COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A esplanada do Santuário do Bom Jesus ficou lotada na noite da sexta-feira (5). Milhares de romeiros e romeiras participaram da abertura da 42ª Romaria da Terra e das Águas, que este ano teve como tema “Terra, Água e Justiça: Direitos Sagrados”. Até o domingo (7), integrantes de diversas dioceses da Bahia participaram, na cidade de Bom Jesus da Lapa, de momentos celebrativos, culturais e espaços de debate.

(Texto e fotos: Equipe Comunicação CPT BA)

A Romaria teve início com a Celebração Eucarística, presidida pelo bispo local, Dom João Cardoso dos Santos, e contou com a presença de padres, diáconos e bispos de outras regiões. Ao comentar sobre o tema da Romaria, Dom João chamou atenção para os direitos sagrados (terra, água e justiça) que vêm sendo negados ao povo.  “Terra é uma questão de direito, de justiça. Esta é a promessa de Deus a Abraão. Não há pobreza maior do que privar a pessoa humana da dignidade de trabalhar e tirar o sustento do seu próprio suor”, ressaltou.

Durante a Celebração, jovens da Pastoral da Juventude e do Meio Popular (PJMP) subiram ao altar com cartazes e uma faixa escrita “Poder ao Povo”. Após esse momento, houve o acolhimento de representantes da Diocese de Graz, da Áustria, com uma cruz simbolizando a aliança de solidariedade entre as dioceses.

O integrante da coordenação da Romaria, Mauro Jakes, enfatizou que as romarias são manifestações de Deus na história de luta do povo -- um momento de denúncia das violências sofridas pelo homem e pela mulher do campo -- e de anúncio das experiências de resistência das comunidades tradicionais, da conquista dos territórios, da água e da plenitude da vida.

Plenarinhos

No início da manhã do sábado (6), romeiros e romeiras acordaram cedo para acompanhar o Ofício de Nossa Senhora e, logo após, em caminhada, seguiram para os plenarinhos da 42ª Romaria da Terra e das Águas. Esse se constituiu em um espaço de debate sobre os atuais desafios políticos e sociais que vivemos. Foram cinco plenarinhos com os temas centrais: Terra; Fé e Política; Crianças; Juventude; e Rio São Francisco e outras Bacias.

Acompanhe a seguir uma síntese do encontro de cada plenarinho:

Rio São Francisco e outras Bacias: “Brumadinho pergunta: quem manda na Bacia do Rio São Francisco?”

“É o povo!!” assim responderam os romeiros e romeiras ao questionamento do plenarinho sobre a bacia do rio São Francisco. O crime da Vale em Brumadinho foi um dos principais temas de discussão. Exposto em toda a Igreja do Bom Jesus dos Navegantes, fotos e relatos das vítimas do crime do Córrego do Feijão e uma arte representando um rio atingido por um projeto de morte, da lama, que apagou toda uma história e vidas, ornamentou o cenário.

Os impactos negativos não foram só no meio ambiente, mas também daqueles que dependiam do rio Paraopeba, como ribeirinhos, produtores rurais, entre outros. Segundo Ione Rochael, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), hoje muitos sofrem com a depressão (com a retirada da população de seu território) e o racismo ambiental e econômico, ao tentar vender seus produtos em feiras locais. “Ninguém quer comprar a produção do povo alegando estar contaminada. Não podemos deixar que nossas águas e nossas vidas sejam privatizadas”, completou.

Além de Brumadinho, os participantes reforçaram a necessidade de retomar e fortalecer a articulação do São Francisco Vivo e compartilharam experiências do Encontro de Bacias que aconteceu no mês de junho, em Januária (MG). Ruben Siqueira, coordenador deste plenarinho, falou sobre a importância de se apegar a fé, como assim dizia Conselheiro “Só Deus é grande”. Ainda enfatizou que assim como na época de Canudos, quando o povo enfrentou o exército, hoje o povo precisa se manter organizado na luta para garantir a vida. “No decorrer da história todas as vitórias vieram pela luta, nada foi de graça”, disse.

