CPT Ceará divulga Carta da 16ª Romaria da Terra do Ceará. "Na construção do Bem Viver, rearmamos a importância das cisternas de água para beber e para a produção, os quintais produtivos, as casas de sementes crioulas, os processos de mobilização social transformadora e todos os esforços de homens e mulheres que dão vida a este semiárido". Confira o documento na íntegra:
Carta da 16ª Romaria da Terra do Ceará
17 de agosto de 2013
“Bendita e louvada seja esta grande Romaria”
Terra, Água, Comunhão: bem viver em nosso chão! Nas terras de Pe. Ibiapina nós, romeiros e romeiras vindos de todos os recantos do Ceará, reunimo-nos na 16ª Romaria da Terra, na cidade de Sobral. Somos mulheres e homens do campo e da cidade, trabalhadores e trabalhadoras da terra, povo de Deus a caminho da Terra Prometida, onde nossa vida é respeitada e os direitos garantidos.
Romaria da Terra é a celebração da vida e das lutas. Nesta festa, ofertamos ao Deus de tantos nomes nossas esperanças e sonhos, as experiências de lutas por direitos e de convivência com o semiárido, para que sejam multiplicadas e fruticadas em vida digna e liberdade para todas as pessoas. Rearmamos a rica tradição cultural do Bem Viver dos povos indígenas como princípio válido e possível, traduzindo-o em formas concretas cotidianas, comunitárias, solidárias de partilha e de comunhão de todos os seres humanos entre si e com a natureza.
“Um clamor de justiça está no ar”
A Romaria é realizada também como ato de denúncia diante de tanto sofrimento imposto. Deixamos claro que o modelo de desenvolvimento capitalista destruidor de vidas não serve. Portanto, repudiamos toda forma de violência real e simbólica sobre os povos e os territórios.
Estamos vivenciando uma seca prolongada. O momento é difícil, mas não podemos esconder a verdade: “o problema do Nordeste não é a seca, mas a cerca”. 20 cidades já estão em colapso de água e 32 municípios já precisam de complementos para garantir o abastecimento, numa situação que tende a se agravar. A seca é um fenômeno climático previsível, mas os governos não se planejam, com medidas estruturantes e políticas de convivência, para que as consequências não sejam tão desastrosas. Como exemplo estão as cisternas de polietileno que, ao contrário das cisternas de placa, são prejudiciais à saúde, ao meio ambiente, tem custo redobrado e não constatamos processo de mobilização social. Muitos ainda se aproveitam do momento para propagar a velha indústria da seca, garantindo interesses politiqueiros.
A política hídrica do Ceará privilegia os grandes projetos de desenvolvimento. Em tempos de seca, falta água para suprir as necessidades humanas e animais, mas não falta água para projetos do agrohidronegócio e outras infraestruturas. É uma política obscura, que favorece a concentração d'água e construída sem a participação da sociedade civil, geralmente impactada pelos grandes projetos, sendo-lhe negado o direito de participação nos processos que decidem os rumos dos territórios.
Denunciamos o avanço destruidor das minerações, especialmente o projeto de mineração de urânio e fosfato de Itataia, no município de Santa Quitéria.
Entendemos que o Bem Viver no Semiárido passa, necessariamente, pela garantia do acesso à terra, à água, à educação do campo e no campo, a um sistema de saúde integrado e em pleno funcionamento.
“Ai daqueles que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não haja mais espaço possível” (Is 5, 8)
Rearmamos nosso apoio irrestrito à luta dos povos indígenas, quilombolas, camponeses, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos na defesa e regularização de seus territórios. Rearmamos o compromisso com a luta pela Reforma Agrária, não como política de desapropriação de terras improdutivas, nas quais proprietários saem ganhando com as indenizações. Solidarizamo-nos com as famílias residentes nos centros urbanos do Ceará, impactadas por grandes projetos e mega eventos, como a Copa do Mundo, sendo removidas dos bairros onde vivem e violadas em seus direitos fundamentais, como ao trabalho digno e à moradia, entre outros. A nossa solidariedade de maneira especial às famílias camponesas da comunidade do Boqueirão, em Sobral, forçadas a saírem da terra onde vivem há mais de 70 anos pela especulação imobiliária. Sentimo-nos comprometidos com a defesa da vida dos jovens do campo e da cidade. Repudiamos toda forma de violência contra as juventudes e exigimos um basta ao extermínio de jovens. Queremos garantias para que as juventudes tenham as condições necessárias para desenvolverem suas potencialidades.
Unimos nossas vozes às vozes de milhares de pessoas, especialmente jovens, que nos últimos meses denunciaram, nas ruas de todo o país, as injustiças cometidas no Brasil e exigiram a garantia dos direitos humanos.
“Não tenham medo, diz o Senhor, continuem a falar e não se calem, porque Eu estou com vocês” (At, 18,9)
Na construção do Bem Viver, rearmamos a importância das cisternas de água para beber e para a produção, os quintais produtivos, as casas de sementes crioulas, os processos de mobilização social transformadora e todos os esforços de homens e mulheres que dão vida a este semiárido.
Fortalecidos pelo testemunho vivo dos mártires e lutadores do povo, como Benedito Tonho e Pe. Ibiapina, pela coragem de tanta gente em resistir diante dos conitos, na profética e solidária opção pelos pobres, na certeza e esperança de que Jesus de Nazaré caminha sempre conosco, não cansamos de pedir: “Venha o teu Reino, Senhor!” (Mt 6, 10).
Comissão Pastoral da Terra do Ceará