Com uma homenagem a Dom Tomás Balduino, falecido em maio deste ano, foi aberta a 37ª Romaria da Terra e das Águas, na Esplanada da gruta ao Bom Jesus da Lapa, no oeste baiano, na última sexta feira, 4 de julho. A lembrança do bispo fundador da CPT e do Cimi trouxe um pouco da sua caminhada e compromisso com a luta do povo, reafirmando o que ele sempre dizia: “Direitos humanos não se pede de joelhos. Exige-se de pé”. Confira, também, a Carta Final da Romaria:
No altar, o bispo de Barreiras e Administrador Apostólico da diocese de Bom Jesus da Lapa, dom Josafá Menezes, presidiu a missa ao lado dos bispos de Barra, dom Luís Flávio Cappio; dom Tomazio Cassianelli, de Irecê; e dom Luis Pepeu, de Vitória da Conquista, convidando o povo a refletir sobre o tema da Romaria: Libertar a terra é defender a vida. Em sua homilia, dom Josafá lembrou aos romeiros que cada um deles é “pedra e luz nas comunidades”, fazendo referencia à rocha da lapa e a luz do Bom Jesus.
Na Esplanada, o povo exibia suas faixas e cruzes demonstrando fé, esperança e devoção ao Bom Jesus da Lapa. Criatividade e cores marcaram a confecção dos símbolos da romaria, que conta com a participação de grupos de diversas regiões da Bahia. Mirian Porto da Silva, de Morro do Chapéu (BA) participa pela 18ª vez na Romaria. “Só falhei uma. Aqui a gente aprende muito nos plenarinhos, renova força para enfrentar as batalhas dos nossos outros irmãos com sabedoria”. Ao lado da veterana Mirian, os jovens Flávio Santos, Júnior Diniz e Leonardo Batista, de Irecê, festejavam a estreia no encontro. “Viemos com 50 pessoas. Todos diziam que é muito bom e quisemos conhecer e viver essa experiência”.
Encerramento
Na Gruta da Soledade, em Bom Jesus da Lapa, a 37ª Romaria da Terra e das Águas foi encerrada no domingo, dia 6, com um grande Plenário reunindo seis mil romeiros e romeiras de várias regiões da Bahia e de outros Estados. A atividade aconteceu na manhã de domingo, após três dias de celebrações e reflexões. Os participantes voltam às suas comunidades com o compromisso de continuar a luta por uma vida digna e com a terra libertada. Confira a Carta Final da Romaria.
Carta da 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa
“Libertar a terra é defender a vida.”
“A igreja da Lapa foi feita de pedra e luz.” Assim cantam os romeiros e romeiras no Santuário do Bom Jesus da Lapa. Nós da 37ª Romaria da Terra e das Águas, cerca de 6.000 pessoas dos vários cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, tomamos deste canto popular tradicional a inspiração para comunicar às comunidades, às organizações populares e movimentos sociais, às igrejas, às autoridades e à sociedade brasileira, as pedras e as luzes que esta romaria identificou em nossa caminhada de fé e luta. Pedras de tropeço, dureza, peso, dificuldade, mas também firmeza, teimosia, resistência. Luzes que iluminam o chão da caminhada e também o horizonte da chegada, o fim do túnel, a alvorada do Reinado de Deus, que é Amor, Justiça e Paz em tudo e todos. Em cada momento de nossa romaria, da celebração de abertura à de envio, na via sacra de Cristo e do povo e do corpo do mundo, nos cinco plenarinhos temáticos, no ritual da penitência, no ofício de Nossa Senhora e no grande plenário conclusivo, perpassaram o desejo premente e o compromisso inadiável da terra livre e da vida em abundância.
Pedras. Multiplicam-se e se agravam os aprisionamentos e flagelos em que a terra e as gentes se debatem: desistência da reforma agrária e má vontade em reconhecer, demarcar e titular os territórios dos povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores, fundos e fechos de pasto), nos cerrados, caatingas e mata atlântica; tráfico de pessoas e trabalho escravo; exploração sexual de jovens e crianças; degradação do rio São Francisco e de outras bacias hidrográficas. São consequências de um modelo de vida, de economia, de política e de sociedade, que vende a ilusão de que é capaz de combinar velhas e novas formas de crescimento incessante com garantia dos direitos humanos e da natureza, altas taxas de lucro com mínima inclusão social, expansão da produção e dos mercados com redução do aquecimento global, bancada ruralista com agricultura familiar, alimentação saudável e respeito aos territórios dos povos e comunidades tradicionais. Um modelo em franca expansão através de empreendimentos favorecidos pelo Estado, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o Porto-Sul, o Pólo Naval na Baía de Todos os Santos, a Transposição do Rio São Francisco e outros, a serviço do agro e hidronegócio, das mineradoras, dos parques eólicos, das imobiliárias. No mesmo sentido, vão os instrumentos jurídicos levados no Congresso Nacional, como Propostas de Emendas Constitucionais, Projetos de Leis e Portarias Ministeriais que tentam suprimir direitos duramente conquistados, em nome do crescimento e da exportação sem limites.
Luzes. São iluminados e iluminadores os que não se rendem e persistem na luta pela terra e pelos territórios, os movimentos e organizações sociais que não se atrelam a governos e empresas, as Comunidades Eclesiais de Base que insistem em juntar “fé e política, justiça e profecia a serviço da vida”, a infância protegida, a juventude do campo e da cidade que não se deixa seduzir pela banalidade da vida atual e os que defendem as águas e todos os bens da terra. Disse a romeira Dona Sônia, “o que a gente quer ainda não está inteiro, mas não abrimos mão da metade”. Continuamos a sonhar com o mundo liberto e a vida plena os que buscam uma educação contextualizada, a valorização do saber popular e ancestral e o diálogo e a unidade na luta dos vários movimentos e organizações do campo e da cidade.
“Não deixem a profecia morrer”, nos pedia Dom Hélder e nos repetia Dom Tomás Balduino, falecido recentemente. Animados e animadas pelo testemunho deles e tantos companheiros e companheiras fiéis lembrados nesta romaria, lutamos para reverter este processo de destruição do planeta e das vidas nele existentes, na construção de uma outra sociedade baseada em relações igualitárias, descentralização do poder e profundo respeito à natureza. Nenhum progresso é justo e desejável se o bem-estar de uns requer a exploração e a miséria de outros. LIBERTAR A TERRA É DEFENDER A VIDA!
Bom Jesus da Lapa, 06 de julho de 2014.