COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Decisão histórica condena o Estado brasileiro pela morte do advogado e agente da CPT, Gabriel Sales Pimenta

Rio de Janeiro e Pará, 4 de outubro de 2022. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma decisão histórica no caso Sales Pimenta Vs. Brasil, ao declarar que o Estado brasileiro violou o direito de acesso à justiça e o direito à verdade por não ter investigado e sancionado todos os responsáveis pelo seu assassinato.

Adicionalmente, determinou a violação do direito à integridade pessoal da família de Gabriel pelo sofrimento causado pela denegação de justiça e verdade em relação à sua morte. O caso foi denunciado em 2006 pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Como forma de reparação pelas violações cometidas, a Corte determinou a reparação integral aos familiares, a criação de um mecanismo que permita a reabertura de processos judiciais de responsabilização dos perpetradores e que o Estado tome medidas de não repetição, relacionadas com a prevenção de atos de violência e com a proteção de pessoas defensoras de direitos humanos.

Dentre as medidas de não repetição ordenadas pela Corte, destacam-se: criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade estrutural contra pessoas defensoras; desenvolver um protocolo de devida diligência para a investigação dos crimes cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos e um sistema de indicadores que permita medir a efetividade do protocolo; rever e fortalecer o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH); e elaborar e implementar um sistema nacional de coleta de dados e cifras relacionados a casos de violência contra pessoas defensoras de direitos humanos.

Helena Rocha, codiretora do programa para o Brasil e Cone Sul do CEJIL, organização que levou o caso ao Sistema Interamericano juntamente com a CPT, expressou: “essa sentença confirma o que vários órgãos internacionais têm afirmando sobre o grave cenário de violência sistemática contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil e atribui ao Estado uma responsabilidade agravada de protegê-las e de investigar qualquer ato ou ameaça que venha a ser sofrido por elas. Para isso é fundamental desenvolver instrumentos de enfrentamento à impunidade estrutural de esses casos e promover políticas públicas efetivas para sua proteção”

Paralelamente, José Batista, advogado da CPT em Marabá declarou:  “a sentença da mais alta corte de Direitos Humanos das Américas, condenando o Estado Brasileiro por não proteger,  não investigar  e nem punir os responsáveis pelo assassinato do Advogado Gabriel Pimenta, tem um peso histórico e um valor simbólico muito grande para os camponeses e sus lideranças, que fazem a luta pelo acesso e premência na terra no Brasil. Reforça ainda a luta das entidades de defesa de direitos humanos pela defesa da vida, contra a violência e a impunidade dos crimes que ocorrem no campo”. 

Após mais de 40 anos de impunidade, a justiça por Gabriel Pimenta começou a ser feita. Contudo, ainda há muito caminho a percorrer, pois a proteção a pessoas defensoras de direitos humanos só pode ser efetivada com o fortalecimento de políticas públicas adequadas como as que foram ordenadas pela Corte no caso concreto. A luta de/por Gabriel Pimenta é constante e de todas e todos nós.

A luta, portanto, é não só por justiça para Gabriel, mas pela garantia dos direitos de todos os trabalhadores rurais e defensores do direito à terra e ao meio ambiente, os quais desempenham um trabalho fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. 

O irmão do Gabriel, Rafael Pimenta, concluiu: “Passados quarenta anos do crime contra o Gabriel, perpetrado por representantes do latifúndio, dos madeireiros e dos mineradores, que até hoje dominam o Brasil, a condenação da Corte Interamericana contra o Estado brasilerio foi um marco muito importante na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos. Gabriel era um advogado de direitos humanos, um advogado dos trabalhadores sem terra e da população desassistida pelo Estado brasileiro. É uma vitória do Gabriel, é uma vitória dos direitos humanos e é uma vitória do povo brasileiro”. 

Entenda a decisão:

  • A Corte Interamericana reconheceu que existe um contexto de violência e impunidade estruturais contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, especialmente as que atuam na defesa do direito à terra.

  • A Corte Interamericana determinou que houve a violação do direito de acesso à justiça e do direito à verdade dos familiares de Gabriel face à grave negligência do Estado brasileiro em prover recursos adequados e efetivos para investigar, julgar e sancionar seu assassinato.

  • O caso, litigado pelo CEJIL e pela CPT, recebe uma sentença depois de quase 15 anos tramitando no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e 40 anos após a morte de Gabriel.

Conheça melhor o caso:

Desde o início de sua trajetória, Gabriel teve forte atuação na proteção dos direitos humanos dos mais vulneráveis. Formou-se em Direito e deixou seu emprego em um banco na capital para poder atuar junto a movimentos sociais de defesa dos direitos dos trabalhadores rurais e pelo direito à terra na região Norte do país. Em 1980, mudou-se para a cidade de Marabá (Pará), onde era representante legal do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR).

Durante esse período, Gabriel Pimenta defendeu diversas causas de trabalhadores e ajudou a organizar movimentos sociais na região. Contudo, a sua inédita vitória judicial que determinou o retorno dos posseiros à região de Pau Seco, região conhecida por ser palco de grandes conflitos, resultou em constantes ameaças que, infelizmente, culminaram no seu assassinato em 18 de julho de 1982. 

Testemunhas do crime auxiliaram na identificação de alguns executores e mandantes, mas a justiça nunca foi feita. O Estado atuou de maneira conivente com os crimes, ora tardando exageradamente nos atos necessários para o bom andamento processual, ora atuando de maneira parcial. Esse conjunto de ações resultaram na denegação de justiça e na decretação da prescrição em relação ao principal acusado, enquanto os demais faleceram ao longo dos anos.

Durante todo esse tempo, a família não desistiu da realização da justiça, tendo buscado inclusive a responsabilização dos agentes responsáveis pela demora processual. Nessa demanda, tampouco obtiveram resposta por parte do Estado. A luta permanente causou danos irreparáveis aos familiares, que deixaram de acreditar que poderiam ter qualquer resposta por parte das instituições nacionais, o que os levou à denúncia internacional. 

Como reconhecido pela Corte Interamericana, a violência e a impunidade que marcaram o assassinato de Gabriel Sales Pimenta, não o fazem um caso isolado, mas sim, uma prática que persiste ao longo dos anos e que já vitimou incontáveis pessoas defensoras de direitos humanos no estado do Pará e em todo o país.

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