COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por Lara Tapety | CPT-AL

Fotos: Lara Tapety

Nesse último final de semana, aconteceu a 10ª Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Palmeira dos Índios, em Alagoas, com o tema “Terra, água e pão: território, soberania e defesa da vida”. A iniciativa reuniu centenas de pessoas do meio rural, entre elas indígenas e camponesas, e do meio urbano. Padres, freiras e cristãos leigos estiveram presentes.

Motivada pela Campanha da Fraternidade de 2023 e tendo como destaque a luta pela homologação das terras da etnia Xukuru-Kariri, a romaria foi iniciada na Aldeia Mata da Cafurna, onde o pajé Antônio Celestino, Patrimônio Vivo de Alagoas, recebeu Dom Manoel de Oliveira Soares Filho, bispo Diocese de Palmeira dos Índios (AL). De lá, em ritmo de toré, os indígenas desceram do alto da mata até a Catedral Diocesana.

Na celebração, Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, falou sobre o apoio da Igreja e dos camponeses e camponesas à luta pela defesa da homologação das terras indígenas: “A 10ª Romaria das Águas e da Terra é uma experiência que junta o povo do campo em defesa da terra. A romaria não tem um santo da caminhada, mas ela tem uma causa da caminhada, e a causa é sempre terra e território nas mãos daqueles que querem trabalhar, nas mãos daqueles que têm direito histórico, no caso específico, o povo Xukuru-Kariri”, explicou.

Santa Missa

A Santa Missa foi presidida pelo bispo da Diocese de Palmeira dos Índios, Dom Manoel, e celebrada junto aos padres da diocese, José da Silva, responsável pelas pastorais sociais e Wendell Assunção Gomes, vigário geral; além do padre Gilvan Neves, da paróquia Nossa Senhora das Graças, localizada no bairro do Vergel, em Maceió.

De acordo com Dom Manoel, a romaria é um momento de profunda reflexão do momento para a história da sociedade atual e de elevar a Deus nossas preces por todos os povos indígenas. Segundo ele, mesmo após a romaria, a caminhada vai continuar, porque pela manhã não há um encerramento, mas sim o envio à missão, que não é um ato, mas um estado de vida. “Paramos aqui na Catedral nesta noite para vivenciarmos este momento de eucaristia e depois seguimos viagem. A palavra de Deus esta noite pode nos iluminar para que essas paradas que vamos fazer na romaria sejam alimento também o nosso testemunho de vida”, afirmou o bispo.

Na leitura do Evangelho do dia, o Pe. Gilvan Neves citou a parábola “Os dois filhos”, de Mateus (21:28-32), em que Jesus conclui: “... os cobradores de impostos e as prostitutas estão entrando no Reino de Deus antes de vocês. Pois João Batista veio para mostrar a vocês o caminho certo, e vocês não creram nele; mas os cobradores de impostos e as prostitutas creram. Porém, mesmo tendo visto isso, vocês não se arrependeram e não creram”.

De acordo com o padre, a palavra mostra que Jesus também tinha como ouvintes os anciãos e os sacerdotes do Templo (donos da religião, das terras e do comércio) que excluíam os empobrecidos, escravizados, mulheres e pecadores (as prostitutas e os excluídos sociorreligiosos e econômicos do seu tempo), mas esses excluídos iriam preceder os tidos como santos e puros no Reino dos Céus.

Cuidado com a Mãe Terra

Após a missa, os peregrinos e as peregrinas caminharam até a segunda parada da romaria, em frente à igreja do Conjunto Padre Ludujero. No local, a juventude camponesa da CPT fez a reflexão sobre o cuidado com a Terra: “Reafirmamos o compromisso de responsabilidade coletiva com a Mãe Terra para promover harmonia com a natureza em um tempo em que nosso planeta está sob ameaça de mudanças climáticas, exploração irresponsável dos recursos naturais e diversos problemas causados pelo homem ganancioso e pelo desejo de poder. E, quando ameaçamos nosso planeta, minamos nossa própria casa”, dizia a carta lida pelo jovem José Ronaldo, da comunidade Dom Hélder Câmara, situada em Murici (AL). Uma grande ciranda encerrou o momento.

