COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

No dia 18 de maio, o juiz federal de Ji-Paraná (RO), Marcelo Elias Vieira, realizou uma inspeção judicial ao Distrito do Forte Príncipe da Beira, localidade de remanescentes de quilombo do município de Costa Marques, na divisa entre o Brasil e a Bolívia.

 

(Por Josep Iborra Plans* e Roberto Ossak** | Imagens: Roberto Ossak e Elsie Shockness)

A comunidade quilombola está em conflito com o Exército Brasileiro pela superposição da área tradicional com a área ocupada pelo 7º Batalhão de Fronteira, que esteve representado na reunião pelo capitão comandante do 1º Pelotão Especial de Fronteira e pelo comandante do 6° Batalhão de Infantaria de Selva de Guajará Mirim, tenente coronel Lustosa, e pelo general de brigada José Eduardo Leal de Oliveira, comandante da 17ª Brigada de da Infantaria de Selva, de Porto Velho, assim como o titular da Advocacia-Geral da União de Porto Velho, Jorge de Souza.

Em apoio às reivindicações da comunidade quilombola, esteve presente o secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Juvenal Araújo Júnior. Também participaram do ato de inspeção a gerente do Núcleo de Promoção e Igualdade Racial, Elsie Shockness, e o representante do Governo de Rondônia, Pedro José Alves Sanches, secretário adjunto de Assistência e do Desenvolvimento Social (SEAS), e o prefeito de Costa Marques, Vagner Miranda, conhecido como Mirandão.

Também acompanharam a inspeção judicial o presidente da Associação Quilombola do Forte, Elvis Pessoa, o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Murilo Rafael Constantino, a perita em antropologia do MPF, Rebeca Campos Ferreira, o responsável do Programa Brasil Quilombola do Incra de Rondônia, William Coimbra, e representantes da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia (CPT-RO).

A inspeção foi concluída com uma reunião entre o juiz Marcelo Vieira e inúmeros membros da comunidade quilombola, que apresentaram suas reivindicações e pediram que os seus direitos sejam realmente respeitados, como serem reconhecidos como quilombolas. O povo relatou as diversas dificuldades após o Batalhão ter avançado as cercas do Quartel  e ter deixado a Escola General Sampaio dentro da área sob custódia de soldados, que exigem revisar e documentar todas as pessoas que entram na escola da comunidade.

Os/as quilombolas também relataram as recentes dificuldades para a realização de um curso de guias turísticos, que acabou tendo que acontecer em outro local. Também as dificuldades para utilização da quadra de esportes da escola e para realização das festas tradicionais da comunidade. Também denunciaram que o atual Secretário de Educação Municipal, professor Carlos Alberto Silva de Souza, não reconhece como quilombola a escola e ameaça fechar a mesma. Reiteraram à Prefeitura o pedido de criação do Conselho Municipal da Igualdade Racial em Costa Marques para que as escolas das comunidades possam ser reconhecidas como quilombolas e receber os recursos destinados para elas. Inclusive porque precisa construir uma nova escola na área fora da área do quartel: “Não dá mais para ficar assim”, disseram moradores da comunidade.

A comunidade também falou sobre os problemas enfrentados para plantarem suas roças nas áreas tradicionais da comunidade, pois não tem sido permitida a realização de queima, e que as áreas eram preparadas com auxílio de um trator da Emater, mas a máquina foi apreendida pelo Exército e o motorista está respondendo um processo, apesar do trabalho ter sido autorizado previamente – e isso tem prejudicado diversas pessoas. Além disso, vários agricultores foram autuados e notificados pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), inclusive pela criação de porcos.

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A comunidade tradicional também expôs os problemas decorrentes da instalação de uma corrente no porto da comunidade às margens do Rio Guaporé. Além disso, os pescadores e todos os habituais utilizadores do porto são revistados pelos membros do Exército. E não para por aí. Os/as quilombolas contaram que tiveram dificuldade para realizar a tradicional atividade de extração de castanhas e, posteriormente, para venda da mesma. E a comunidade ainda passa por atitudes e situações hostis por parte de sargentos do Batalhão e arbitrariedades dos comandantes, que mudam a cada ano.

A comunidade reiterou que a proposta do Exército, em 2012, de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) individuais não respondia aos direitos e necessidades da comunidade, e que a decisão tomada foi apoiar o pedido de realização do estudo antropológico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para fundamentar o que exige a lei: demarcar as terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. Por este motivo, a principal reinvindicação manifestada pela comunidade é a autorização (reiteradamente negada pelo Exército) da entrada do INCRA na área para realização do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) previsto no Decreto 4.887/2003, que regula trâmites da regularização de áreas quilombolas previstas no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Representantes da Pastoral da Terra de Rondônia reiteraram a necessidade de não protelar mais uma decisão que faça cumprir a lei, pois o processo está há mais de três anos na Justiça Federal, tendo em vista os conflitos que continuamente a comunidade vem sofrendo e que o Decreto já foi confirmado em sua constitucionalidade por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 08 de fevereiro de 2018. Essa decisão manteve a regulamentação dos procedimentos para demarcação e titulação das terras quilombolas. Sendo que o RTID é apenas o primeiro passo do procedimento, que prevê amplo espaço para o contraditório, no qual o Exército terá todo o espaço para se manifestar posteriormente.

O representante do INCRA destacou que a área em questão se trata de uma gleba de terras públicas, sendo que a ocupação por parte do Exército também é irregular, pois recebeu apenas em 1998 uma concessão que precisava ser renovada a cada dois anos, o que nunca foi feito. Também o Exército precisa regularizar sua situação na área.

O juiz federal Marcelo Vieira manifestou que nesta visita se limitava a ouvir a comunidade e que será realizado um relatório da atual Inspeção Judicial, que será anexado ao processo, devendo posteriormente ser realizada uma nova audiência de conciliação para tentar resolver o conflito.

O titular da SEPPIR, Juvenal Araújo, agradeceu a inspeção e destacou a importância desta visita inédita de um juiz federal numa área quilombola, reiterando que a Secretaria já dispôs de recursos para financiar o trabalho do INCRA para realização do RTID logo que for autorizado.

*Membro da coordenação da Articulação das CPT’s da Amazônia

**Membro da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia (CPT-RO)

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