia protocolada no Ministério Público Federal (MPF), as lideranças do povo alegam que a depredação ambiental é realizada numa espécie de consórcio entre fazendeiros, madeireiros e donos de carvoarias. Se por um lado o desmatamento abre espaço para plantios, por outro facilita a ação madeireira e a produção de carvão no interior da terra indígena.
"Os madeireiros dizem que se a gente continuar tentando impedir a retirada da madeira vamos sofrer consequências ruins. Difícil enfrentar: são pessoas que andam armadas, e a gente não", afirma Marcelo Gavião. Fazendeiros também ameaçam. De acordo com a denúncia protocolada junto ao MPF, um deles é Aerton Ferraz, vulgo "Gaúcho", ocupante da terra indígena.
Para os indígenas não se trata de um contexto novo. Em 2011, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), das 20 áreas mais desmatadas no país, cinco estavam no Maranhão. Já em 2013, madeireiros cortaram a energia da Aldeia Nova e colocaram armadilhas na estrada que leva à aldeia. Os Gavião não se intimidaram. Durante ações de fiscalização, apreenderam caminhões e um trator.
"Na rua (cidade de Amarante) a gente sofre também porque nos ameaçam, dizem que não desejam ver cara de índio por lá e tem vez que chegam a não nos vender alimentos. Sair da aldeia pra rua é perigoso, andar na mata é perigoso. Não nos querem na cidade, não nos querem em nossas terras", diz Roberto Gavião. Mais uma vez o povo não se intimida e segue em luta pelo território.
Tanto que em 2015 a organização social Pykopjê-Gavião decide criar a Guarda Florestal. Algumas operações do Ibama/Polícia Federal ocorreram no território, mas logo após a saída das autoridades federais tudo voltou a ser como antes. "O que exigimos é um apoio permanente. Isso deveria começar pela demarcação da terra e recursos para a Guarda Florestal", aponta Marcelo Gavião.
Aroeira, Sucupira, Ipê, Jatobá e Capitão do Mato, esta última destinada para o carvão, são algumas das espécies de árvores mais cobiçadas. "Eles montam acampamento e marcam as que vão ser cortadas. Depois vem trator e caminhão pra levar. As carvoarias são instaladas dentro da terra indígena e o carvão já sai pronto pra Amarante. Funciona assim", diz o Gavião. O combate ao crime teve consequências.
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Na noite do dia 21 de abril de 2016, o indígena Joel Gavião Krenyê, liderança do povo, morreu em um suposto acidente, onde apenas o veículo em que o indígena estava permaneceu no local. Embora a justificativa oficial para a morte seja a de que Joel se envolveu em um acidente automobilístico, a perícia não foi realizada. Os indígenas defendem que se tratou de um atentado contra Joel.
“Ficamos sem saber ao certo o que aconteceu. O fato é que a estrada entre a terra indígena e Amarante, local do acidente, é um trecho de fluxo constante de madeireiros, caçadores. Joel também recebia ameaças", ressalta Roberto Gavião. Entrecortada por povoados e assentamentos, a Terra Indígena Governador possui inúmeras entradas e saídas para invasores.
O ramal descoberto na semana passada fica nas proximidades do povoado de Jurema, mas há incidências ainda nas regiões de Feijão, Santa Quitéria (local de carvoarias) e Jatobá. Na parte do território em que fica a Aldeia Riachinho, um fazendeiro, conforme denúncia dos Gavião ao MPF, chegou a desmatar 3 quilômetros de área. No entanto, praticamente todas as aldeias estão nos limites de locais invadidos.
As 11 aldeias Gavião e outras seis Tenetehar/Guajajara que compõem a Terra Indígena Governador têm em suas áreas de caça, ritual e demais usos a presença de invasores. "Ninguém respeita mais o território governador e acaba invadindo. Caçadores botam fuga na gente, matam os animais e tacam fogo nas matas. Fazendeiros e madeireiros também botam fogo", conclui Marcelo Gavião.
Demarcação
A Terra Indígena Governador está registrada - quando o processo de demarcação se conclui após a homologação - com 41.644 hectares. No entanto, os Gavião reivindicam uma outra área que foi colocada de fora neste primeiro procedimento administrativo - realizado antes de Constituição de 1988. Esta segunda demarcação já possui um relatório de identificação e delimitação, mas a Funai não o publicou.
"Então o procedimento encontra-se paralisado mesmo com o relatório pronto. As informações que nos chegam é que existe uma uma pressão contra a Funai para que não seja publicado. Enquanto isso as invasões não cessam. A ausência da publicação possibilita ainda a organização dos fazendeiros contra o processo", afirma Gilderlan Rodrigues da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão.