COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Empresas, Governo Federal e Governo de MG armam a construção de mais uma barragem no sofrido Rio São Francisco.

Fotos: João Zinclair

Não à UHE Formoso!
NOTA PÚBLICA

No dia 22 de maio de 2020 foi publicado o Decreto nº 10.370, pelo Executivo Federal, cujo escopo envolveu a qualificação da denominada Usina Hidrelétrica Formoso (UHE Formoso), no Rio São Francisco, como empreendimento apto a ser incluído no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República, após recomendação da Casa Civil. Tal projeto compreende a construção de uma estrutura com capacidade de geração hidrelétrica de 306 megawatts (MW) nos municípios de Pirapora e Buritizeiro, no Norte do Estado de Minas Gerais, a 110 km abaixo da barragem e hidrelétrica de Três Marias.

Trata-se de um projeto antigo, reativado em 2017, que é de responsabilidade da empresa Quebec Engenharia (Construtora Quebec S/A), Tractebel Engeneering Suez e SPE Formoso. Tal notícia trouxe bastante preocupação aos povos ribeirinhos e à sociedade civil em geral, pela falta de transparência e pelos seus incontáveis impactos socioambientais, hídricos, econômicos, turísticos, arqueológicos, histórico-culturais, entre outros. Este projeto instala um conflito interestadual pelo uso da água da bacia hidrográfica do Rio São Francisco, envolvendo os estados de: Minas Gerais (MG), Bahia (BA), Pernambuco (PE), Sergipe (SE) e Alagoas (AL). Ao contrário do que vem sendo difundido por alguns setores, os gigantescos impactos negativos da UHE Formoso estão muito longe de serem compensados pelos empregos que podem vir a ser criados na região.

O autoritarismo e as manobras para acelerar o processo de licenciamento ambiental  marcam a tentativa de implantar o projeto. Além de não consultar nenhum setor da sociedade, as informações apresentadas pela empresa para o IBAMA[1] (para iniciar o licenciamento ambiental) não condizem com as reais condições ambientais da região e da bacia sanfranciscana. Exemplo disso é o fato de que a empresa considera apenas seis municípios como potencialmente atingidos pelo empreendimento, sendo que a construção de uma usina deste porte afetará todo o regime de vazão do rio São Francisco, alterando não só os processos de cheias até a barragem de Sobradinho, como, também, o regime das hidrelétricas ao longo do rio[2]. Ademais, somente na área de impacto declarada pela empresa, existem mais de 60 sítios arqueológicos registrados, inúmeros cursos d’água, bens patrimoniais tombados pelo IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais), áreas de Preservação Permanente (APPs), regiões de várzea, veredas, remanescentes de Mata Atlântica, espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção, entre outros. Além das manobras duvidosas do ponto de vista ético, técnico e normativo, os estudos de viabilidade do empreendimento usados pela empresa são muito defasados – década de 1990. Os fatos são mais que suficientes para cancelar o processo de licenciamento. Mesmo desta forma, sem questionar a empresa, os órgãos ambientais estão dando andamento ao licenciamento. Pior, há um acordo costurado entre o IBAMA e a SEMAD[3] para transferir o licenciamento ambiental para o Governo de Minas Gerais.

Os órgãos envolvidos desconsideram a crise que vivemos na bacia sanfranciscana em função da baixa vazão do rio, que afeta todas as regiões, na qual as vazões ecológicas das 9 barragens/hidrelétricas que já existem tiveram seus limites alterados para baixo – não há água suficiente nem mesmo para produzir a energia projetada nas UHEs localizadas na região sub média e baixa da bacia do Velho Chico, que já está na UTI por causa de tanta devastação na sua bacia.

É importante reiterar que a usina coloca em risco a sobrevivência de inúmeras comunidades tradicionais que vivem não só na região, mas em toda a bacia, como povos indígenas, comunidades quilombolas, pescadoras, vazanteiras e pequenos agricultores.

Há ainda uma falsa impressão que o empreendimento da UHE Formoso trará desenvolvimento para a região, por meio da geração de empregos e de incremento na economia. Isso é mentira! O projeto é insustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental, e também incapaz de beneficiar as comunidades locais como vem sendo idealizado por alguns interlocutores. Esse tipo de obra traz a migração sazonal de trabalhadores ocasionando o aumento da violência social e exploração sexual, pressão sobre os serviços públicos, elevação do custo de vida e outros estorvos. Assim, bons salários para os sócios das empresas e para a mão de obra especializada. Entretanto, para a população, problemas socioambientais, empobrecimento e miséria.

