Na semana passada, o juiz Murilo Lemos Simão revogou a prisão preventiva dos dois únicos acusados dos assassinatos e tentativas de homicídio ocorridos no interior da Fazenda Gaúcha no último dia 22 setembro, no município de Bom Jesus do Tocantins, no Pará. O gerente da fazenda, Reginaldo Aparecido Augusto e um suposto funcionário, André Santos Souza, foram acusados dos disparos que mataram Jair Cleber Alves dos Santos, Agnaldo Ribeiro Queiroz e feriram gravemente outros três trabalhadores.
André, conhecido como "Neguinho", foi preso em flagrante por tentativa de homicídio e porte ilegal de arma de fogo. Para a surpresa e indignação de todos, dois dias depois, o Juiz Murilo Lemos Simão relaxou a prisão em flagrante de Neguinho. Estranhamente, o juiz utilizou como justificativa para relaxar o flagrante, requisito inexistente em nosso sistema legal. Para justificar sua decisão o ele alegou, por exemplo, que o delegado não colheu o depoimento da vítima. Ora, não colheu porque não seria possível, pois a vítima em que Neguinho teria atirado se encontrava numa mesa de cirurgia entre a vida e a morte. Ademais, a informação sobre as mortes a baleamentos eram públicas, não havendo dúvidas sobre o ocorrido e o Código de Processo Penal Brasileiro não estabelece como requisito para manutenção de qualquer flagrante que a vítima seja ouvida pela autoridade policial. O estranho é que o magistrado ignorou o fato grave ocorrido, duas mortes e três baleamentos, e se ateve a formalidades inexistentes para justificar sua questionável decisão. Ainda que ele optasse por relaxar o flagrante, diante da gravidade dos fatos, ele poderia, de ofício, decretar as prisões preventivas dos suspeitos. Mas, o pior ainda estava por vir.
Logo após os crimes, Reginaldo Aparecido, gerente da fazenda, fugiu do local. O delegado da DECA, acertadamente, requereu sua prisão preventiva e, no mesmo pedido, requereu também a prisão preventiva de Neguinho. O juiz de plantão, Dr. Jonas da Conceição, decretou a prisão dos dois acusados. Ao tomar conhecimento da decisão, o juiz Murilo Lemos Simão ficou enfurecido. Em nova decisão, proferida no último dia 30 de setembro, escandalosamente, revogou a prisão dos dois acusados. Além de fazer acusações graves contra o delegado da Deca, que cumpriu com seu papel, o juiz ainda denunciou o delegado à corregedoria de polícia, acusando-o de ter fraudado o plantão judicial. Numa decisão raivosa, o juiz foi desrespeitoso e fez várias acusações contra o delegado. O estranho nas duas decisões do magistrado é que, em nenhum momento, ele fez qualquer menção às mortes e tentativas de homicídio ocorridas contra os trabalhadores, sua preocupação nas duas decisões foi colocar os assassinos nas ruas sem se importar com o que aconteceu com as vítimas.
O que chama a atenção nas escandalosas decisões do referido magistrado é que ele se apega a formalidades que extrapolam a legislação processual penal, apenas para favorecer os acusados e cometer injustiça contra as vítimas. Senão vejamos: primeiro, o suposto "pedido de revogação" da prisão do gerente Reginaldo foi feito em duas páginas e meia, em espaço duplo e sem seguir uma única formalidade exigida pelo Código de Processo Penal, mas o magistrado, zeloso pelo cumprimento da lei, fez vistas grossas para isso. Não teceu um único comentário sobre o "suposto pedido"; segundo, o juiz tinha relaxado o flagrante apenas de Neguinho, pois o gerente Reginaldo, acusado de dois homicídios, encontrava-se foragido, portanto, o pedido feito pelo delegado em relação a ele não tinha qualquer erro formal. Se o magistrado quisesse fazer justiça teria revogado a prisão de Neguinho sob o fundamento de que seu flagrante já tinha sido relaxado e mantida a prisão de Reginaldo que se encontrava foragido, mas o juiz Murilo rasgou as formalidades exigidas pelo CPP e revogou também a prisão do assassino Reginaldo. Ou seja, para os assassinos todos os favores da lei e para as vítimas todos os rigores da lei.
Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo
Mas, não é a primeira vez que o Juiz Murilo Lemos Simão age de forma questionável quando se trata de crimes contra trabalhadores rurais e suas lideranças. Sua atuação na condução do processo que apurou o assassinato do casal de extrativistas assassinados em Nova Ipixuna em maio de 2011 foi duramente criticada pelos familiares das vítimas e pelas entidades de direitos humanos que acompanharam o caso.