Terra e território: direito do povo e dever do Estado

Este plenarinho teve início com a homenagem à Professora Maria Rodrigues Inês, falecida em 2018, que lutava por justiça e pelo direito ao território dos ribeirinhos, no munícipio de Barra (BA). Em seguida, Rosivaldo Alves da Cunha, geraizeiro da comunidade Cachoeira, em Formosa do Rio Preto (BA), compartilhou sua experiência de luta e resistência aos conflitos que historicamente vive a comunidade.

A Associação dos Advogados dos/as Trabalhadores/as Rurais (AATR) assessorou a discussão sobre posse, propriedade e direitos dos povos e Comunidades Tradicionais, e apresentou o filme “Sertão Serrado”, destacando a fundamental importância do Cerrado para todo o país, as graves ameaças e violações que ocorrem há anos, além da resistência desses grupos, e reafirmar seus modos de vida e o papel na defesa dos biomas.

“Toda criança tem o direito de ser feliz” – (Inspiração Bíblica: Deixai vir a mim as criancinhas – MT 19, 14)

“Mas todas as crianças são felizes?”, perguntou Alberto dos Santos, coordenador do plenarinho, ao apresentar para os participantes o tema e a inspiração bíblica do mesmo. As crianças aprenderam sobre alguns dos direitos delas a partir de uma explicação lúdica aliada a apresentação de trechos do filme “Território do Brincar” e do curta metragem “Vida Maria”.

Com brincadeiras, muita música e oração, os pequenos ainda refletiram sobre ser criança, brincar e estudar, e que mesmo com a influência da mídia com brinquedos novos e modernos, o importante é usar a imaginação com o que estiver disponível. “Certos valores que aprendemos em nossa infância devem ser desconstruídos para que ideias como o de que a cozinha é um espaço só da mulher, não seja levado adiante”, completou Alberto dos Santos.

Fé e Política: Políticas Públicas: nenhum direito a menos

Romeiros e romeiras refletiram sobre a atual conjuntura política, compartilhando suas experiências sobre o acesso às políticas públicas, que apesar de existirem, ainda são negadas a aqueles que não tem o conhecimento sobre seus direitos. Nos relatos deste plenarinho ficou evidente que a luta e organização coletiva são importantes para a garantia dos direitos já conquistados.

Em sua fala, Dom André de Witte, Bispo de Ruy Barbosa e presidente da CPT, ressaltou que o papel da Igreja é estar a serviço do povo e na luta com o povo dentro das suas realidades. A homenageada deste plenarinho foi a Irmã Teresinha Foppa, como forma de agradecimento a toda uma vida de luta doada aos camponeses e camponesas.

Via Sacra

À tarde, em caminhada, os romeiros e romeiras participaram da Via Sacra, que teve início na Esplanada e foi composta por três momentos: a 1ª estação, a condenação de Jesus, houve a participação de um trabalhador que relatou as ameaças e a violência que sofrem os camponeses do alto do Rio Preto por parte de capangas e da própria polícia. A fazenda estrondo, que está próxima a área do rio se apropria de 444 mil hectares, desmata o chapadão, avança sobre o Vale do Rio Preto, área de uso coletivo das comunidades. “Será que tem justiça pra gente?”, questionou no final de sua fala o trabalhador.

Na 2ª estação, a morte do Rio São Francisco, a ambientalista Ione Rochael falou sobre o crime de Brumadinho e da sua crueldade. “A vida e os rios não valem nada para as mineradoras na busca desenfreada por lucro”, disse.  O Rio Paraopeba, morto sem que haja como recuperar, e que vai desaguar no rio São Francisco. Na 3ª e última estação, sinais de ressurreição, em frente à Igreja do Bom Jesus dos Navegantes, houve a memória do povo de Correntina, em defesa do Rio Corrente com a mensagem: “Ninguém vai morrer de sede às margens dos rios do oeste”. Integrantes das comunidades de João da Roca e Cachoeira do Brejo, de Caetité, também se manifestaram contra o projeto de mineração da construção de uma barragem de rejeitos nas nascentes pela Bahia Mineração.

Dom Luís deu a bênção final e ressaltou que a Via Sacra é acompanhar o Bom Jesus para o calvário meditando todo o seu sofrimento e toda a sua dor. “A Via Sacra se conclui com a ressurreição de Jesus e ela está na luta de um povo unido para vencer todas suas dificuldades”, disse.

