CPT: 50 anos de Presença, Resistência e Profecia ao lado dos pobres da terra

Neste 22 de junho, Comissão Pastoral da Terra celebra cinco décadas de missão profética em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas
Por Comunicação CPT Nacional
Há 50 anos, no Centro Pastoral Dom Fernando, em Goiânia (GO), bispos e prelados da Amazônia discutiam uma resposta da Igreja diante dos clamores dos povos da terra. O ano era 1975, o período mais repressivo da ditadura militar, marcado pela repressão aos movimentos do campo, pelas denúncias de trabalho escravo na expansão agrícola e pela expulsão dos posseiros das terras devido à forte concentração do latifúndio. Aquele encontro teve um resultado diferente, e dentre os encaminhamentos foi aprovada a criação de uma Comissão de Terras, em seguida renomeada para Comissão Pastoral da Terra.
Este movimento de uma igreja engajada com as causas populares, disposta a enfrentar a violência para ficar ao lado dos camponeses e camponesas, já vinha acontecendo desde o Concílio Vaticano II (1962-1965) e a Conferência de Medellín, (1968), que propuseram um modo renovado de ser e fazer igreja, ligada aos contextos sociais e culturais do mundo e da América Latina em pleno século XX. Foi ouvindo o povo que o bispo Pedro Casaldáliga publicou a Carta: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o Latifúndio e a marginalização social”, em 1971, durante a sua ordenação enquanto bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT).
Em sua “certidão de nascimento”, a CPT já se comprometia em “realizar com agilidade o objetivo de interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em favor dos homens [e das mulheres] sem terra e dos trabalhadores [e trabalhadoras] rurais”, bem como o incentivo para que as dioceses e prelazias também organizassem equipes pastorais (liberadas/contratadas e voluntárias) em todo o Brasil. Daí foram criadas, em pouco tempo, equipes pastorais e regionais, com jeitos diversos de trabalhar, mas com uma sede de denúncia das injustiças e anúncio da justiça nas comunidades rurais, aliada a uma mística que sonha com a Terra Sem Males.
“A CPT já nasceu comunicando!”
O primeiro Boletim impresso da CPT (hoje, jornal Pastoral da Terra) saiu logo após a fundação, relatando os conflitos e as lutas do povo do campo. O padre Ivo Poletto, que atuava na diocese de Goiás, foi indicado para ser o secretário da Pastoral e uma das suas primeiras iniciativas foi criar um instrumento de comunicação que cumprisse o papel de interligar as comunidades. Assim, no mês de dezembro de 1975, foi distribuído o primeiro número do Boletim da Comissão Pastoral da Terra. Esse material apresentava a toda a igreja e à sociedade, o que era e para o que vinha esta Comissão, explicitando o papel da Pastoral na caminhada junto aos povos. Pode-se comparar este material à “certidão de nascimento” da CPT. Por isso, segundo o saudoso agente histórico da CPT, Antônio Canuto, “a CPT já nasceu comunicando!”
Em seus 10 primeiros anos, tendo periodicidade mensal, o Boletim era a principal fonte de informação sobre as ações da Pastoral, bem como das denúncias de violações de direitos nas comunidades, servindo como instrumento de formação (por isso, podemos dizer que a CPT também já nasceu documentando). De lá pra cá, nestes 50 anos de vida, este veículo de comunicação nunca deixou de circular.
Cedoc: Documentando as lutas das comunidades camponesas
O registro dos conflitos sofridos pelas comunidades camponesas já não era suficiente para a divulgação periódica no Boletim da CPT. A partir do esforço de diversos agentes, como o pe. Mário Aldighieri, historiador e secretário-executivo da CPT, que anotava metodicamente os casos de conflitos trazidos pelos agentes nas reuniões nacionais periódicas, foi constituído o Setor de Documentação em 1985, portanto completando 40 anos.
Além de sistematizar os conflitos e as lutas dos povos do campo, o Setor de Documentação também ficou responsável por organizar o relatório Conflitos no Campo Brasil, lançado anualmente, e que constituem uma das principais ferramentas de denúncias utilizadas pela CPT e por diversos movimentos sociais.
