Movimentos sociais denunciam decreto de Lula como “anistia à grilagem” e alertam para violência no campo

Organizações de Rondônia criticam decreto que regulamenta a Lei 14.757/2023, alegando que ele anistia grileiros e ameaça quase 16 mil famílias rurais. A medida é vista como estímulo à violência fundiária e à legalização de ocupações ilegais.
A Lei 14.757/2023, de autoria do senador Confúcio Moura (MDB-RO), altera marcos legais da política fundiária, extinguindo cláusulas resolutivas que exigiam uso produtivo e proibição de venda em terras do INCRA. Segundo a CPT, a nova regulamentação favorecerá grandes grileiros e legalizará fraudes fundiárias históricas em Rondônia.
Dados da Comissão Pastoral da Terra e parceiros revelam que o estado teve 123 conflitos por terra em 2024, envolvendo 9.400 famílias. Um relatório do MDA aponta 15.981 famílias em risco de despejo, com 95% das áreas de conflito localizadas em terras públicas com indícios de grilagem.
“Estamos diante de uma engrenagem que devora gente e floresta para alimentar um modelo de desenvolvimento que não nos serve”, afirmou o professor Afonso Chagas, da UNIR. Ele critica a anistia a desmatadores e o uso de violência como ferramenta de silenciamento no campo.
O governo afirma que a lei beneficiará 40 mil famílias, mas movimentos sociais contestam. “Mais de 90% das situações envolvem pequenos agricultores, mas a lei foi feita para os grandes”, diz o documento. Para a CPT, a ausência de transparência do INCRA e o histórico de contratos descumpridos agravam o cenário.
Em 2024, foi registrado o assassinato de João Teixeira de Souza, liderança rural em Nova Mamoré, além de seis tentativas de homicídio. Casos de trabalho escravo e agressões a comunidades indígenas também marcaram o ano.
Os movimentos sociais exigem que o presidente Lula não assine o decreto, alertando que ele pode legitimar injustiças históricas e ampliar os conflitos no campo. “Este decreto não pode ser validado ao preço de tantas vidas e de tantos direitos sacrificados”, destaca a carta aberta.
Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT-RO)
CARTA ABERTA
Excelentíssimo Sr. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
Excelentíssimo Sr. Ministro do MDA Paulo Teixeira
Nós, que abaixo assinamos esta Carta Aberta, somos participantes, apoiadores e lideranças de Movimentos Sociais, Movimentos Sindicais, Organizações Não Governamentais, Entidades e Organizações da Sociedade Civil. Já tentamos, por várias vias, dizer o que conhecemos e vivemos, mas, até agora, não obtivemos nenhum efeito prático. Gostaríamos de expressar um pouco das lutas por terra e direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em Rondônia. Causou-nos indignação um vídeo do Sr. Ministro Paulo Teixeira, informando que a “grande novidade” que o Presidente Lula traria a Rondônia, em visita próxima a ser agendada, seria a assinatura do Decreto que acaba com as cláusulas resolutivas e regulamentará a aplicação da Lei nº 14.757/2023.
Em primeiro lugar, gostaríamos de recordar que os movimentos e organizações sociais, urbanos e rurais, desde a época em que esta lei era apenas um projeto, se posicionaram contra tal medida.
Fizemos, inclusive, uma luta conjunta contra o projeto de lei e, depois, para que o Sr. Presidente a vetasse. Sentimo-nos contemplados quando a maioria dos dispositivos da lei aprovada foi vetada. No entanto, em 28 de maio de 2024, todos os vetos do Presidente foram derrubados pelo Congresso Nacional.
Sempre consideramos e tentamos demonstrar, por meio de audiências e documentos, que essa lei representava uma verdadeira anistia a grileiros, desmatadores e, principalmente, a grandes “proprietários” que não só usurpam terras públicas, mas também aliciam a pistolagem contra as trabalhadoras e trabalhadores que lutam por terra e direitos, invadem áreas protegidas e áreas públicas ainda não destinadas. Esta é uma agenda articulada e mobilizada pelo agronegócio em nosso Estado.
