COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Reflexões sobre o fazer pastoral em busca de uma terra sem males atravessou concepções de ecossocialismo, economia de Francisco e Clara e voltou o olhar para a própria CPT

Texto: Amanda Costa - Assessoria de Comunicação da CPT Nacional
Fotos: Amanda Costa e Wellington Rodrigues

"Basta um pedaço de terra para a semente ser pão, enquanto a fome faz guerra, a  paz espera no chão" - A vitória do Trigo, Dante Ramon Ledesma

Debaixo da sombra de uma frondosa mangueira no Centro Pastoral Dom Fernando, local sagrado e histórico onde foi criada a Comissão Pastoral da Terra, em 1975, as e os agentes voltaram a reunir-se para lembrar a missão da pastoral e repactuar o seu compromisso com os pobres da terra. Nos dois dias anteriores todos os presentes olharam, pensaram e entenderam o clamor e o sonho da camponesa e camponês em suas diversas especificidades. Dessa vez, se debruçando sobre o terceiro dia de formação, mais um passo foi dado rumo ao comprometimento de continuação na luta junto aos povos.

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Neste espaço simbólico e momento histórico foram lembrados e compartilhados relatos de mulheres que têm sido exemplos de força, resistência, fé e de construção de saberes. Mulheres essas inspiradas nas tantas Rutes que vão além do evangelho: estão espalhadas pelos territórios camponeses e tradicionais. Em seguida, um punhado de terra vermelha, que representa a vida, foi distribuída nas mãos de cada um e cada uma, e levada aos pés da mangueira nutrida de esperança.

Não posso respirar, não posso mais nadar. A terra está morrendo, não dá mais pra plantar. E se plantar não nasce, se nascer não dá, até pinga da boa é difícil de encontrar

Foto: Amanda Costa

O primeiro desafio do dia foi empenhar-se no tema 'Desvendando a concepção do Ecossocialismo e a Economia de Francisco e Clara'. Contribuíram neste espaço o jornalista, militante do PSOL e assessor parlamentar Peterson Prates, além do membro da CPT, Ruben Siqueira, hoje agente da CPT Bahia. Prates iniciou suas considerações a partir de sua atuação na Articulação Brasileira para a Economia de Francisco e Clara e resgatou pontos interessantes da dinâmica para o chamado do Papa Francisco e a sua íntima ligação com a nossa preocupação ecológica/ambiental.

As palavras economia ecologia, como propôs o assessor, possuem uma origem em comum. Oikos: casa, lar, ambiente: Nomein: gerenciar, administrar, cuidar; do grego antigo, Oikos/Nomein: economia. Ao tocar no sentido etimológico da 'Oikos'  é possível pensar que a ideia da ecologia, do ecumenismo, da economia, estão ligadas ao cuidado com a casa comum. Assim, o que Papa Francisco nos chama é, essencialmente, a uma economia integrada, que perpassa todas as dimensões do cuidado com a casa, a serviço da vida.

Diante da desigualdade social e da catástrofe ecológica, que para o Papa caminham juntos, somos convidados a uma ecologia integral, essa trabalhada a partir da ideia da crise do antropocentrismo. Prates explicou que "o chamado para uma nova economia não está só na carta convite em 1º de maio de 2019, há outros documentos que pautam essa Economia de Francisco e Clara. Ele não nos traz uma receita pronta, mas nos chama para o que é construído pelas comunidades, por isso é sempre um espaço de disputa", declarou. 

Foto: Amanda Costa

"Não há como defender a terra sem propor uma economia a serviço dos povos". O assessor lembrou que uma das referências para a construção da Economia de Francisco e Clara são os encontros populares. 

E a terra dos homens já sem a pirâmide/ Pode organizar-se em fraternidade/ Pode organizar-se em fraternidade / Ninguém é esmagado na nova cidade / Todos dão as mãos em viva a unidade

Em sua fala, Prates também expôs que a própria Laudato Si' aborda a questão da financeirização e de como construir uma economia respeitando o meio ambiente. "Não é uma carta puramente ecológica, ela é robusta porque faz um olhar sincero sobre a crise socioambiental que vivemos, nos indica e nos provoca mudanças". A partir daí, lembrou a visita do Papa a Assis, que, em diálogo com a articulação a nível latino-americano, começa a tecer discussões sobre o conceito de ecossocialismo ao pensar "uma economia amiga da Terra", inspirada em Francisco de Assis, uma economia de paz. 

Quem tratou sobre o conceito foi o agente da CPT, Ruben Siqueira, desde pensamentos elaborados por Michel Lowy, sociólogo brasileiro radicado na França. Foram abordadas, portanto, a contextualização desse debate sobre o termo, o levantamento de referenciais, uma retrospectiva histórica e conclusão-síntese. Em relação ao contexto no qual se insere a ideia do ecossocialismo, Ruben destacou o agravamento da crise ecológica com as mudanças climáticas; os povos vulneráveis e periféricos como as primeiras e maiores vítimas; e as respostas insuficientes ou o descumprimento sistemático de responsabilidades firmadas em em conferências, convênios, relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), tratados - como o TIRFAA e FAO, e acordos - como de Paris e Escazú. 

Além disso, o agente trouxe para o contexto a transformação dos chamados 'Partidos Verdes' e ONGs ambientalistas em meros parceiros 'ecorreformistas' da gestão neoliberal ou socio-liberal do capitalismo, assim como a ideia de "Ecologia de Mercado", com sua economia verde, mercado de carbono etc, que se colocam como transformações que, na verdade, não são transformadoras.