Os levantamentos são realizados pela equipe de documentalistas com base nas fontes coletadas pelas/os agentes da CPT em todo o Brasil, e também por meio da clipagem de notícias junto à imprensa em geral, órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parcerias da CPT ao longo do ano.
Em 2013, o setor passa a se chamar CEDOC – Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, em homenagem a um dos principais fundadores da CPT.
A CPT não tem uma bandeira, mas tem um símbolo: a enxada
Um dos símbolos da diversidade na CPT acontece na sua própria identidade visual. Enquanto uma parte das equipes regionais utiliza a logo nacional, outra parte tem as suas próprias identidades, reflexo de construções históricas locais. Nelas, contudo, um elemento está sempre presente. A enxada é o instrumento de trabalho mais usado no campo entre as comunidades e povos tradicionais acompanhados pela CPT, e reflete o simbolismo de ferramenta para abrir a terra, plantar e cavar para colher, além de precisar ser amolada para conseguir continuar trabalhando.
Articulações
Atualmente, a Pastoral da Terra conta com três articulações, dentre as quais duas delas trabalham nas frentes de mobilização e conscientização sobre os biomas Cerrado e Amazônia, com ações efetivas de formação junto aos povos e comunidades, trabalhando a agroecologia, a autoproteção e a defesa da biodiversidade, entre muitas outras práticas. Já a terceira, nas frentes de combate e prevenção ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil – a campanha “De Olho Aberto para não Virar Escravo”.
Criada em março de 1997, no município de Vila Rica (MT), a Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, sob o lema “De Olho Aberto para não Virar Escravo”, atua em diversos estados brasileiros e abarca uma das missões que perpassa a CPT desde as origens, em 1975. Entre os objetivos da articulação, estão a denúncia da escravidão contemporânea à sociedade e ao Estado brasileiro e o fortalecimento e organização dos povos, territórios e comunidades tradicionais acompanhados pela CPT, além da proposição de políticas públicas de prevenção e resgate das vítimas de trabalho escravo.
“A ideia da Campanha era não somente de provocar as CPT’s a abrirem o olho, mas também convocar os trabalhadores em situação de risco (especialmente nas comunidades acompanhadas pela CPT) e a sociedade em geral para um esforço de vigilância” – Xavier Plassat, coordenação da campanha “De Olho Aberto para não Virar Escravo.
Ao longo de quase 30 anos, Xavier precisa que a CPT foi a entidade que intermediou o maior número de denúncias de trabalho escravo contemporâneo – ao todo, são 5.100 casos identificados até hoje no país. Além disso, ainda de acordo com o coordenador, foram cerca de 65 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatados durante o tempo de atuação da campanha.
Já a Articulação das CPT’s da Amazônia surgiu no ano de 2009 e atua nos nove estados da Amazônia Legal – Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O surgimento da articulação se deu a partir da compreensão do bioma a nível nacional e internacional, além do grande número de conflitos e violências contra os povos e comunidades do campo na região.
Em 16 anos, já foram realizados fóruns, projetos, consultas de demandas, diagnósticos, entre outras iniciativas de fortalecimento e identificação das fragilidades do bioma e das comunidades que nele habitam.
“Celebrar e rememorar a trajetória da Articulação da Amazônia, neste aniversário da CPT, é lembrar que essa construção segue sendo atual, necessária e cheia de sentido. E que cabe à juventude não se colocar como novidade, mas como continuidade, mantendo essa caminhada acesa. A CPT nos ensinou a estar juntos, a não soltar a mão de quem luta e a nunca deixar de denunciar as injustiças. O que queremos, agora, é seguir fazendo isso com coragem, com escuta, com organização e com a alegria de quem sabe que sonhar com os pés no chão é possível na Amazônia” – Larissa Rodrigues, coordenação da CPT Rondônia e integrante da articulação das CPT’s da Amazônia.
