Realizada entre os dias 7 e 8 de janeiro, a 33ª Romaria da Terra e das Águas de Alagoas conta com a presença de mais de mil romeiros e celebra o cuidado aos pobres, terra, matas e águas
Texto e fotos por Lara Tapety/Comunicação CPT Alagoas
Com o tema “Ecologia Integral: cuidar dos pobres, da terra, das matas e das águas”, a 33ª Romaria da Terra e das Águas ocorrida em Alagoas contou com mais de 20 caravanas vindas do Sertão, da Zona da Mata e do Litoral do estado e romeiros da Paraíba. Aproximadamente 1200 pessoas estiveram na caminhada.
A programação começou na noite do sábado, 7, com a Santa Missa no Alto do Cruzeiro de Murici/AL. Estiveram presentes os padres Rogério Madeiro (Paróquia Imaculada Conceição - Jacintinho); Gilvan Neves (Paróquia Nossa Senhora da Graça - Levada); Raul Moreira (Área Pastoral Nossa Senhora de Fátima - Rio Largo); Marivaldo da Conceição (Paróquia São José Operário - Fernão Velho); e Geison Araújo (Paróquia N. S. da Graça - Murici), sendo este último o anfitrião da romaria.
A homilia foi feita a partir do evangelho de Mateus (2:9): “E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino”.
O evangelho trata da passagem em que os três magos foram atraídos pela estrela e encontram o menino Jesus. Os magos se curvaram e orientaram as suas vidas a partir dessa estrela, que seria o “rei dos judeus”, nascido em Belém na festa da epifania, o dia da romaria.
Segundo o padre Gilvan, “trata-se de um ‘rei’ que nasce e morre rompendo todos os esquemas das realezas mundanas: nasce em uma gruta que acolhia animais e morre numa cruz”. Ele reflete: “Pois bem, a manifestação de Deus em Jesus tem um alcance universal, está destinada a todos os seres. É interessante que a tradição tenha interpretado que os três magos procediam dos três continentes até então conhecidos: África, Ásia e Europa. O mago negro aparece sempre. No Reino de Jesus Cristo, não há distinção de raça ou de origem. Todos são filhos e filhas do mesmo Pai”.
Os magos representam a universalidade da salvação, porque Deus não veio para um povo determinado, nem para uma classe determinada. Ele veio para todos e todas e se manifesta para todos e todas. Assim como os magos tiveram que se curvar diante do menino Jesus, foi feito o convite para que as pessoas também se deixem dobrar para seguir essa estrela, que é luz e guia, para a ecologia integral. “Sejamos luz também no caminho do outro”, concluiu.
Depois da celebração, Carlos Lima, coordenador nacional da CPT informou as orientações da caminhada e Tânia Maria de Souza, educadora popular e agente da CPT da Paraíba, motivou os romeiros e romeiras. “Somos companheiros, somos irmãos nessa caminhada. Não estamos sós. Estamos juntos, porque aqueles que têm a fé no Deus da vida não estão isolados, mesmo distantes, estamos em comunhão nos mesmos sonhos”, falou Tânia.
Logo em seguida, os romeiros e romeiras partiram numa caminhada de 9km até o acampamento Bota Velha. No percurso, houve três paradas com momentos reflexivos sobre cada cuidado explícito no tema da edição.
Cuidar dos pobres
Na primeira parada reflexiva, “Cuidar dos Pobres”, no bairro do Cajueiro, a dirigente do MST, Margarida Maria (Magal), lembrou a solidariedade dos movimentos sociais e organizações de luta pela terra durante a pandemia da Covid-19:
“Enquanto milhões de brasileiros passavam fome e milhares morriam por causa do vírus, nós, nosso movimento e várias organizações do campo que luta pela terra e pela reforma agrária no estado e no país, compartilhamos aquilo que temos de melhor, que é o fruto da nossa luta da luta pela terra”, contou Magal. Para ela, partilhar os alimentos é partilhar o que Jesus Cristo ensinou.
