No último domingo (3), foi realizada a homenagem ao frei franciscano Luciano Bernardi, da CPT – Bahia; a leitura dos comprometimentos assumidos pelos plenarinhos e a divulgação da Carta da 45ª Romaria da Terra e das Águas marcaram a Missa da Ressurreição e dos Compromissos e Envio.
Por: Paulo Oliveira/ Meus Sertões – colaboração com a CPT Bahia | Fotos: Thomas Bauer – CPT Bahia/ H3000
A celebração, presidida pelo bispo de Bom Jesus da Lapa, dom João Santos Cardoso, encerrou o evento. No início da cerimônia, representantes das plenárias acenderam as velas coloridas, referentes a cada um dos temas. Regina Micaré e Carlos José, pais do jovem indígena Maicon Pataxó, morto por negligência do sistema de saúde, foram os responsáveis pelo grupo Terra e Território. Participantes da romaria pela primeira vez, eles disseram que o evento lhes deu esperança de poder fazer com que a violência cesse e os povos originários sejam mais respeitados.
“Foi gratificante participar da plenária. Vamos levar grandes experiências daqui não só para a nossa aldeia, mas para os demais territórios”, disse Carlos, liderança indígena, em Prado, no Sul da Bahia.
Frei Luciano foi homenageado por ter completado 50 anos de sacerdócio. Nascido na Itália, ele veio para o Brasil em 1975 para trabalhar em Guaraniaçu, no Paraná. Oito anos depois foi transferido para a diocese baiana de Rui Barbosa. De lá para cá, participou de 40 romarias, sendo em uma delas percorreu a pé os 516 quilômetros que separam Itaberaba e Bom Jesus da Lapa. A síntese de seu trabalho é expressada pelo verso “É missão de todos nós, Deus nos chama eu quero ouvir a sua voz”.
A seguir, foram lidos os compromissos das plenárias, que incluem a luta e resistência por terra e territórios; a transformação social e a denúncia de tudo que destrói a vida; a busca pelos direitos da natureza, das águas e dos rios; a retomada das atividades e o fortalecimento das juventudes empobrecidas; e o compartilhamento do amor às crianças e à natureza.
A leitura da Carta da 45ª Romaria da Terra e das Águas, na qual os romeiros celebram a vida, repudiam “esse projeto de morte, destruição e de profunda exploração contra os marginalizados” e renovam a esperança de liberdade e de fortalecimento da casa comum. Carta na íntegra:
CARTA DA LAPA
Após dois anos sem o encontro presencial, cerca de cinco mil romeiras e romeiros vindo das comunidades eclesiais, organizações sociais e populares das dioceses do Centro-Oeste, Centro-Norte, Sul e Extremo Sul e Sudoeste da Bahia, Norte e Nordeste de Minas Gerais puderam se reencontrar entre os dias 01 e 03 de julho de 2022 na 45ª Romaria da Terra e das Águas em Bom Jesus da Lapa - BA. O encontro celebrou, refletiu, animou e organizou este ano a partir do tema: “Ouvir e caminhar juntos: somos povos da terra e das águas! “
Celebramos pela vida dos presentes que em luta vem sobrevivendo a esse projeto de morte, destruição e de profunda exploração contra os marginalizados da terra. Mas também celebramos por aqueles que em comunhão com a nossa caminhada estão em sintonia com a nossa esperança por um reino de abundância e liberdade, entretanto por diversas circunstâncias não puderam está presente, mas que seguem fortalecendo o compromisso de construção da casa comum. Assim como fizemos memória das milhares de vidas populares vítimas da política fascista e neoliberal em curso, entre as quais, inúmeros/as companheiros/as que doaram a sua vida a um projeto de liberdade e sempre fizeram da Romaria um encontro de luta.
Refletimos que a crise histórica que nos acompanha corresponde ao projeto que vem sendo liderado por uma classe dominante que tem como centralidade a acumulação de capital a partir do uso permanente da violência e exploração do povo e da natureza, expressando na política brasileira em um governo de caráter fascista que legitima e aprofunda o genocídio do nosso povo, dos biomas, territórios. Não havendo outra alternativa que não seja a organização profética do povo para a transformação integral da atual sociedade com vista a uma caminhada popular e de solidariedade.