"O capitalismo é, por natureza, ecocida". Ao mesmo tempo que fez essa afirmação, Siqueira colocou o questionamento: O que vamos fazer em termos de decisão política, econômica, enquanto coletivo, é para ser menos ruim ou tem capacidade de transformar radicalmente para superar o capitalismo?

Foto: Welligton Rodrigues - CPT MT

Como uma conclusão-síntese formulada por Lowy, foi colocado que "o sistema capitalista é geneticamente incapaz de interromper sua marcha de destruição da natureza, por isso não há solução sem superar, a solução é necessariamente anti-capitalista e a alternativa mais coerente e radical é o ecossocialismo". Ruben fez questão de lembrar que essa, portanto, é uma ideia que vem dos Zapatistas, os quais tentaram fazer o ecossocialismo com diálogo com a ancestralidade daqueles povos indígenas de Chiapas.

"Um mundo onde caibam muitos mundos"

O ecossocialismo, de acordo com o exposto, se apresenta como a resposta capaz e competente para mudar o sistema e enfrentar o problema climático. De modo a construir propostas coletivas nessa direção, o manifesto 'Chamado para uma transição ecossocial no Brasil' dispõe sete pontos para dialogar com a sociedade brasileira sobre os caminhos necessários, entre eles o desmatamento zero com manejo e restauração das florestas com espécies nativa, a defesa da demarcação imediata, da autonomia dos territórios e dos direitos da natureza, a ampliação a agroecologia, soberania alimentar e proteção  das águas.

Um olhar sobre a pastoralidade da CPT

Convocados pela memória subversiva do evangelho, delegou-se também a tarefa e o desafio de pensar a CPT em meio a todo o contexto apresentado ao longo dos dias da formação. Para este momento foi convidada a pastora Romi M. Bencke, teóloga luterana, que inicia sua exposição convidando a pensarmos quem somos enquanto pastoral. "A CPT é uma pastoral colocada dentro de uma ação e tradição religiosa, do cristianismo católico romano, de abertura ecumênica e inter-religiosa", afirmou.

De acordo com Romi, essa definição se dá no sentido de dizer quem são os sujeitos que se unem, por meio da pastoral, para pensar um projeto para o Brasil. Quais são as características e identidades que atravessam esses sujeitos que estão em construção? Essa foi a reflexão semeada. 

Foto: Welligton Rodrigues - CPT MT

Em seguida, surgiu a provocação: se somos pastoral de uma igreja, temos a dimensão da espiritualidade? A resposta veio em seguida. Não prontamente. Pastora Romi nos diz que "fazemos parte de uma tradição religiosa que é hegemônica no Brasil, vinculada ao colonialismo. Essa hegemonia é uma das principais forças em disputa política-religiosa. Dentro da própria igreja católica apostólica romana, a CPT seguir coerente com seus objetivos, é um desafio".

Sua fala se dá no campo em que as pastorais também estão em disputa. "Temos pastorais muito aliadas com projeto ideológico neoliberal… brancas, patriarcais, capitalistas. Isso está dentro das nossas igrejas. E as propostas que fazemos, para nós são extremamente coerentes com o evangelho, e são, mas nossos irmãos e irmãs dizem que estamos afastados, que é uma proposta ideológica", chamou a atenção. Complementou ainda, dizendo que essas pastorais representam "outro rosto, distante da CPT, que é plural, que bebe da sabedoria, cultura e religiosidade popular, mas estão disputando forças dentro do projeto''.

Para elucidar o contexto que apresentou, Romi utilizou-se da simbologia do mito romano da Hydra. Em sua explanação, o capitalismo é o monstro da Hydra que vamos vencendo. Cortando uma cabeça e três outras se regenerando. Mas podemos imaginar Hércules como o coletivo, que é quem vai pensar em estratégias para podermos chegar na cabeça principal e derrotá-la. Cabeças que representam a financeirização, o agronegócio, os projetos de morte, todos os nomes que foram citados durante os dias da formação.

Por fim, a pastora propôs que possamos assumir a necessidade de nomearmos qual pastoral somos. Em sua concepção, desde a árvore, é uma pastoral libertadora, coletiva, transformadora, ecumênica e inter-religiosa. E mais: é, sobretudo, periférica. "Esse é o nosso lugar. Ali está a nossa força coletiva para cortar as cabeças da Hydra, dali que brotam as estratégias. Precisamos dar visibilidade e colocá-las no centro da nossa própria tática pastoral". Ao mesmo tempo, declarou: "Não podemos perder a dimensão da Reforma Agrária, as nossas raízes. Precisamos voltar à mangueira - em sua simbologia - sempre, para não nos perdemos". 

Foto: Amanda Costa

"Cansei de ser domesticada, quero andar com os próprios pés, organizar a rebeldia, e assim deixar de ser refém"

Após partilha sobre a construção do projeto popular para o Brasil a partir da construção da 6ª Semana Social Brasileira, durante a tarde, as e os agentes se voltaram novamente a um trabalho em grupo, iniciado no dia anterior, para discutir quais as bases a CPT deve se firmar nesse processo.

Foto: Welligton Rodrigues - CPT MT

Foto: Welligton Rodrigues - CPT MT

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