Encerramento

Com os compromissos e esperanças renovadas para a luta diária pelos Direitos Sagrados: Terra, Água e Justiça, romeiros e romeiras se despediram da 42ª Romaria da Terra e das Águas, em Bom Jesus da Lapa, na Gruta da Soledade, na manhã do domingo (7). Este ano, o homenageado da 42ª Romaria, foi Dom André de Witte, Bispo da Diocese de Ruy Barbosa e o atual presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra. Em seu discurso, ele reafirmou o compromisso com a fé e a vida, e de estar ao lado do povo.

Confira a seguir a Carta Final:

“Será libertado pelo Direito e pela Justiça.” (Isaías 1,27)

Da 42ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa, realizada nos dias 05, 06 e 07 de julho de 2019, dirigimo-nos às comunidades, organizações e movimentos, às nossas Igrejas e a toda a sociedade. Cerca de 6.000 pessoas, vindas de todos os cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Graz (Áustria), estivemos na gruta-igreja da Lapa, “feita de pedra e luz”, para rezar, trocar experiências, saberes e propostas e comprometer-nos com a luta por direitos. Tais direitos só se materializam através de políticas públicas novas ou as já existentes que estão sendo ameaçadas cotidianamente no atual cenário sócio, político, econômico, cultural e ambiental. Um ruidoso clamor sobe da Terra e das Águas, dos povos que as habitam e delas vivem e de todas as outras formas de vida ameaçadas, e atinge e apela a todos, em especial a nós, seguidoras e seguidores do Bom Jesus, com ele construtoras e construtores do Reino de Misericórdia, Justiça e Paz.

Entregues ao jogo inescrupuloso do capital especulativo e financeiro, nossa vida e destino estão reféns de uma nova e mais perversa forma de colonização: retirada de direitos historicamente conquistados, dos trabalhadores do campo e da cidade e dos povos tradicionais; desmonte da previdência social; exploração exaustiva de nossos bens naturais; precarização de políticas públicas de educação, saúde, meio ambiente, convivência com os biomas, juventudes, etc. Tudo submetido ao canto da sereia do resultado meramente econômico imediato.

Como consequência, tragédias anunciadas, como o crime ambiental em Mariana e Brumadinho – MG; os conflitos por terra e água provocados pelas empresas do agro-hidronegócio, projetos de energias e empresas de mineração; envenenamento das águas (um em cada quatro municípios brasileiros tem água contaminada por agrotóxicos) do solo e das populações. Sem investimento em educação e saúde, congelados por 20 anos, com 13 milhões de desempregados, 1,16 milhões de pessoas com depressão, crescente número de suicidas, inclusive entre os jovens.

Na esperança de que seremos libertados pelo Direito e pela Justiça, à luz da Palavra de Deus e do testemunho dos nossos Mártires e Inspiradores/Inspiradoras, refletimos sobre nossas vidas dedicadas à luta por terra, água e justiça social – políticas públicas, direitos sagrados, exigências do Reino. A 42ª Romaria refletiu nos cinco plenarinhos sobre a superação das dificuldades enfrentadas nestas lutas. A partir da nossa centralidade no Bom Jesus, sob vários olhares, trocamos experiências, discernimos, assumimos compromissos e comunicamos:

Terra e Território: Direito do povo e dever do Estado A conjuntura atual está marcada pelo acirramento dos conflitos agrários. Está em curso um projeto de governo que visa retirada de direitos territoriais, revogação de políticas públicas, supressão de barreiras ambientais e criminalização das lideranças e movimentos sociais, principalmente os de luta por terra e território. Refletimos sobre a postura do Estado e nos indignamos com os casos de violência contra as comunidades em seus territórios. Diante deste quadro, decidimos fortalecer as lutas e resistências com trabalho de base, articulação, mobilização e organização das comunidades locais. E desenvolver mais práticas sustentáveis que contribuam com o Bem Viver dos povos e comunidades tradicionais do campo, das florestas, das águas e da cidade.