Durante a fase de investigação do crime, quando a polícia chegou ao nome de José Rodrigues como o primeiro acusado pelo crime, foi pedida de imediato a prisão temporária dele, entretanto o Juiz Murilo Lemos negou o pedido de prisão. Após mais alguns dias de investigação, a polícia chegou ao nome de Lindonjonson Silva como um dos executores, e então requereu a prisão preventiva de José Rodrigues e Lindonjonson, o Juiz mais uma vez negou o pedido de prisão dos dois. Com mais provas colhidas, a polícia requereu a prisão dos acusados pela terceira vez. O juiz então demorou a decidir. Foi preciso que os familiares e os movimentos sociais denunciassem o juiz à imprensa, aos organismos de direitos humanos e ao próprio Tribunal de Justiça do Estado. Ao receber a denúncia, o Tribunal intimou o Juiz a responder em 24 horas. Frente à pressão da sociedade e a exigência do Tribunal foi que o juiz decidiu então decretar a prisão dos acusados.
A condução do tribunal do júri pelo magistrado também gerou protestos, cujas marcas se encontram ainda hoje nas portas do Fórum do Marabá. Familiares, jornalistas e representantes das entidades de direitos humanos o acusaram de ter contribuído para que José Rodrigues Moreira, mandante do assassinato do casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, fosse absolvido pelos jurados. O próprio magistrado fez questão de registrar sua tendenciosa opinião na sentença de absolvição de José Rodrigues, ao afirmar que "o comportamento das vítimas contribuiu de certa maneira para o crime (...) pois tentaram fazer justiça pelas próprias mãos, utilizando terceiros posseiros, sem terras, para impedir José Rodrigues de ter a posse de um imóvel rural". Em decisão publicada no dia 14/08, o Tribunal de Justiça anulou o julgamento e decretou a prisão de José Rodrigues.
Outro caso que envolve também o juiz Murilo ocorreu em agosto de 2012. O magistrado absolveu o fazendeiro Vicente Correia Neto e os pistoleiros Valdenir Lima dos Santos e Diego Pereira Marinho acusados do assassinato do líder sindical Valdemar Barbosa de Oliveira, o Piauí, crime ocorrido em junho de 2011 em Marabá. De acordo com depoimento prestado pelo pistoleiro Diego Pereira Marinho, o fazendeiro Vicente Correia pagou o valor de 3 mil reais para que a dupla assassinasse o sindicalista.
A confissão do pistoleiro foi sustentada em depoimentos prestados perante a polícia civil de Marabá e acompanhada pela imprensa local. Os dois pistoleiros foram presos após terem assassinado outras pessoas em Marabá. De acordo com informações da polícia, a dupla já assassinou mais de 20 pessoas na região. Após serem presos, Diego prestou novo depoimento perante a polícia afirmando que estava sendo ameaçado na cadeia e que o advogado do fazendeiro Vicente Correia havia lhe mandado um recado através de Valdenir: que se ele negasse o crime perante o Juiz seria financeiramente recompensado. O que ele fez posteriormente. Mesmo com todas essas provas, o juiz Murilo impronunciou e absolveu o fazendeiro e os dois pistoleiros.
O suposto rigorismo do juiz muda quando os acusados de crimes são trabalhadores ligados aos movimentos sociais. Em 2011, o juiz Murilo decretou a prisão de três irmãos de José Cláudio, acusados de um suposto homicídio no interior do Assentamento Extrativista. Os acusados tinham residência fixa, emprego definido, bons antecedentes e compareceram a todos os chamados da polícia, mas nada disso fez com que o juiz permitisse que eles respondessem o processo em liberdade. Eles cumpriam todas as formalidades exigidas pelo CPP, mas o juiz ignorou todas elas.
Frente à gravidade da situação relatada, os familiares das vítimas de crimes no campo, os movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos humanos vão requerer ao Tribunal a suspeição do Juiz Murilo em todos os processos que tramitam em Marabá e que apuram o assassinato de trabalhadores rurais sem terra e lideranças dos movimentos sociais. Vão encaminhar ainda uma representação contra o juiz à corregedoria do Tribunal e ao Conselho Nacional de Justiça.
Marabá, 08 de outubro de 2014.
Familiares de Jair Cleber e Agnaldo Ribeiro.
Familiares de José Claudio e Maria do Espírito Santo.
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI.
Comissão Pastoral da Terra - CPT.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jesus do Tocantins.