A isso que o Sr. Ministro chama de “novidade ou boa notícia”, gostaríamos de dizer o que realmente significa. Rondônia, de acordo com o Relatório de Missão (06 a 09 de março de 2024), do Departamento de Mediação e Conciliação Agrária, do MDA (relatório publicado), tinha 15.981 famílias em risco de despejo, em 72 áreas de conflitos por terra no Estado. Mais de 95% dessas áreas em conflito dizem respeito justamente a essas terras públicas com claros indícios de grilagem, e que agora, por meio da anistia concedida pela lei, busca-se regularizar. Não se trata de áreas que atingem pequenos ocupantes de terras públicas, mas de grandes grileiros de terras que, nas décadas de 1970 e 1980, por meio de licitação de áreas, em média de 2.000 hectares, celebraram contratos com cláusulas e condições que não foram cumpridas e com pagamentos não realizados. Operou-se uma verdadeira fraude de terras públicas que, agora, a lei simplesmente busca legalizar. Insiste-se em alertar que não se trata de áreas pequenas, de até um módulo fiscal ou até quatro módulos fiscais, na média da agricultura familiar, mas de grandes imóveis que encontraram, agora na lei, mais uma vez, uma possibilidade de pilhagem do patrimônio público.
Esta “novidade” anunciada está muito longe de ser uma boa notícia; ao contrário, significará mais violência, despejos, assassinatos e tragédias sobre as famílias que lutam por um pedaço de chão. Significará, uma vez mais, um Decreto que concede privilégios a poucos e impõe a miséria, a violência e a marginalização a milhares de famílias no Estado de Rondônia. Significará também mais danos e agressões às áreas protegidas, aos territórios das comunidades tradicionais e ao direito à moradia. Essa é a fotografia da questão agrária em Rondônia, que muitos insistem em esconder.
Sabemos que se trata de um cenário complexo, mas, infelizmente, inclusive por parte dos órgãos responsáveis, muito pouco tem sido realmente feito para amenizar tais situações. Clamamos por uma atenção devida, pelo respeito a esta causa de milhares de famílias e pelo cuidado com o patrimônio público, já tantas vezes saqueado pela grilagem e pela especulação imobiliária em nosso Estado. Entendemos que tanto a lei quanto o decreto tendem a escalar ainda mais a realidade de violência e conflitos em nosso Estado.
Gostaríamos que a nossa indignação produzisse o efeito de uma escuta honesta e atenta a esta realidade tão gritante. Este decreto não pode ser validado ao preço de tantas vidas e de tantos direitos sacrificados. Reivindicamos o direito de sermos ouvidos e de participação ativa e, por isso, expressamos nosso repúdio e indignação.
Será sempre bem-vindo ao nosso Estado, Presidente, mas saiba que os e as que aqui lutam e resistem almejam, de vossa parte, um posicionamento firme e decidido em favor da Justiça e da Causa Trabalhadora e, por isso mesmo, contra essa regulamentação e contra os retrocessos que avançam sobre nossos direitos.
Porto Velho, 15 de junho de 2025.
CUT/RO: Central Única dos Trabalhadores do Estado de Rondônia
CPT: Comissão Pastoral da Terra
FETAGRO: Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Rondônia
MAB: Movimento dos Atingidos por Barragens
Coletivo LGBTQIAPN+ Somar de Porto Velho – RO
Depois de tanto tempo, agora que edescobrimos que os grandes invasores das terras brasileiras, foram os portugueses, mesmo sabendo da florestas e índios. Desrespeitaram e destruíram nossas origem. Transformando um cenário de escravidão e exploração de minérios. E estaremos lutando pra que as terras brasileiras não sejam de alguns, mas de todos que querem produzir e plantar. Reforma agrária já.