COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Fernando Ferreira Lima e outros membros das comunidades estavam cuidando do gado em seu território tradicional, quando foram “abordados” por segurança da empresa “Estrela Guia” exigindo a retirada dos animais a qualquer custo

Por Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais - AATR/Bahia

Na tarde do sábado (17), na zona rural do município de Formosa do Rio Preto, extremo oeste da Bahia, homens armados que atuam como "agentes de segurança" do Condomínio Cachoeira do Estrondo abordaram geraizeiros no momento que trabalhavam com o gado, ameaçando que saíssem de cima seus cavalos e deixassem de usar o seu próprio território tradicional.

Nesse momento, Fernando Ferreira Lima desceu do cavalo e saiu correndo, momento em que dispararam por trás da vítima, sem dar qualquer possibilidade de defesa diante da obediência das exigências arbitrárias e ilegais realizadas por parte da empresa de segurança "Estrela Guia", contratada pelo Condomínio Cachoeira do Estrondo.

Os seguranças atiraram três vezes em direção ao membro da comunidade, acertando e atravessando a perna de Fernando Ferreira Lima. Após esse momento, dispararam outros três tiros em direção a barriga do animal que estava montado outro membro da comunidade.

Fernando foi socorrido por outros membros da comunidade enquanto estava sangrando dentro do rio. A vítima foi levada a partir de ajuda financeira de membros da comunidade à Dianópolis-TO, cidade mais próximo da comunidade, mais de 100 quilômetros do local do crime. Diante da necessidade de um procedimento mais delicado, precisou ser transferido para a capital Palmas, onde constatou-se que a bala não ficou alojada no fêmur e não atingiu qualquer artéria principal.

O projétil atravessou sua perna e, por isso, Fernando ficará impossibilitado de exercer seu trabalho e ajudar no sustento de sua família. Além disso, os seguranças estão prendendo o rebanho da vítima, a principal fonte de renda das famílias geraizeiras.

Nesse último contexto, quando outros membros das comunidades tentaram resgatar o rebanho, os seguranças os ameaçaram com disparos de arma de fogo e posteriormente condicionaram a liberação a uma apresentação de documentos que, quando apresentados, receberam como resposta: "vocês fica sabendo que aqui vocês não passa mais (...) não tem negócio de gado não".

Essa não é a primeira vez que os "agentes de segurança" atiram contra membros das comunidades. Em verdade, outros membros já sofreram o mesmo ataque direto no dia 31 de janeiro deste ano, quando exerciam as atividades diárias de pastoreio. As autoridades já foram informadas do contexto, mas até o momento mostram-se inertes.

Ressalta-se que o tratamento violento é uma constante da empresa no ataque para inibir e avançar na expansão e roubo de terras por parte de sua contratante Condomínio Fazenda Cachoeira do Estrondo contra as comunidades que por gerações vivem nos Gerais.

ENTENDA O CASO

Segundo informações do Livro Branco da Grilagem, levantamento publicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1999, a Fazenda Estrondo é resultado da apropriação ilegal de 444 mil hectares de terras nas proximidades da nascente do Rio Preto, importante afluente da Bacia do Rio São Francisco. A área está localizada no coração da região conhecida por MATOPIBA, fronteira agrícola onde se acumulam denúncias de grilagem e violência contra comunidades e posseiros.

As fraudes cartoriais que possibilitaram a grilagem foram realizadas no final dos anos 1970, mas somente nos anos 2000 a área começou a ser desmatada para o plantio de soja, milho e algodão. A fazenda foi autuada em diversas oportunidades pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em razão de desmatamento ilegal. Também há registros de autuação por trabalho análogo à escravidão.

O protagonista da grilagem é o empresário Ronald Guimarães Levinsohn. Ele controla, atualmente por intermédio das duas filhas, as três empresas que reivindicam a propriedade das terras: Delfim Crédito Imobiliário S/A, Colina Paulista S/A e Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB). Envolvido em inúmeras fraudes e negócios suspeitos, ganhou notoriedade por sua proximidade com próceres da Ditadura Civil-Militar (1964-1985).

As terras griladas eram de uso tradicional das comunidades geraizeiras do Alto Rio Preto – Cachoeira, Marinheiro, Cacimbinha, Gatos e Aldeia. De acordo com os estudos técnicos realizados por determinação da Promotoria Regional do Meio Ambiente de Barreiras, em Inquérito Civil Público que apura crimes ambientais na Fazenda Estrondo, as comunidades são remanescentes de povos indígenas e de quilombolas que chegaram à região no final do século XIX, no contexto pós-abolição.

Após se apropriar e desmatar o chapadão onde as comunidades criavam gado e realizavam extrativismo, agora as empresas avançam sobre a região do Vale do Rio Preto, onde estão localizadas moradias dispersas e os povoados. Nesta área do vale, as comunidades ainda exercem a sua posse tradicional, na qual extensas áreas são de uso comunitário. As empresas construíram guaritas com "agentes de segurança" privados entre as comunidades, de onde controlam o trânsito nas estradas e exercem forte vigilância sobre as famílias. Foram registradas junto às autoridades policiais e Ministério Público Estadual e Federal dezenas de ameaças, agressões e até sequestro relâmpago de trabalhadores que ocupam a direção das associações comunitárias. No entanto, nada foi apurado e, até o momento, nenhum responsável foi punido.

FAZENDA ACUMULA DERROTAS NO PODER JUDICIÁRIO

Em abril de 2017, com a intensificação dos ataques sobre as áreas comuns do Vale do Rio Preto, as comunidades reunidas ingressaram com Ação de Manutenção de Posse coletiva de uma área de 43 mil hectares, no entorno dos povoados. Em 03 de maio do mesmo ano, a magistrada da Vara Regional de Conflito Agrário e Ambiental de Barreiras concedeu a medida liminar, em caráter de urgência, estabelecendo multa diária de 50 mil reais pelo descumprimento da decisão. Um mês depois, a Vara especializada teve suas atividades encerradas por decisão da então presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Maria do Socorro Barreto Santiago. A ação foi remetida para a comarca de Formosa do Rio Preto.

As empresas postergaram por um ano, com manobras e pressão sobre servidores, a citação pelo oficial de Justiça. Citadas em abril de 2018, recorreram da decisão liminar no Tribunal de Justiça, porém, o desembargador José Cícero Landim não concedeu a suspensão da decisão, alegando que os documentos apresentados pelas comunidades indicam que exercem efetivamente a posse sobre o território indicado. Em julgamento ocorrido no dia 12 de fevereiro de 2019, a terceira câmara cível do Tribunal de Justiça da Bahia confirmou a decisão no mérito, garantido a vigência liminar de manutenção de posse das comunidades na área coletiva correspondente a 43 mil hectares.

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