Fé e Política: Políticas Públicas – nenhum direito a menos – À luz da Doutrina Social da Igreja, o compromisso cristão é ser sal e luz no mundo. Com base no tema da Campanha da Fraternidade de 2019 – Fraternidade e Políticas Públicas –, resgatamos o compromisso de participação, organização, mobilização e formação social. Fazendo análise dos cenários global, nacional e regional, constatamos que para barrar o desmonte do Estado Social conquistado com a Constituição de 1988, é necessário intensificar a luta de forma organizada. Neste contexto, promover a evangelização nas dimensões da formação eclesial das comunidades e na promoção da justiça social, resgatando as Igrejas como “comunidades de comunidades” (Doc. nº 100, CNBB). A transformação rumo a uma sociedade justa é um processo contínuo que exige profundas mudanças culturais e participação de todos. Para a ampliação e fortalecimento da democracia, vamos favorecer o diálogo para a organização, formação e mobilização das comunidades na base, na luta e para a luta.

Rio São Francisco e outras bacias: “Brumadinho pergunta: Quem manda na bacia do São Francisco?” – A mística retratando o crime ambiental de Brumadinho – MG, seguida de depoimento sobre o crime e os impactos nas vidas atingidas, deram o tom da resposta a esta questão, imposta pelos crescentes conflitos entre o avanço da mineração empresarial e a vida. Situação recorrente na Bahia: barragens de rejeitos da Mirabela no Rio de Contas, da Bahia Mineração em Guanambi, da Galvani/Iara em Campo Alegre de Lourdes. Nos Rios Paraguaçu e Pardo, além do São Francisco, o assoreamento pelo agronegócio, sobretudo. De positivo a retomada da Articulação Popular São Francisco Vivo, compromisso do ano passado. Urge resistir à imposição atual do extrativismo minerário, impedindo novas barragens de rejeitos, em vista de outro modelo de mineração com soberania popular; exigir das autoridades o reconhecimento de que a lama criminosa da Vale já contamina o São Francisco e as medidas cabíveis de direito da população ribeirinha atingida; e avançar na organização e articulação em defesa das Bacias de nossos rios.

Crianças: Toda criança tem o direito de ser feliz Com a participação de 70 crianças e outras 100 pessoas, a reflexão foi inspirada na vivência do Projeto Cata-Ventos da Diocese de Barreiras, dialogada com o Estatuto da Criança e do Adolescente – direitos e deveres. A metodologia utilizada favoreceu que as crianças revelassem a sua percepção sobre o desrespeito aos seus direitos, maus tratos e violência. O compromisso é de continuar na luta para que todas as crianças e adolescentes tenham seus direitos assegurados: educação, alimentação, moradia e saúde.

Juventude – Juventudes e Políticas Públicas: “Ninguém solta a mão de ninguém” – Com presença de 450 jovens de suas diversas pastorais, discutiu-se o tema em três rodas de conversa com os subtemas das Políticas Públicas para a juventude, de combate ao suicídio de jovens e de meio ambiente. A conclusão é de que estas políticas estão estagnadas, não existem. Compromisso firmado: discutir sobre as políticas públicas e os direitos sociais nas bases, politizando-as.

Assim, desde a primeira noite da Romaria, celebramos a esperança e a promoção da justiça social inspirados pelos ensinamentos do Papa Francisco, que destacam as lutas por Terra, Trabalho e Teto, retomados na homilia de D. João Cardoso, bispo da Lapa, na celebração de abertura. Lembramos as dimensões evangelizadoras e missionárias da Igreja no Brasil – formar o povo e promover a justiça social – nas palavras de D. André de Witte, bispo de Ruy Barbosa e presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Conduzidos por D. Fr. Luiz Cappio, com a imagem de São Francisco Peregrino, caminhando da Gruta do Bom Jesus até à Capela de Bom Jesus dos Navegantes, dos ribeirinhos, barqueiros e pescadores, revivemos a Via Sacra de Jesus no sofrimento e resistência dos povos dos Gerais Baianos em Correntina, Formosa do Rio Preto e

Caetité, e do de Brumadinho e do rio Paraopeba (MG).

Sob as bênçãos do Bom Jesus e de Nossa Senhora da Soledade, sejamos todos e todas, também vocês que recebem esta Carta, luz e força divina, na organização do povo de Deus e na luta pela garantia dos seus direitos, pela construção do poder popular. Gratidão a quem participou e a quem organizou esta bela romaria! E até a grande 43ª Romaria em 2020, com as graças do Bom Jesus!

Bom Jesus da Lapa- BA, 07 de Julho de 2019.

Os romeiros e romeiras da 42ª Romaria da Terra e das Águas.

 

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