Luta pelo território e preservação ambiental

Já na Aldeia Jarra, a terceira parada da romaria, o professor Rogério Rodrigues explanou sobre a luta pelo território e a importância dos povos indígenas para a preservação ambiental e do planeta. Segundo ele, o território Xukuru-Kariri não tem apenas 7.020 hectares, conforme a demarcação, mas originalmente 33.000 hectares. Em sua análise, a luta pelo território é em defesa da sobrevivência e da vida de toda humanidade.

“Numa aldeia não se tem uma produção no formato que eles [os poderosos] desejam, mas tem uma produção agroecológica. E a área de mata tem uma produção que vai além do capital: água, terra, animais, ar puro e plantas. Você só tem isso se tiver mata. Em qualquer área indígena que for, você encontra isso. Agora vá nas fazendas daqueles que são contra os Xukuru-Kariri. Você não encontra um garrancho, só encontra pasto”, relatou Rogério.

O professor ressaltou, ainda, que a luta pela terra não é somente dos povos indígenas. Para ele, a população brasileira é sem-terra, porque a terra do país está concentrada nas mãos de poucas famílias. 

Terra demarcada é terra protegida – Não ao Marco Temporal!

Após 7km de caminhada, a 10ª Romaria das Águas e da Terra chegou à Aldeia Fazenda Canto, considera pelas lideranças indígenas um símbolo de resistência e de produção agrícola. A área foi a primeira reserva indígena demarcada na região. 

No encerramento, as lideranças Xukuru-Kariri falaram sobre a luta dos povos indígenas pela homologação das terras demarcadas, a retomada dos seus territórios e o enfrentamento ao Marco Temporal. 

A tese do Marco Temporal considera que são válidas somente as demarcações de terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Ela foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi aprovada pelo Senado. Agora, a manutenção ou não do projeto depende do presidente Lula, que deverá decidir pela sanção ou veto. O parecer deverá acontecer a partir da segunda quinzena de outubro.

Fizeram uso da palavra o pajé Celso, da Aldeia Fazenda Canto; Gersinaldo Xucuru-Kariri, da Aldeia Fazenda Canto e presidente da Associação Indígena Xucuru-Kariri; o cacique Cicinho, da Aldeia Mata da Cafurna; Janaína Xukuru-Kariri e o professor Rogério Rodrigues, casado com Meire Santana Celestino, indígena Xukuru-Kariri, residente na Aldeia Mata da Cafurna.

“Ao contrário do que se prega em Palmeira dos Índios por parte dos políticos, a aldeia é uma área com uma produção agroecológica. Parte dessa produção vai para doação de famílias carentes do município e as famílias da cidade que, através das feiras livres, compram esses produtos, estão comprando alimentos de qualidade, livre de agrotóxicos. Então, temos a consciência de que estamos fazendo o certo ao proteger o território. A terra demarcada e regularizada é uma terra protegida”, defendeu o indígena Gersinaldo Xucuru-Kariri.

Ainda na madrugada, foi realizado o sorteio da cesta camponesa que foi rifada durante a preparação da romaria. O ganhador foi José Antônio dos Santos, da comunidade do assentamento Nossa Senhora Aparecida, situado no município de Água Branca. Ele estava presente, recebeu os produtos ali mesmo e dividiu com os amigos romeiros. 

Um grande café da manhã marcou o final da 10ª Romaria das Águas e da Terra da Diocese de Palmeira dos Índios. As mulheres indígenas serviram uma mesa repleta de melancia, laranja, melão, macaxeira, batata doce, cuscuz, pão, ovo, bolachas, café etc. 

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