Por fim, formalmente efetivada no ano de 2012, a Articulação das CPT’s do Cerrado voltou as atenções aos povos e comunidades deste bioma que se distribui entre os estados da Bahia, Piauí, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Tocantins e Rondônia. O Cerrado, bioma historicamente atravessado pela problemática da produção de commodities – por parte do agronegócio –, a mineração e as grandes obras de infraestrutura, também lida com a pouca visibilidade e atenção dada pelo Estado e sociedade.
Em 2016, a articulação ainda lançou junto a outras organizações uma Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, com o tema “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, cujo principal foco foi a defesa dos povos do Cerrado e de suas águas. Atualmente, 56 organizações, movimentos sociais e entidades – juntamente com os povos e comunidades do bioma – acompanham e promovem a campanha.
“A campanha foi fundamental para colocar o Cerrado na pauta nacional e internacional. Nos últimos anos, o Cerrado ‘entrou no mapa’ para muitas pessoas preocupadas com as múltiplas crises e injustiças ambientais que assolam nosso planeta. E a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado foi responsável pela ampliação dessa consciência” – Isolete Wichinieski, da articulação das CPT’s do Cerrado.
CPT 50 anos!
Celebrando 50 anos de presença solidária, profética, ecumênica, fraterna e afetiva, fiel à sua Missão, reforçando o protagonismo dos povos, a CPT, em seu Ano Jubilar, busca reinventar suas formas e horizontes de luta, atenta à atualidade dos conflitos e das realidades dos povos. E inspirando-se em suas origens, com novos e velhos enfrentamentos nos caminhos à frente, mas com conquistas e aprendizagens junto aos povos durante essas cinco décadas.
Ao longo desses 50 anos, de muita luta e também de muitas conquistas celebradas, pouco se avançou, efetivamente, na política da reforma agrária no país. Famílias continuam acampadas à beira de estrada sem condições mínimas, povos indígenas e tradicionais continuam a ter seus territórios negados ou, ainda, invadidos e devastados por grileiros e grandes empreendimentos. O trabalho escravo rural ainda é uma realidade, com 151 casos e 1.622 trabalhadores resgatados apenas no ano passado. Ainda com a conquista da terra ou do território, os desafios continuam para a permanência. Por tudo isso, a presença da CPT junto aos povos se reafirma em seus processos de luta, no ontem, no hoje e no amanhã.
“Nós somos uma pastoral da fronteira. A gente vai onde ninguém consegue chegar. As comunidades afirmam isso. A CPT é essa presença nos momentos mais difíceis, mas também nos de vitória, lutando junto aos povos. […] Celebramos 50 anos em meio a esse caos também, da retirada, inclusive, do direito e da posse dessas famílias. Então, a CPT é convidada, mais uma vez, a continuar sendo essa presença” – Cecília Gomes, coordenadora nacional da CPT.
Com a chegada de seu Ano Jubilar, a CPT volta as escutas para as vozes dos povos, entoadas pelas realidades vividas em seus territórios de vida e luta. Assim, revigorar a força político-pastoral para continuar o enfrentamento ao modelo de sociedade imposto pelo Estado e pelo capital. Com as reflexões que instiga e convoca o jubileu, a CPT já identifica seus muitos motivos para se reunir em Congresso, que em sua quinta edição, será guiado pelo tema “CPT 50 anos – Presença, Resistência e Profecia” e o lema “Romper Cercas e Tecer Teias: A Terra a Deus Pertence! (cf. Lv 25)”. Para esta grande celebração, a cidade de São Luís, capital do Maranhão, acolherá cerca de 1.000 participantes, entre camponeses e camponesas, povos tradicionais e originários, agentes pastorais e parceiros de luta, entre os dias 21 e 25 de julho de 2025. O Congresso é o momento em que a CPT reafirma seu compromisso pastoral e profético em acompanhar e fortalecer as lutas dos povos do campo, voltando a escuta e os olhares para os clamores dos camponeses e camponesas, em comunhão por uma Terra sem males e pelo Bem Viver.