Desse modo, nós, povos do São Francisco manifestamos nosso total repúdio à construção da Usina Hidrelétrica do Formoso. Estamos mobilizando toda a sociedade para lutar contra este projeto que, sorrateiramente, no momento em que o Brasil se preocupa com a pandemia do novo coronavírus/COVID-19, tentam instalar em nosso amado Rio, que é vital à existência de nossa gente. Somos povos tradicionais, quilombolas, indígenas, comunidades pesqueiras, vazanteiras, geraizeiras, entre outras, que vivem e preservam o Rio, “nosso pai”! Somos movimentos sociais, pastorais sociais, organizações populares, artistas, jornalistas, pescadores/as professoras/es, advogadas/os, ribeirinhos/as, estudantes, pesquisadores/as, trabalhadores, ativistas da causa ambiental e movimentos organizados. Mais de 60 entidades na luta em defesa do Rio São Francisco.

Não à UHE Formoso! O Velho Chico Vive! São Francisco Vivo! Terra Água Rio e Povo!

 

Assinam esta Nota Pública:

Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)

Articulação Popular São Francisco Vivo

Articulação Rosalino Gomes de Comunidades Tradicionais

Articulação do Semiárido (ASA)

Associação Ambientalista Corrente Verde

Associação Clube Literário Tamboril

Associação Comunitária Quilombola Pesqueira e Vazanteira Caraíbas

Associação Comunitária Quilombola Pesqueira e Vazanteira Croatá

Associação Comunitária Pesqueira e Vazanteira de Canabrava

Associação Comunitária dos Vazanteiros da Ilha da Porteira 

Associação de Mulheres e Homens Pescadores Nossa Senhora Aparecida – Povoado Serrão Ilha das Flores – SE

Associação Quilombola Pesqueira e Vazanteira Família Lídia Batista Sangradouro Grande

Aposentados e Pensionistas do Serviço público Federal de Minas Gerais (SINSEP-MG)

Coletivo Velho Chico Vive

Colônia de Pescadores Z-20 de Ibiaí

Comissão Pastoral da Terra Minas Gerais

Comissão Pastoral da Terra Oeste BA

Comissão Pastoral da Terra Juazeiro BA

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

Cáritas Arquidiocesana de Montes Claros

Cáritas Brasileira Regional de Minas Gerais

Cáritas Diocesana de Bom Jesus da Lapa

Cáritas Diocesana de Januária

Coletivo de Assistentes Sociais Resistência e Luta – SE

Coletivo de Mulheres do Norte de Minas

Comunidade Tradicional Vazanteira, Quilombola e Pesqueira Cabaceiras

Comunidade Tradicional Vazanteira e Pesqueira Maria Preta

Comunidade Tradicional Vazanteira e Pesqueira Barrinha

Comunidade Tradicional Vazanteira e Pesqueira da Venda

Coordenação Regional Quilombola do Território do Velho Chico

Coletivo de Comunidades de Fundo e Fecho Pasto do Oeste da Bahia

Departamento de Psicologia da UFS

Diocese de Bom Jesus da Lapa

Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas

Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco (FUNDIFRAN)

Fundação João Cristiano – Brotas de Macaúbas

Grupo Marisqueiras de Sergipe

Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA)

Levante Popular da Juventude

Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB – MG e Oeste da BA)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento Universitário Afronte – UFS

Movimento de Mulheres Camponesas

Movimento Negro Unificado – PE; 

Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais – NE; – 

Observatório Contra a Violência – UFS 

Povos Indígenas Tuxá

Paróquia Bom Jesus dos Aflitos, Floresta – PE

Pastoral da Criança Diocese de Bom Jesus da Lapa

Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP)

Pastoral do Meio Ambiente (PMA)

Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO – Núcleo SE) 

Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SINDIUTE – Subsede Pirapora)

Sindicato Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço público Federal de Minas Gerais (SINSEP-MG)

Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (SINDIELETRO – Regional Norte)

Sindicato dos Trabalhadores(as) Rurais e Agricultores(as) Familiares de Barra – BA (SSTRAF)

Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda

Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Sergipe – Subsede Baixo São Francisco II

Apoio Técnico: GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais; Projeto Manuelzão – Universidade Federal de Minas Gerais; Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana – UNIMONTES; NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – UNIMONTES.

Pirapora, MG, 03 de julho de 2020

 

 

[1] Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

[2] Ao longo do Rio São Francisco já existem 9 barragens/hidrelétricas sacrificando toda a vida do Velho Chico. O Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso é um conjunto de hidrelétricas, localizado na cidade de Paulo Afonso, formado pelas hidrelétricas de Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales (Moxotó), que produz 4.000 megawatts de energia, gerada a partir do desnível natural de 80 metros da cachoeira de Paulo Afonso, no rio São Francisco. A barragem e Usina Hidrelétrica de Sobradinho está localizada nos municípios de Sobradinho e Casa Nova, estado da Bahia, a 40 km das cidades de Juazeiro (Bahia) e Petrolina (Pernambuco) e distante, aproximadamente 470 km do complexo hidroenergético de Paulo Afonso. A barragem/hidrelétrica de Sobradinho tem uma potência instalada de 1.050.000 KW (1.050 MW) e conta com 6 máquinas geradoras.  Outras usinas hidrelétricas construídas ao longo do rio são a de Xingó, Itaparica (Luiz Gonzaga) e a de Três Marias, no Alto São Francisco, em Minas Gerais.

[3] Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais.

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