No período de 2 anos, o MST doou mais de 5 toneladas de alimentos em Alagoas, além de distribuir milhares de marmitas nas periferias. Somente na campanha do Natal sem fome, foram entregues mais de 5000 marmitas e cestas básicas na capital e no interior. “Entendemos que a pela terra é também contra todas as formas de opressão e violência e a fome é aquela que mais mata no nosso país”, explicou Magal.
Cuidar da terra
Na segunda parada, a juventude camponesa fez uma bela encenação teatral sobre o “Cuidado com a terra”. A camponesa Maria Giselma da Silva (Selma), do Assentamento Santo Antônio, no município de Major Izidoro, protagonizou a personagem terra. “Eu gostei muito”, disse.
A apresentação começou com o latifúndio, representado também por jovens agricultores, cercando a terra; em seguida, camponeses ocuparam a área e começaram a produzir, ao som do hino da reforma agrária. Então, o agronegócio chegou agredindo e jogando veneno na terra. Mas, os camponeses reagiram e a terra também. Ao final da peça, a juventude camponesa distribuiu tapiocas e pés-de-moleque para os romeiros e romeiras.
Cuidar das matas
No acampamento Mumbuca, bem perto de Bota Velha, o camponês Pedro acolheu os romeiros e romeiras com a palavra de ordem “terra de Deus, terra de irmãos!”. Ele relatou a história da comunidade: “A gente está muito feliz de receber vocês no nosso acampamento, agora pré- assentamento, Mumbuca. Há mais de 20 anos estamos trabalhando, cultivando, plantando e colhendo. Quando chegamos aqui não havia plantações. Hoje vocês podem ver nossas plantações. Foi muita luta e resistência nesses 20 anos. Aqui, temos 37 famílias e 37 lotes divididos para que cada uma trabalhe produzindo num espaço”. A comunidade também distribuiu munguzá e arroz doce para o público.
Ali o eixo “Cuidar das matas” foi abordado simbolicamente com a plantação de uma muda de árvore.
Chegada à Terra Prometida
“Quero entoar um canto novo de alegria
Ao raiar aquele dia de chegada em nosso chão
Com meu povo celebrar a alvorada
Minha gente libertada
Lutar não foi em vão”
Com o povo celebrando a alvorada, a chegada ao destino foi marcada pela emoção do canto Migrante, de Zé Vicente. Já no acampamento Bota Velha, os participantes da caminhada foram recebidos com um grande café da manhã camponês oferecido pela comunidade. Havia mais de 1000 tapiocas, pé-de-moleque, dezenas de litros de munguzá e arroz doce, além de café.
Quando o sol nasceu, uma rede foi lançada no açude de Bota Velha e voltou com peixes, que foram devolvidos em seguida.
A 33ª Romaria da Terra e das Águas foi encerrada com a partilha de 5 pães e 2 peixes preparados pelas mulheres de Bota Velha. O momento simbolizou a multiplicação dos pães e peixes: “E Jesus tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam assentados; e igualmente também dos peixes, quanto eles queriam” (João 6:11).
Para Maria Quitéria, liderança da comunidade, foi gratificante receber a caminhada. “A romaria para a gente é tudo. É um encontro com pessoas que a gente passa tempo sem ver. É gratificante caminhar e fazer de conta que somos o povo de Moisés, o povo da Terra Prometida, que andou 40 anos, e a gente está 22 anos caminhando também. A romaria foi ótima, foi maravilhosa. Tudo ocorreu bem. Graças a Deus! Estou satisfeita”, disse.
A romaria foi animada por uma banda de jovens camponeses da Paraíba, pelo sanfoneiro Pinóquio do Acordeon e, também, pela voz imponente do padre Gilvan e a alegria de Rosário de Fátima, voluntária da Cáritas Arquidiocesana de Maceió.
Essa edição foi realizada em articulação conjunta da Arquidiocese de Maceió, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Cáritas Brasileira, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Atos 28, Pachamama e Misereor.