Inspirado na mensagem da Campanha da Fraternidade, “Fala com Sabedoria ensina com o amor”, a romaria mais do que nunca foi um encontro de diálogos. Esse exercício se torna essencial nesse momento considerando a atual realidade enfrentada pelo povo no mundo, exigindo diversos diálogos dos povos que, como ao longo da história, conseguiram aprender e encontrar saídas nos períodos de longa adversidade quando munidos dos ensinamentos dos antepassados, aprendendo com o presente e sem perder a moral histórica de manter fiel ao anuncio da boa nova.
É sob os diversos olhares carregados de esperança e após três dias de trocas de experiências que assumimos e anunciamos os compromissos dos cinco plenarinhos que reforçam e iluminam a permanente caminhada de luta:
Fé e Politica
Assumir a igreja povo de Deus, a partir das comunidades eclesiais de base, que integre fé e política, compromisso com a transformação social, atendendo ao apelo do Papa Francisco – “ser igreja dos pobres para os pobres” – como resposta aos apelos do evangelho. Resgatar a dimensão profética na denúncia de tudo que destrói a vida, na mobilização permanente dos empobrecidos pelo capitalismo, na acolhida às diversidades no combate ao racismo e patriarcado, defendendo a fé como compaixão de compromisso, na promoção do bem-viver e na prática de uma ecologia integral, resgatando o sentido de ser evangélico-cristão fiel ao projeto de Jesus Nazaré.
Juventudes
Retomar as atividades dos grupos de base, buscando a rearticulação e o fortalecimento, o engajamento político em defesa dos direitos das juventudes empobrecidas, intensificando também as campanhas solidárias, os atos em defesas do meio ambiente, a reivindicação por políticas públicas, que efetivem o direito a saúde mental, educação, moradia, trabalho e renda para todas as juventudes.
Terra e Território
Apostar, fortalecer e desenvolver lutas conjuntas no campo/cidade através de redes, teias, fóruns, investidos ainda mais no trabalho de base, favorecendo a formação global e continuada de novos quadros, revertendo o processo de criminalização das lutas e das lideranças, visando derrubar o projeto de morte implantado no país. O plenarinho assumiu como compromisso que a luta dos Povos Indígenas deve ser a luta de todos nós. Crianças Partilhar o que refletimos no encontro da catequese, na escola, e em nossas famílias que não devemos poluir os rios, não jogar coisas na rua e sim no lixo. Em nossa comunidade plantar e cuidar das árvores; não destruir as florestas; ajudar nossos pais no plantio de legumes, verduras e frutas. Amar o planeta em que vivemos.
São Francisco e outras bacias
Reprodução e divulgação da Carta ao povo da Bacia do Rio São Francisco e das outras bacias da Bahia, representadas na 45ª Romaria da Terra e das Águas, para mobilizar os/as ribeirinhos/as pelos direitos dos rios, das águas e da vida.
Como nos ensina o Papa Francisco na terceira encíclica, “Cada dia é-nos oferecida uma nova oportunidade, uma etapa nova. Não devemos esperar tudo daqueles que nos governam; seria infantil. Gozamos dum espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas.” É com esse espirito que os romeiros presentes na quadragésima quinta romaria carregando entusiasmo de amor à vida e fortalecidos da rebeldia popular compartilhada, renova-se a esperança dos mais pobres na construção revolucionária da casa comum.
Sabendo que o caminhar se faz caminhando, esperamos que os romeiros presentes e aqueles que recebem essa carta possam com essa mensagem se sentir animados/as e inspirados/as para a construção das próximas lutas, onde possamos fortalecer a democracia e participação com autonomia do povo, sendo o desafio principal deste ano a organização popular para impor derrota ao fascismo e ao programa neoliberal que violenta e dizima os pilares fundamentais da vida. Como foi apresentado na nossa homilia, o desafio é devolver o Brasil ao povo brasileiro!
Bom Jesus da Lapa, 03 de julho de 2022.
Romeiros e Romeiras da 45ª Romaria da Terra e das Águas.