A 6ª Semana e Romaria do Cerrado, realizadas todos os anos na região Oeste da Bahia, ocorreu, nesta edição, em Coribe (BA), e teve início na sexta-feira (6) e terminou com o ato religioso no Dia Nacional do Cerrado, 11 de setembro. Entre as atividades realizadas nesta semana estão visitas missionárias e a feiras, exposição de fotografias, exibição de filmes em escolas, missas e momentos culturais. Confira a Carta Final:
Foto: Marcos Rogério
As Semanas e Romarias do Cerrado, na região Oeste da Bahia, já se tornaram eventos marcantes, em que as comunidades, pastorais, entidades populares, organizações, sindicatos, paróquias e movimentos sociais pautam os clamores do Cerrado e de seus povos. Em 2019 foi a vez de Coribe sediar sua 6ª edição, que contou com a realização de seminário formativo com professores; celebração de envio da Cruz Geraizeira; panfletagem na feira do município; visitas missionárias às comunidades rurais; trabalho informativo nas escolas; missa motivacional sobre a questão; noite cultural e exposição do documentário “Nas Corredeiras do Movimento”.
Durante os dias 07 e 08 de setembro foram visitadas 24 comunidades rurais de Coribe que participaram de 17 reuniões, este trabalho abrangeu aproximadamente 1.500 famílias. Ao longo dessas atividades identificou-se o quanto é importante a Agricultura Camponesa para este município. Em todas as comunidades visitadas foi possível se deparar com hortas, plantio de roçados e criação de animais. O zelo com o campo mostra que Coribe é um grande produtor de alimentos e que há uma relação direta com os Gerais, denominação local para o bioma Cerrado, presente nos modos de vida e na ancestralidade comunitária, seja como oferta de frutos e ervas medicinais, seja como fonte de elementos culturais que só se encontram aqui. Não à toa, esta relação faz com que o Pequi seja um fruto simbólico de Coribe.
Chamou-nos a atenção a questão da água que, assim como em outros municípios, está em condições extremas de escassez, e foi identificado um cenário de redução das águas e onde não há mais água, administrada de forma paliativa com o uso de carros pipas. Durante as reuniões, por meio de mapas, foi possível relacionar a atual situação de baixa vazão e o assoreamento do Rio Formoso e seus afluentes com o desmatamento de suas cabeceiras, realizado pelo agronegócio e agricultores sem consciência. Cabe ressaltar que o abastecimento hídrico da sede do município e de algumas comunidades rurais vem deste importante rio. É possível afirmar que, com o resultado deste trabalho, 41 veredas, córregos e rios secaram ou diminuíram seus volumes, exemplo disso são os rios: Alegre, Tolda e Tatu; os riachos: São José, de Fora, Infurnado, Malhada da Onça, Seco, Joaquim Bernardes, Deus me Livre, Jacu, dos Porcos, Camarada; e as veredas do Curralinho e do Bonito. No trabalho realizado nas escolas junto a crianças, adolescentes e jovens, a sensação é de perda e de saudade, pois segundo estes, o relato de seus avós e pais aponta para “riachos que morreram e que por isso, ali não se pode mais banhar”.
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Esse modelo de desenvolvimento alicerçado no agronegócio traz para Coribe uma série de desmatamentos e outorgas hídricas de grandes volumes, como exemplos podem-se citar: as Fazendas Nova Esperança e Boqueirão, que via Portaria INEMA no 18.571, de junho de 2019, receberam autorização para desmatamento de 1.115 hectares, equivalentes a 1.115 campos de futebol, onde se encontram as cabeceiras do Rio Alegre; e a Fazenda Triunfo, que por meio da Portaria INEMA no 12.925, de novembro de 2016, recebeu autorização de outorga para a captação superficial de 11.000 m3/dia, durante 17 horas/dia, água equivalente a 687 cisternas de captação de água de chuva, de 16.000 litros. Tais números traz a seguinte indagação: tudo que é legal é correto?
Outro impacto perceptível durante as missões foi o uso indiscriminado de agrotóxicos e a sua relação com casos de Câncer, identificados em mais de cinco comunidades. Esses severos impactos coloca a população camponesa de Coribe em uma condição de migração, seja pela perda do estímulo de se manter na terra, seja pela dificuldade de garantir trabalho para os jovens, e consequentemente à sucessão rural.
Durante os dias 07 e 08 de setembro foram visitadas 24 comunidades rurais de Coribe, na Bahia.
E no Dia Nacional do Cerrado, 11 de setembro, inúmeras saíram às ruas em defesa do bioma e dos povos e comunidades.
Crédito: Amanda Alves
No momento em que a Amazônia arde em chamas, fazendo com que seus povos e toda a biodiversidade sofram com os impactos do desmatamento e das queimadas, a população mundial volta seus olhares para o Brasil. Vêm à tona os preceitos expressos pelo Papa Francisco e sua Encíclica Laudato Sí, onde está explícita sua análise, baseada na ecologia profunda, de que todos os seres vivos habitam uma “Casa Comum”.
Diante dos ataques conservadores de políticos como o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (NOVO), desprezando os severos impactos vividos na Amazônia, numa perspectiva negacionista das mudanças climáticas. Conceitos como o de Rios Voadores, da relação reguladora do ambiente com o clima, e eventos como o Sínodo da Amazônia ganham novo sentido e passam a ser mais do que fundamentais na conjuntura atual.
Com esta 6ª Semana e Romaria do Cerrado e com uma conjuntura de adversidades dos tempos atuais, surge o questionamento: O que podemos fazer? Mas, diante de um conjunto de incertezas e inseguranças, o trabalho realizado nas escolas com crianças, adolescentes e jovens e o diálogo com os educadores (as) nos fazem pensar que ainda há esperanças. Há um provérbio de autoria dos povos indígenas americanos, que diz: “Nós não herdamos a terra de nossos antecessores, nós a pegamos emprestada de nossas crianças”. Este foi o sentimento que esteve presente durante os dias de trabalho: somos corresponsáveis pelo cuidado e à defesa do Cerrado e de tudo que esse importante bioma representa para nós e as futuras gerações.
Importantes ações, iniciativas e campanhas estão sendo realizadas, a exemplo da entrega na tarde de 11 de setembro, na Câmara Federal da PEC-504/2010, que solicita o reconhecimento dos biomas Cerrado e Caatinga como Patrimônio Nacional, e está acompanhada de uma Petição Pública com mais de meio milhão de assinaturas, e que ainda pode ser assinada. Por tudo isso, acreditamos que devemos continuar a gritar “SEM CERRADO: SEM ÁGUA, SEM VIDA” e que “Ninguém morrerá de sede nas margens de nossos rios”.
Coribe-BA, 11 de setembro de 2019, Dia Nacional do Cerrado.